Na França, produções audiovisuais com paridade de homens e mulheres recebem bônus financeiro

Pelo segundo ano consecutivo, mulheres do setor audiovisual se reúnem durante a realização da Mostra para discutir a participação feminina na indústria. O primeiro encontro da edição de 2021 foi realizado nesta segunda-feira, dia 25 de outubro. Na ocasião, Leslie Thomas, secretária geral do CNC – Centre National du Cinéma et de l'Image Animée, órgão vinculado ao Ministério da Cultura da França, compartilhou os avanços das políticas públicas implementadas a partir de 2019 para promover a igualdade de gênero na indústria audiovisual, em uma conversa com a ex-consulesa da França do Brasil, Alexandra Loras.

Dentre as políticas adotadas, foi estabelecida a concessão de um bônus para produções com paridade de gênero em posições de liderança criativa, aumentando em 15% seu apoio financeiro, e a inclusão de cláusula sobre assédio sexual nos contratos de seguro das produções audiovisuais, garantindo a interrupção das filmagens para averiguação de denúncias.

Um dos filmes que recebeu o "bônus de paridade" do CNC no último ano foi "Titane", de Julia Ducournau, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. "Todos ficamos muito felizes. É uma mulher, uma jovem mulher, diretora oriunda da nova geração de realizadoras francesas. Ela tem um olhar muito particular, faz o que chamamos de filmes de gênero. Claro que o júri deu o prêmio porque quis dá-lo naquele momento, mas é importante vermos que, a partir do impulso de coletivos, houve uma feminilização dos corpos de jurados nos festivais nos últimos anos, isto é, os júris são compostos cada vez mais por homens e mulheres igualmente. Os principais festivais, recentemente, também assinaram uma carta para justamente favorecer o surgimento de mais mulheres tanto na seleção quanto nos júris. Ou seja, essa premiação faz parte de um longo processo", afirmou Leslie Thomas. O bônus existe há dois anos e, em 2020, beneficiou mais de 45 filmes. Outro título beneficiado com ele foi "L'Événement", de Audrey Diwan, vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza. 

"Também é interessante observar como 'Titane' desconstrói estereótipos. Ele apresenta a jornada de uma mulher que começa sua existência de certa maneira e que, depois, evolui, e faz questionamentos sobre gênero e família. O filme oferece uma visão, um retrato de uma mulher que é muito singular. É uma maneira subliminar de denúncia de estereótipos", analisa Thomas. 

A secretária-geral disse que na França há movimentos de associações muito fortes trabalhando pela igualdade entre os gêneros no setor audiovisual – como o coletivo 50/50 e a associação PFDM – Pour Les Femmes Dans Les Médias. "Inegavelmente foram esses coletivos e associações que impulsionaram uma maior visibilidade para o trabalho das mulheres", pontua. Ela segue: "Vale dizer que, na França, temos uma particularidade: as grandes escolas de cinema recrutam com paridade, ou seja, mulheres e homens se beneficiam do mesmo nível de formação. Mas, apesar disso, o que constatamos é que, depois, na indústria, a distribuição é mais favorável para os homens do que para as mulheres. Os homens acessam filmes com orçamentos maiores. A situação no mercado é bem diferente. Por isso é muito importante dar visibilidade ao trabalho e ao talento das mulheres. Nós, do CNC, respondemos ao Ministério da Cultura da França, mas nós também fomos incitados por esses coletivos e pelas organizações sindicais dos profissionais". 

Combate à violência sexual e de gênero 

Apesar de movimentos como o #MeToo – que se posiciona contra o assédio sexual e a agressão sexual – não falarem diretamente sobre a questão da igualdade no setor, Thomas explica que eles trouxeram o assunto à tona, o que ajuda na hora de trabalhar essa problemática no audiovisual. "A vantagem é que na França já havia uma estrutura associativa muito forte, com engajamento e militância, o que eu considero muito importante. Também tivemos uma repercussão favorável na mídia", observa. 

Desde janeiro de 2021, há uma regra no país que, quem quiser a ajuda do CNC terá a obrigação de proteger seus empregados em relação a possíveis episódios de assédio. Para ajudar os profissionais que empregam a cumprirem essa obrigação, foi criada uma formação. "A ideia era fazê-los entender quais eram suas obrigações diante da questão e quais os caminhos a serem tomados. Nosso objetivo é formar nove mil profissionais em três anos – já formamos dois mil desde outubro de 2020. Por muitos, isso foi visto como algo coercitivo. Mas hoje, entre os formados, recebemos um retorno extremamente positivo. As pessoas passam a entender quais são suas responsabilidades e enxergam como têm em mãos as ferramentas para combater o problema", conta. 

Thomas comenta que todo esse trabalho de formação tem como foco a prevenção de situações de assédio que, segundo ela, afeta tanto mulheres quanto homens no ambiente de trabalho, embora para as mulheres seja um fenômeno social e, com os homens, aconteça de forma rara e pontual. "Na formação, apresentamos os conceitos do que é assédio, o que é uma violência sexual ou de gênero e quais as condições que nos permitem evitar essas situações. Trabalhamos com a prevenção e com o que fazer caso aconteça. O grande objetivo é criar parâmetros para que essas situações sejam o mais raras possível", define. 

Desafios de implementação 

Quando questionada a respeito de como aplicar políticas do tipo em outros países – como o Brasil – Thomas reflete: "Eu acho que há uma espécie de momento em que as coisas estão alinhadas – vontade política, engajamento da militância e uma estrutura de associações que se inflam e, juntas, conseguem seguir em frente. É complicado. No começo, não havia um mapa, uma receita. Precisou de uma espécie de maturidade do poder público e dos profissionais para que pudéssemos avançar juntos e definirmos os termos de uma política pública forte". Para pressionar o Governo a adotar ações que trabalhem em cima dessas questões, ela aconselha: "O apoio da mídia é essencial. Além disso, é importante ter homens e mulheres na política institucional e nos coletivos associados, para encontrar as alavancas certas e para que aquilo que surge de um movimento dos próprios profissionais e dos sindicatos possa encontrar um eco na política". 

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