Forno FX quer desmistificar os efeitos visuais e aposta em trabalho que começa logo na concepção dos projetos

A Forno FX surgiu como um núcleo de pós-produção da Bactéria Filmes, em 2010. Mais tarde, em 2016, a empresa se tornou independente e passou a se apresentar ao mercado como um estúdio de efeitos visuais focado em produções de conteúdo original para cinema, TV e games. "Como eu vim da área de efeitos visuais e pós-produção, desde que abri a Bactéria recebi muitas demandas de projetos destinados à área. Criamos um núcleo interno específico, mas ele foi crescendo e entendemos a necessidade de montar uma nova empresa. São negócios diferentes, que pedem estruturas diferentes. A ideia da Forno é ser uma boutique de efeitos visuais. Não temos a intenção de ser concorrente dos grandes estúdios de efeitos visuais. Queremos trabalhar pensando na viabilização dos projetos. Estamos no Sul do país, fora do eixo, e quando projetos que necessitam de efeitos visuais e de um trabalho de pós-produção complexa chegam até nós, nossa missão é entender os recursos que eles têm e, a partir daí, viabilizar aquilo que eles precisam dentro dessas condições", conta Pedro de Lima Marques, cineasta, produtor e supervisor de efeitos visuais e sócio da Forno FX, em entrevista exclusiva para TELA VIVA. 

Uma das principais premissas da Forno é trabalhar desde a concepção do projeto, participando desde o momento da criação do conceito e dos roteiros a fim de viabilizar a integração dos efeitos visuais desde o início. "Precisamos participar desde o início para potencializar o projeto. Acredito que podemos colaborar no desenvolvimento da ideia e na pré-produção, trabalhando junto à direção, pensando na decupagem de cada cena – o que ela vai precisar, como podemos melhorar, que técnica será explorada. É um processo de efeitos visuais criativo. O que normalmente acontece é a equipe de pós ser acionada somente no final do processo, quando já temos uma janela de tempo fechada, e que muitas vezes é reduzida. Nesse caso, se não houve um trabalho de acompanhamento, a demanda que chega é muito maior. É aquela história de 'a pós resolve' que a gente ouve muito. Claro que dá para fazer, mas isso acaba não potencializando a obra, não aumenta seu valor de produção, acabamos fazendo mais coisa de retoque mesmo. Por isso temos essa ideia de trabalhar em conjunto na criação, no desenvolvimento e na pré", explica. 

O case "Contos do Amanhã"

Foi assim com o longa de ficção-científica "Contos do Amanhã", dirigido por Marques. O filme foi indicado pelo Grande Prêmio do Cinema Brasileiro na categoria de Efeitos Visuais após colecionar 29 seleções em 12 países, incluindo o Boston Sci-fi Film Festival, um dos mais importantes eventos do gênero. O longa conquistou 16 premiações internacionais, seis delas correspondentes a melhor filme de sci-fi, além de melhor design de produção e melhores efeitos visuais.

Uma produção da Bactéria Filmes em colaboração com a Druzina Content, "Contos do Amanhã" contou com a participação da Forno FX, que implementou seu inovador modelo de criação de "mundos novos" para desenvolver um conteúdo verdadeiramente disruptivo. No projeto, a Forno condensou sua potência criativa numa pequena estrutura de pós-produção: apenas cinco pessoas – Victoria Ketzer, Bruna Badalotti, Giulia Palermo, Rafael Duarte e Pedro de Lima Marques – aplicaram efeitos visuais em mais de 500 planos do filme, um número próximo ao de superproduções como "Malasartes e o Duelo da Morte", o filme com o maior número de efeitos visuais no cinema brasileiro até hoje (700).

"Contos do Amanhã", com efeitos visuais assinados pela Forno FX, foi internacionalmente premiado e ainda concorre ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro

"É claro que, como eu escrevi o filme, pensei desde o início em como viabilizar cada uma das cenas e planos. Assim, fui administrando os recursos para conseguir fazer a escala do filme. Nossa maior dificuldade hoje pensando em efeitos visuais no cinema nacional é dar conta da escala. A gente consegue as técnicas que o mundo todo está usando – não temos mais aquele delay tão grande – mas a questão é lidar com o tamanho do filme. Para fazer 400, 500 planos de efeitos visuais precisa de gerenciamento e, normalmente, grandes equipes. Mas a Forno tem como objetivo que a gente consiga pensar em efeitos visuais que potencializem a obra mas não precisem, necessariamente, de um time gigante. Essa é a nossa ideia. Para isso, formamos times específicos para cada um dos projetos, pensando muito em potencializar os atores dessa equipe. Normalmente, faço orçamentos já sabendo qual equipe pretendo montar e já conversando sobre como podemos reduzir o tempo de produção e otimizar os recursos", detalha o diretor.  

Aventura adolescente que traz uma série de efeitos visuais e referências aos anos 1990, "Contos do Amanhã", conta com um elenco de mais de 100 atores e figurantes – escolhidos em uma chamada pública que reuniu mais de 700 candidatos.  O trabalho começou ainda em 2014, com filmagens em Porto Alegre, litoral e serra gaúcha. Toda a pós-produção foi feita no Brasil, por meio de um fundo de financiamento municipal local. O filme estreou nos cinemas no final do ano passado e está disponível via Canal Brasil nas plataformas de streaming NOW, Oi Play e Vivo Play. A distribuição é da Europa Filmes, em colaboração com Araçá Filmes e Cavideo, com financiamento do Fumproarte da Secretaria Municipal de Cultura – Prefeitura de Porto Alegre.

Na trama, em 2165, o sequestro de Michele Medeiros (Daiane Oliveira) coloca a cidade-estado Porto 01, o último reduto humano, em guerra. Para salvar a civilização será preciso contar com a ajuda de Jeferson (Bruno Barcelos), um adolescente que vive em 1999. Na véspera do bug do milênio, nos primórdios dos programas de compartilhamento de mp3 e com uma Internet muito lenta, Jeferson recebe áudios do futuro e precisará encontrar uma forma de salvar a humanidade. Assista ao trailer: 


Efeitos visuais no Brasil passam por questões orçamentárias 

"Acho que a gente tem capacidade de competição de igual para igual com o mercado lá fora no sentido de técnicas, organização, workflow de projetos e estrutura. Conseguimos dar conta de projetos grandes. Hoje, temos escolas de formação, o que é muito bom, pois há cerca de dez anos não tínhamos, era escassa a formação de profissionais", aponta Marques. "No entanto, a grande questão a respeito dos efeitos visuais e a produção nacional está relacionada com a nossa estrutura de produção audiovisual como um todo. Demandamos muito de políticas públicas, onde temos limitações de orçamento. Poucos projetos conseguem romper essa limitação e captar mais dinheiro. Como efeitos visuais são vistos como caros, não entram na prioridade dos orçamentos, ficam sempre como um 'extra', algo a ser feito depois. É claro que alguns projetos conseguem aportes maiores, mas no geral, ficamos nessa limitação. Não temos recursos suficiente para fazer aquilo que imaginamos criativamente e isso acaba podando a criação, que já pensa que aquilo não será viável. Nosso trabalho vai muito nesse sentido também, de mostrar que é possível fazer", completa. 

Desmistificar o processo 

Marques ressalta a necessidade de desmistificar os efeitos visuais – que ainda são vistos como caros e complexos. "O caminho é por aí: informar, educar e trabalhar em conjunto para desmistificar. Praticamente em todos os projetos que trabalho, a produção acha que os planos mais difíceis são aqueles que consideramos mais fáceis, e vice-versa. Por isso também a importância do trabalho em conjunto logo no começo", reforça. 

Durante o período mais crítico da pandemia, a área de efeitos visuais deu um salto: "Avançamos em cerca de cinco anos principalmente em termos de aceitação da utilização de efeitos visuais, que acabaram sendo um recurso muito utilizado, uma vez que as gravações presenciais foram paralisadas. Aumentamos nossa demanda em cinco vezes durante o período. Tivemos muito trabalho especialmente no sentido de pensar em tecnologias novas. A pandemia impulsionou muito o trabalho da pós – participamos mais das etapas de pré-produção para ajudar a viabilizar os projetos, inclusive em sets virtuais. São coisas que estão crescendo bastante e acredito que continuarão crescendo". 

Game "Esquadrão 51" está entre os próximos projetos da Forno

Próximos projetos 

No momento, a Forno trabalha com diversos projetos em diferentes etapas. Em produção, estão o documentário em longa-metragem "Game Girls", com produção da Horizonte Líquido, que combina animação e live-action para falar sobre a presença das mulheres no mundo dos games; a série para TV "O Crime do Padre Amaro", com produção da Volf Entertainment, de Portugal; o longa de ficção "A Bela América", com produção da PNG Pictures, também de Portugal; a série de animação para a TV "Os Pequenos Crononautas", com produção da Bactéria Filmes; e a série educativa para a TV "FunLabs", uma coprodução Druzina Content e Bactéria Filmes; além de alguns curtas. 

Há ainda um projeto de game recém-finalizado chamado "Esquadrão 51" (título provisório). Trata-se de um jogo na temática de fincão-científica dos anos 50/60, em preto e branco, que conta a história de humanos combatendo alienígenas que invadiram a Terra. Todas as cenas foram rodadas em chroma e, depois, todos os cenários e ambientes foram criados na pós. 

Para entrar em produção, estão ainda os longas "O Jardim da Rua 13", um projeto de animação da Bactéria Filmes e Druzina Content, e "O Sonho de Velasquez", uma ficção da Bactéria Filmes, Armazem de Imagem, Druzina Content e Circular Media, do Uruguai.

"Nosso foco hoje está na produção de conteúdo, seja de curtas, longas, séries,  games, projetos de ficção ou documentais. Nosso conceito é viabilizar universos fantásticos, isto é, que mentes criativas criem esses mundos e a gente possa transformá-los em imagens", finaliza Marques. 

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