Zico Goes defende relação mais parceira entre plataformas e produtores

Nesta segunda-feira, dia 26 de setembro, Zico Goes, executivo de TV e produtor de conteúdo com passagens pela MTV Brasil, Fox e Disney, esteve presente no BrLab Santa Catarina, evento parceiro do FAM, para ministrar a palestra "O que querem os players?". "Mais do que responder a essa questão, o caminho é tentar entender o momento atual e de onde isso vem, isto é, quem são esses caras que agora chamamos de players. O streaming não é tão diferente da velha e boa TV aberta – pelo menos do ponto de vista de conteúdo. No fim, é tudo sobre contar histórias", apresentou o executivo. 

Para contextualizar o tema, Goes fez uma espécie de linha do tempo, começando com a TV aberta que, pra ele, conta com duas características fundamentais. A primeira é o fato de ela ser vertical, no sentido de que o canal produz aquilo que exibe, "o que do ponto de vista do negócio pode ser interessante, mas da audiência, nem tanto, porque você acaba consumindo as mesmas coisas; exceções começaram a surgir só nos últimos anos, com canais como Globo e Record começando a terceirizar um pouco da criação". A outra é o caráter generalista, com um "conteúdo que serve para todo mundo ao mesmo tempo". 

Já a TV paga é mais horizontal, trabalha com a produção independente e foi muito pautada pela política de cotas. "A TV paga chegou no Brasil dez anos depois que em outros países da América Latina – neles, atingiu quase 90% de penetração, enquanto no Brasil só bateu os 40%. Isso tem a ver com o porquê aderimos mais ao streaming do que outros países. Já não éramos muito apegados à TV paga e, com o streaming, a deixamos ainda mais de lado", pontuou. "Uma das coisas mais legais da TV paga foi a chegada da segmentação, com canais voltados a poucas pessoas. Nela, cabe um canal que não fala com todo mundo ao mesmo tempo, e sim apenas com alguns nichos. Houve ainda uma quebra da relação com o Ibope, com a obrigação de atingir pontos de audiência. Muitos clientes não querem falar com todo mundo – o que seria muito mais caro, inclusive – e sim justamente com esses grupos específicos, por isso um super Ibope deixa de ser essencial", analisou. "Na publicidade, não é mais apenas sobre converter em vendas, mas criar um relacionamento com o público a longo prazo. A segmentação mudou não só produção e o consumo, mas também o próprio mercado", completou. "A Pay TV trouxe o frescor da produção independente e a diversidade, com histórias contadas por pessoas diferentes e que não eram contadas na TV aberta. O streaming até hoje olha pra isso – séries, reality, documentário… A TV paga é a cama que o streaming deitou em termos de conteúdo", concluiu. 

Streaming: pulverização de conteúdos, de produtores e de audiência 

A chegada da internet revolucionou o mundo em diferentes âmbitos e, obviamente, também impactou o mercado audiovisual. Com a digitalização de músicas e vídeos, o volume de acesso aumenta exponencialmente. Nesse caminho, é impossível não falar sobre a Netflix, que simboliza o pioneirismo das plataformas de streaming. "Foi uma grande virada. O streaming trouxe a pulverização dos tipos de conteúdos, de produtores e de audiência; um boom de obras e uma maior democratização", elencou Goes. O executivo mencionou ainda a chegada dos conceitos de maratona e algoritmo, que também mudaram de forma significativa os hábitos de consumo dos conteúdos audiovisuais. 

"Mais tarde, a Netflix se deu conta de que era só um veículo que exibia as coisas dos outros. Ela já tinha quantidade, mas queria buscar mais qualidade. Começou, então, a produzir originais. Ao mesmo tempo, começaram a surgir mais plataformas. Para os produtores, a pluralização de plataformas é incrível. E é um mercado de gente grande, com empresas como Amazon e Apple, que não eram grandes produtoras de conteúdo, querendo fazer parte", destacou. 

O protagonismo das séries 

Goes ressaltou que todo player precisa de muito produto, o tempo todo – seja comprado ou seja de produção original: "O que eles querem nos conteúdos é um pouco do que a audiência ainda não sabe que quer ver e um pouco do que ela já está acostumada. É o que os streamings e os canais fazem: equilibrar novidade com conforto". 

O executivo apontou que a série ainda é o formato mais associado ao streaming: "Do ponto de vista do conteúdo, nas séries os personagens têm mais tempo para se desenvolver, com conflitos longos e recorrentes, e possibilidade de multi-temporadas – o que já cria uma conexão com a audência, não precisa trabalhar de novo no marketing de vender a história". Nesse sentido, ele enfatiza o espaço das produções procedurais – que, inclusive, prefere chamar de "caso do dia". "É algo que dá certo. Todo canal quer uma série assim hoje em dia", garantiu. 

Em sua apresentação, o especialista sublinhou três pontos de atenção: Histórias Brasileiras, Narrativas Negras e Diversidade e Inclusão. "A ideia é que tudo isso faça parte da oferta de conteúdos, mas ainda é difícil porque os tomadores de decisão não são brasileiros em maioria. É uma batalha que cabe a nós, criadores e produtores, porque afinal são histórias que merecem ser contadas. Os players querem ouvir essas histórias, mas ainda não estão necessariamente produzindo. Vão ter que se acostumar, é algo que não tem mais volta. O problema é que essas questões ainda são tratadas como histórias de nicho – e não deveria ser assim, e sim a coisa mais popular do mundo. É uma missão de todos nós reverter". 

Falando em tendências, Goes listou diversos temas: fatos reais, suspense, thriller, terror, romance, família, crime, Brasil e comédia. "Não são exatamente tendências de produção, e sim desejos dos players", esclareceu. 

Cenário atual 

Goes ressaltou a necessidade da regulamentação do streaming, que vai trazer mais garantias para a produção nacional e mais direitos para os profissionais do audiovisual brasileiro. "Hoje em dia, os players não estão mais querendo garimpar tanto, querem logo achar a pepita. A regulamentação precisa apostar no desenvolvimento de projetos – é isso que vai levar até as tais pepitas. Se não produzir e garimpar, não chega até elas". 

Em relação exclusivamente ao streaming, ele afirmou que, apesar de estar presente há anos, ainda representa um mercado novo. "Há pouca estratégia, não existe regulamentação, a identidade brasileira ainda é pequena e a relação das plataformas com os produtores e autores ainda tem problemas. Essa relação devia ser de parceria, porque no fim das contas o 'cliente' é um só, a audiência. Mas não é o que acontece. As empresas colocam exigências, protocolos que, às vezes, são muito burocráticos para cima do produtor audiovisual independente brasileiro. Todos os players querem ser donos dos produtos. Mas, a rigor, o poder está na mão de quem sabe contar as histórias. Precisa equilibrar essa balança de poder econômico e de contar história", defendeu. 

Por fim, o executivo concluiu: "Essa demanda dos players ainda está muito no campo da intuição, são poucas as certezas. Nosso mercado é difícil, o produto audiovisual não tem fórmula. É a indústria do risco. Tudo ainda é novo. Estão tateando o terreno e testando. A Netflix já não nada mais de braçada, a Globo mudou completamente. É uma constante transformação". 

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