Após lançamento em streaming, Karim Aïnouz diz sentir falta da troca com o público

O premiado documentário "Aeroporto Central", de Karim Aïnouz, estreou nas plataformas de streaming na última sexta, 24 – o longa estava previsto para ser lançado nos cinemas brasileiros em 26 de março mas, devido à pandemia, a produtora Mar Filmes e o Canal Brasil, coprodutor da obra, decidiram pela estreia direto em VoD.

"Eu sinceramente não sei o que esperar desse lançamento em VoD, é tudo muito novo para mim. Nunca fiz isso. Estamos em um momento histórico muito específico. Eu mesmo não assistia a filmes em streaming, comecei a fazer isso há três semanas por conta do isolamento", conta, em entrevista exclusiva para TELA VIVA, o diretor Karim Aïnouz, diretamente de Berlim, na Alemanha. "Quero descobrir como faz para, nesse contexto de lançamento, trocar com o público, algo como os debates que fazemos nas estreias tradicionais. Ainda não sei como fazer isso no streaming. É o que está me inquietando", completa.

O enredo de "Aeroporto Central" se passa no extinto Aeroporto de Tempelhof, em Berlim, que já foi um local marcado por chegadas e partidas de outra maneira para além da tradicional dos aeroportos: entre 2015 e 2019, seus enormes hangares foram usados como um dos maiores abrigos de emergência da Alemanha para refugiados que buscavam asilo. Ao longo de um ano, entre 2015 e 2016, o filme acompanha o estudante sírio de 18 anos Ibrahim e o fisioterapeuta iraquiano Qutaiba. À medida que se ajustam ao cotidiano transitório de entrevistas com o serviço social, aulas de alemão e exames médicos, eles tentam lidar com a saudade e a ansiedade para saber se poderão residir no país ou se serão deportados. Aïnouz passou um ano no aeroporto, acompanhando pessoalmente o dia a dia dos refugiados que viviam ali. "Diferente de um projeto de ficção, eu não sabia quando tempo esse trabalho ia durar. Até porque ninguém sabia se o abrigo resistiria, até quando aquelas pessoas ficariam ali ou o que aconteceria com elas. Era uma infinidade de pontos de interrogação e, por isso, foi necessário pensar em um dia de cada vez", diz o diretor.

Aïnouz conta que, quando chegou ali na época da instalação do abrigo – que foi feita literalmente de um dia para o outro, ele diz – os refugiados ficaram bastante incomodados com a entrada e saída das numerosas equipes de televisão, que estavam lá para cobrir a abertura do aeroporto como abrigo. Nesse momento, o cineasta percebeu que não era nessa linha que deveria seguir seu trabalho. "Não queria fazer um 'entra e sai', e sim ficar ali sem pressa, durante um ano pelo menos. Construí o filme à medida em que as coisas foram acontecendo. No início, eu não sabia quem seria o protagonista. Filmei de perto oito pessoas, seguindo o cotidiano real delas. Mas minha intenção era fazer um filme sobre aquele lugar, e não especificamente sobre os solicitantes de asilo que estavam chegando. Por isso o filme tem a forma que tem, isto é, ele acontece aos poucos. Fala sobre essa espera. Eu não sabia o que esperar desse projeto, as pessoas ali não sabiam o que esperar do futuro delas. É sobre a espera de algo que você nem sabe o que é. Eu fiquei muito tempo indo até lá sem filmar, apenas escutando histórias, tentando entender quem queria contar a sua história e quem preferia ficar longe. Quando abri câmera, ela se comportou da mesma maneira: como escuta. Assim, os refugiados se habituaram a essa câmera lá", relembra.

O diretor aponta que esse começo de trabalho foi sua principal dificuldade: "As pessoas não queriam ser filmadas, não tinham vontade de aparecer. O que eu entendo. Aos poucos, começamos a ficar conhecidos no abrigo. Éramos uma equipe pequena, de três pessoas, sempre as mesmas. Quem não quisesse aparecer escapava da câmera. Eu não dormi nem tomei banho no abrigo, mas estive lá todos os dias. Então isso gerou uma certa familiaridade. Os personagens que entraram no filme quiseram contar suas histórias. Existiu uma troca".

Sobre os ganhos pessoais e profissionais da experiência, o cearense avalia: "Não aprendi as principais lições no momento em que tudo estava acontecendo, e sim depois. Mas especialmente o que é a guerra, o que está em jogo… Coisas que eu não aprenderia a partir da grande mídia. Entendi tudo isso a partir de uma perspectiva muito pessoal, que eu nunca descobriria a partir das fontes que temos acesso. Depois desse processo, não parei de pensar em como é um privilégio viver onde não tem guerra. As pessoas precisam entender que não é uma crise só dos refugiados, e sim do Ocidente. Há lugares absolutamente devastados. Hoje, estamos vivendo um momento tecnológico muito privilegiado, isto é, eu posso escrever a história que eu quiser contar, retratar a história dos refugiados do jeito que eu queria, com personagens reais. Não preciso contar com ninguém para contar a minha história".

Por fim, o diretor reflete sobre a importância da cultura no contexto da pandemia: "Como estaríamos sem livros, filmes, cultura? Isso só reforça que contar histórias não é luxo, e sim necessidade. Uma verdade que se prova cada vez mais neste momento de pandemia. No confinamento, a cultura é a única maneira que temos de viajar. Acredito num boom do cinema depois que tudo isso passar. É claro que é uma crise grave, mas quando houver a volta… A necessidade humana de ouvir histórias juntos é algo ancestral".

"Aeroporto Central" estreou mundialmente na Mostra Panorama do 68º Festival de Berlim onde conquistou o prêmio da Anistia Internacional. Depois disso, foi exibido em mais de 30 festivais internacionais como o CPH:DOX (Copenhague), Cinéma du Réel (Paris), Art of the Real (Nova Iorque), Sheffield Doc Film Festival (Sheffield), AFI DOCS (Washington), Festival Internacional de Documentários de Amsterdã, Festival Internacional de Cinema de Bogotá, Films From The South (Oslo) e Oslo Film Festival. O longa foi lançado na Alemanha e exibido no Brasil na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no 20º Festival do Rio. Agora, no Brasil, pode ser assistido pelo Now, Vivo Play, Oi Play, iTunes, Google+, Filme Filme e Looke.

Assista ao trailer: 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui