A aposta da NBCUniversal nas séries, da TV ao YouTube

Paulo Barata, CEO da NBCUniversal Networks International Brasil

Em um ambiente cada vez mais competitivo para o segmento de séries, sobretudo em função da competição OTT, Paulo Barata, CEO da NBCUniversal Networks International Brasil, enxerga um cenário positivo para a indústria, como mostra esta entrevista exclusiva. A empresa, sócia da Globosat nos canais Universal TV, SyFi e Studio Universal, e do canal Amo Série, no YouTube, tem seis das 10 maiores audiências no segmento, que cresceu 54% desde 2014. A ampliação constante da quantidade de novas séries nos EUA, que este ano deve chegar a 520 produções, se reflete no mercado brasileiro, assim como o crescimento da quantidade de títulos nacionais, já acima das cotas legais.

Um dos principais grupos de mídia do mundo, a NBCUniversal (e, portanto, seus canais) mostra-se fiel ao modelo de TV paga, sem pensar em venda direta ao consumidor. A empresa também comemora os resultados das produções nacionais e diz que ainda, mas diz que ainda falta surgir uma grande franquia para o Brasil se internacionalizar. Confira a conversa:

Como você vê o momento atual do mercado?

Eu tenho a impressão que pelo tamanho do dano que a recessão está causando na economia o impacto na indústria da pay TV é até menor.

Tanto a recessão quanto a competição com os serviços de Internet, certo?

A competição não-linear, no universo de séries, ajuda. Porque consolida o segmento como predominante. A gente tem algumas experiências de programação coincidentemente coordenadas com o Netflix – exibindo últimas temporadas de produções que eles possuem as primeiras no catálogo – e nossa audiência cresceu 30, 40%. Para o segmento, o aumento da oferta de serviços é positivo.

Essa competição, do ponto de vista de qualidade de conteúdo e da diversidade, é saudável do seu ponto de vista?

No modelo de compra que temos, o Netflix não entra. Somos um canal de programação bastante tradicional e, na medida em que assumimos os compromissos com os títulos, eles ficam reservados. Não é algo que impacte na nossa vida negativamente ou pressione nosso preço pra cima, por exemplo.

Empresas grandes, como a Disney por exemplo, já reagem a esse novo entrante. A tendência é essa competição se estabilizar?

Certamente teremos mais players. Majors retirando a disponibilidade do seu conteúdo para outras plataformas, por exemplo. Para a Universal, isso deve demorar um pouco mais. Mas eu acho que, cedo ou tarde, todo mundo vai entrar. No seu tempo. Alguns estúdios são mais agressivos e assumem riscos maiores, enquanto outros são mais conservadores e entram tardiamente, com o mercado já consolidado de certa forma e dimensionando melhor o retorno desse investimento.

Como a plataforma própria Universal Play se combina com o Globosat Play e vai se combinar com esse novo Globo Play, mais amplo?

É algo que eu ainda não sei precisar, porque está em desenvolvimento. Posso dizer que há dois ou três anos tínhamos direitos muito limitados, no sentido de exibir um episódio por cinco dias, até cinco cumulativos. Hoje a gente exibe um episódio, ele vai para o Universal Play e fica lá até o final da temporada. Então quem entrar no meio tem o catch-up completo. E hoje temos alguns direitos adicionais também. No lançamento da temporada seguinte, podemos exibir dois meses antes a temporada passada completa.

Mas ele não tem todo o acervo da Universal?

Não. Existe uma preocupação em diferenciar o que são os direitos associados aos direitos lineares e os que são direitos integralmente não-lineares. E as temporadas anteriores ficam entendidas como parte dos direitos não-lineares.

A cessão desses conteúdos para as próprias plataformas de catch-up das operadoras acontece?

Não. É uma questão de princípio de direitos. Mas o Universal Play é autenticado pelas operadoras. Ele opera dentro da estrutura de vídeo do Globosat Play, exatamente da mesma maneira. Por autenticação de quem tem assinatura dos canais.

Paulo Barata, CEO da NBCUniversal Networks International Brasil

Como tem sido o resultado do uso do não-linear para vocês?

Série é o segmento mais relevante para esse tipo de consumo. À medida que a oferta se tornou mais robusta o crescimento em volume de horas consumidas também cresceu de forma incrível. A performance das nossas séries no Universal Play é fantástica.

E isso rivaliza com a audiência linear?

A métrica é diferente, mas é uma audiência também importante e relevante. De qualquer forma, nossas principais séries atuais estão todas no Top10 da TV paga e o resultado é ascendente se comparado às temporadas anteriores. E isso é um efeito dessa possibilidade de se vincular e assistir a tudo que a integração entre linear e não-linear permite. Facilita o processo de engajamento. São números como 200% de crescimento ao ano.

Como isso dialoga, ou até rivaliza, com o aspecto comercial?

Na verdade, a evolução desse modelo nos leva a fazer em algum momento a entrega comercial também no não-linear.

Vocês estão trabalhando nessa linha?

Existe um processo de desenvolvimento para que a gente possa fazer uma entrega comercial adequada ao meio, que não seja inconveniente ou invasiva.

Mas venda direta para o consumidor é uma ideia?

Não na estrutura que a gente tem hoje. Somos da TV paga, o não-linear, no nosso caso, é um acessório. É uma conveniência para o assinante, mas não um negócio à parte.

Vocês não pensam em um modelo de rentabilização própria do não-linear?

Ele é um acessório. O custo de entrega é residual. A Universal é mais conservadora. Ela não se cobra ou se exige ser um entrante pioneiro. E ela assume as dificuldades de ser um entrante tardio. Convivemos melhor com esse crescimento mais lento do que com o risco do pioneirismo.

Mas essa multiplicação de plataforma trouxe um ganho geral de consumo de conteúdos, certo?

É uma oferta incrível, um fenômeno de consumo de entretenimento. Nos EUA, por exemplo, foram quase 500 séries exibidas em 2018. 487, se não me engano, até o momento. Há produções para todos os gostos. O desafio é preço.

E a sustentabilidade da própria indústria também? Porque o OTT traz esse desafio, de se manter toda a indústria viva.

É o desafio de reordenar essa indústria. Mas acho que temos muito mais tempo pela frente do que o discurso mais especulativo que diz o contrário. A nossa retomada de velocidade virá com a recuperação econômica. Temos dois vetores hoje: conjuntura econômica e outro mais estrutural que é a migração de tecnologia, modelo de consumo. Então não sabemos exatamente o peso desse segundo vetor porque temos o componente econômico que está, de certa forma, sufocando esse crescimento. Quando o ambiente econômico melhorar e houver uma retomada do poder de compra, os vetores estruturais ficam mais livres. Aí veremos o real timing desse processo.

Como posicionar marcas dentro de um ambiente digital tão disperso, onde há tanta competição?

O desafio é encontrar medida de ampliação do portfólio para trazer novos espectadores sem perder os antigos. A gente vai estrear uma série nova chamada "The Rookie" que é uma série de crime. A história é de um cara de 40 anos que decide entrar pra academia de polícia de Los Angeles porque ele se viu no meio de uma crise de meia-idade e decidiu não ignorá-la. É um formato procedural, tem um crime para resolver por episódio, e ainda um drama humano que amplia o repertório de temas que apresentamos. O nosso desafio é justamente esse, encontrar séries que fiquem dentro do universo de crime e investigação, mas tragam também outras nuances. É o desafio de falar com pessoas que estão vendo vídeos de baixo custo de produção no YouTube. E essa característica conversacional que o YouTube tem é difícil de ser trazida para o linear ou ainda para os conteúdos de ficção.

E o contrário? Vocês irem para o meio em que esta nova geração está, isto é, o YouTube?

Corre o risco de ficar "tiozão". É outro know-how, outra tecnologia. A gente tem um canal no YouTube chamado Amo Séries, desenvolvido por nós mesmos. O desafio é construir um inventário comercial não-linear. A gente ficou num beco sem saída, isto é, não sabemos como construir um conteúdo para o YouTube ou redes sociais sendo um canal que licencia séries internacionais. Nossa situação era: não tínhamos os direitos de fazer e nem como comprar. Resolvemos então adotar uma outra estratégia, que foi criar uma quarta marca para falar de séries, de todas elas, de qualquer canal. Começamos a trabalhar com influenciadores justamente para chamar essa turma. Estamos com cerca de 90 mil seguidores e só depois anunciamos que é da NBCUniversal. Um canal de um major, que fala sobre todas as séries, inclusive dos concorrentes, e que cresceu organicamente porque não impulsionamos, compramos seguidores nem nada do tipo.

Inclusive séries de Netflix?

Sim. É uma necessidade para a credibilidade do veículo. Não dá para excluir. O objetivo é se tornar uma marca que se sustente comercialmente, já há cotas de patrocínio disponíveis no mercado. Vejo especialmente duas qualidades: ele pode operar em qualquer plataforma e é um formato que pode ser aplicado em qualquer lugar do mundo. É uma marca que registramos há quatro anos e, desde então, estamos trabalhando nesse lançamento. A VIU, unidade digital da Globosat, é quem produz para nós.  Outra novidade: vamos fazer a versão "No Ar", do Amo Séries. Isto é, um programa de televisão linear para o Universal. Deve sair ano que vem. O desafio agora está relacionado aos direitos, ou seja, como falar de séries de outros canais no linear sem poder usar esses conteúdos, as imagens. Na internet nós podemos. Entrar como conteúdo jornalístico até seria uma opção, mas aí ele perde validade para as cotas e não é o que queremos. E não podemos usar incentivos porque a marca é uma propriedade da Universal. É uma manobra estreita, mas vamos fazer.

 

Foquinha e Micannn, do canal Amo Séries, no YouTube

Por que ele precisa ser para as cotas?

Não é que ele precise, mas é bom que seja. É uma cautela – me parece um luxo fazer uma produção que não é válida para as cotas. É um certo conservadorismo na gestão, porque aí se precisarmos ele está disponível. Provavelmente esse novo programa será num formato de games, é uma opção forte.

Que avaliação vocês fazem da experiência com conteúdo brasileiro exibido dentro das cotas?

Desde que vieram as cotas a gente pensou, num primeiro momento: duas marcas como Globosat e Universal não podem tratar isso como uma coisa "menor", burocrática. Tem que ser tratado como um projeto de programação brasileira que concilie a posição dessas duas marcas. Hoje, sabemos exatamente o que queremos em termos de programação e seleção de projetos. A maturidade dos projetos é outra – recebemos projetos bem acabados, com argumentos bacanas, às vezes já com dois, três episódios escritos, com arcos de temporadas. Outra mudança importante é no ciclo, o tempo de produção, que diminuiu muito. Hoje, com dois anos, dois anos e meio a gente coloca o projeto no ar.

Os projetos precisam vir viabilizados comercialmente ou não necessariamente?

A gente tem uma condição que é muito favorável. A gente gera o próprio incentivo. A gente tem o Artigo 3ª, gerado dentro da própria NBCUniversal. Temos um processo que é muito amadurecido. Temos dois critérios. Um, a tradição do crime e investigação. O outro é a estrutura procedural dos episódios. Dentro desses dois critérios, temos projetos próprios, montamos um portfólio de projetos. Em diferentes estágios de produção, temos hoje uma agenda de programação até o primeiro semestre de 2021. O que é um sinal de maturidade, solidez e evolução do processo imenso.

Adotar um planejamento de tão longo prazo implica em arcar com riscos também, certo? Porque nesse período uma das séries pode não emplacar, por exemplo.

A gente tem um processo de aprovação que é: a JV faz a lista pública, essa lista é submetida a um comitê de conteúdo brasileiro que tem gente da Globosat, Miami, Londres… O que assegura um alinhamento aos papéis das marcas Universal e que não tenha sobreposição com as séries da Globosat. Esse comitê não é deliberativo, ele só rotula os projetos como "recomendado", "recomendado com objeções" ou "não recomendado". Isso tem rodado de forma tranquila, temos aprovado todas as recomendações. E há uma inclinação para o risco. A gente produziu "Rotas do Ódio", a primeira temporada com dez episódios, e decidimos produzir uma segunda antes de exibir ou testar a audiência da primeira. Se fôssemos esperar, a gente só exibiria a segunda dois anos depois, e a ideia é exibir uma temporada de cada produção dessas por ano. Então nesse sentido, estamos sim assumindo o risco.

Os dados mais recentes da Ancine mostram que conteúdo brasileiro já ultrapassa os estabelecidos pela cota na TV por assinatura. No caso de vocês isso também acontece?

A gente produz e exibe mais do que as cotas exigem.

E quais são os critérios de avaliação desses conteúdos para saber se eles deram resultado? Audiência, crítica, retorno econômico…

Tem duas análises que acho importante fazer. Uma primeira diz respeito à afinidade com a marca, isto é, se dialoga com a gente aqui e internacionalmente também, se vai se integrar organicamente à grade. Essa é a primeira. A outra questiona se há um grau de brasilidade nesse projeto. E isso não quer dizer fazer o "House brasileiro". Antes, recebíamos muito projeto assim, em cima de formatos já consagrados. Mas o ponto é ter componentes que identifiquem esse projeto como brasileiro. Por exemplo: "Rotas do Ódio" fala da intolerância em São Paulo, "Unidade Básica" fala dos postos de saúde que atendem a periferia da cidade e "Amigo de Aluguel" é uma comédia tipicamente local. E tem "Jungle Pilot", uma série sobre uma empresa de táxi aéreo operando na Amazônia. É o mesmo argumento de "Onde os Fracos Não Têm Vez" aplicado a uma situação da nossa realidade, que envolve Amazônia e táxi aéreo, algo que é bem comum na região. Outro resultado eu chamaria de responsabilidade social, que nós, como players da indústria, temos ao fomentar e fazer isso acontecer. E tem o prestígio de ser uma marca universal participando, de certa forma, do desenvolvimento do audiovisual brasileiro. Tratamos séries brasileiras com o mesmo status das séries internacionais em termos de prioridade de grade, esforço de marketing, presença em redes sociais, estreias aos horários nobres (domingo à noite). Tem ainda uma consciência que eu acho importante ter que é: a gente está usando verba pública no desenvolvimento de séries brasileiras. Então não cabe aplicar ao uso de verba pública o mesmo critério usado para gerenciar verba própria. Esta verba foi destinada pelo Estado para o desenvolvimento da indústria.

Isso se vê no conteúdo ou na seleção de projetos que sejam regionalmente equânimes?

No conteúdo, no conceito das métricas de resultado… A audiência é importante? Claro, mas ela não mata o projeto. Estamos num processo de aprendizado. Monitoramos a audiência de projetos brasileiros e internacionais desde 2015 e ela segue crescendo. Ela está abaixo da média dos canais – até porque compete com séries de quatro milhões de dólares por episódio e o bloco de conteúdo brasileiro é ainda um elemento estranho para quem vai aos canais assistir a séries estrangeiras – mas olhando de 2015 pra cá a audiência dessas produções está gradualmente crescendo.

Você vê espaço para o conteúdo brasileiro no mercado norte-americano?

Acho difícil ainda. Língua é uma objeção. E a chance maior que temos é na inserção de uma série brasileira dentro de um pacote maior. Então uma venda direta ainda não é exatamente opção. A série "3%" (do Netflix) é um exemplo bom (de conteúdo brasileiro com sucesso nos EUA), mas acho que em TV linear essa distribuição ainda é um pouco mais complicada em função de uma expectativa de portfólio. Ela é menos inclinada a assumir esse risco.

O que vai ajudar será o dia em que construirmos uma franquia de conteúdo brasileira altamente competitiva. E é uma questão de tempo para isso acontecer, isto é, que a gente consiga colocar num canal como a Universal uma série brasileira bacana, competitiva, que traga audiência e retorno publicitário.

Como você vê o mercado publicitário para TV por assinatura?

A leitura que eu faço é a mesma em relação à base de assinantes, ou seja, considerando o ambiente econômico em que estamos, o impacto é muito pequeno. Em linhas gerais, temos chegados aos números que alcançamos historicamente. E temos um incremento de patrocínio. O que eu vejo de mudança é o compromisso com tempos menores. As compras são mais curtas – um ou dois meses, por exemplo. Há uma certa cautela no processo de compra. Mas em termos de volume não vejo problemas.

E em relação aos modelos alternativos, branded content?

Boa parte do que temos hoje de patrocínio são projetos especiais, são poucos no modelo tradicional de vinhetas coladas à programação. Trabalhamos com conteúdos que mesclem ou os personagens ou as séries que temos, até características delas, a elementos de marca que o anunciante queria imprimir. É o que chamamos de conteúdo personalizado. Funciona bem porque é uma peça de entretenimento, sem cara de publicidade. A tendência é que nas mídias onde conteúdo é fundamental esse modelo seja cada vez mais presente, com essa aproximação entre conteúdo e publicidade. A gente entrega entretenimento associado a uma marca, mas é entretenimento. Tem que ser divertido de ver de alguma forma, sem aquela ruptura tradicional do intervalo comercial.

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