Produtores da periferia apontam concentração de recursos nos editais da RioFilme de 2022 

Rio de Janeiro (Foto: Riotur)

Produtores culturais da periferia da cidade do Rio de Janeiro fizeram uma análise dos Editais da RioFilme do ano de 2022 e criticaram o resultado. Eles apontam que a distribuição de recursos acabou se dando de forma centralizada, priorizando grandes produtoras e as regiões mais ricas da cidade e, assim, não valorizando a diversidade audiovisual. Eles reforçam que a retomada dos editais foi de enorme importância para o setor audiovisual carioca – nos dois últimos anos, os editais da RioFilme injetaram 78 milhões de reais no setor, atraíram outros 271 milhões de reais, fomentando centenas de empregos e reposicionando a cidade do Rio no cenário audiovisual nacional – mas que, ao mesmo tempo, toda política pública exige transparência, avaliação e diálogo com todos os envolvidos. 

O grupo analisou cinco editais lançados em 2022, que representam cerca de 88% do valor total disponibilizado no ano. Entre os destaques da análise, eles pontuam que: a Zona Sul concentrou 56,33% dos recursos, seguido pela Barra da Tijuca (16,51%), Centro (9,4%) e Tijuca (5,6%); uma produtora de São Paulo foi selecionada duas vezes no Cash Rebate (1,5 milhões) e ficou com 3,1% dos recursos – desta forma, uma produtora da cidade recebeu mais recursos que as regiões cariocas de Campo Grande, Ramos, Penha, Bangu, Méier e Ilha do Governador; e que a produtora Conspiração totalizou 5,8 milhões, equivalente a 12,03% de todos os recursos. 

"Concluímos que os recursos estão extremamente concentrados na Zona Sul e Barra da Tijuca (72,84%), assim as políticas afirmativas adotadas nos editais foram insuficientes e ineficazes para garantir uma democratização do acesso aos recursos. A concentração geográfica dos recursos empobrece a produção audiovisual carioca, dificulta ainda mais a criação artística a partir de outras territorialidades, olhares e concepções estéticas. Beneficia, em sua maioria, grandes produtoras estabelecidas que já acessam facilmente recursos em outras fontes. Ao mesmo tempo, pequenas produtoras localizadas nas periferias e subúrbios não conseguem realizar os seus projetos. Desconcentrar os recursos é potencializar a pluralidade criativa que está em toda a cidade, inclusive nos morros, favelas e subúrbios; é promover uma melhor distribuição da renda advinda das produções; é capacitar e formar novos profissionais fora do eixo Zona Sul – Barra", argumentam os produtores. 

Propostas apresentadas 

Considerando que as ações afirmativas de democratização devem conter tanto aspectos territoriais quanto de porte da produtora, realizadoras e realizadores periféricos propõe algumas medidas, tais como: Criação de Edital (ou Linha) específica de "Produção de Longas" para Diretores Estreantes com no mínimo 40% do valor disponível em todas as linhas de Produção e/ou Complementação e 1º Investimento; Criação de Edital (ou Linha) específica de "Desenvolvimento" para Roteiristas Estreantes com no mínimo 40% de todo o valor disponível para Desenvolvimento; Permitir a inscrição de MEI nos Editais Não-Reembolsáveis, principalmente em Produção de Curtas-Metragens; Distribuir os recursos por Áreas de Planejamento (AP), como já ocorre com Editais das Secretarias Estadual e Municipal de Cultura; Promover Editais (ou Linhas) para Produtoras iniciantes (classificação nível 1 e 2 da Ancine); Definir um limite, um teto máximo de contratação por produtora, pois a não existência de nenhum limite gera concentração em algumas poucas produtoras, uma distorção que não favorece a diversidade artística. 

RioFilme destaca investimentos 

TELA VIVA procurou a RioFilme para entender como a empresa se posiciona diante desses apontamentos. "O desafio de construir uma política pública sólida que propicie o desenvolvimento do setor audiovisual da cidade do Rio de Janeiro implica em considerar permanentemente seu aspecto industrial e cultural. De um lado, proporcionando instrumentos que ampliem a competitividade das empresas cariocas, gerem empregos, atraiam recursos e promovam a criação de propriedade intelectual carioca e, de outro, promovam a inovação, inclusão e representação da diversidade característica de uma sociedade como a brasileira", pontuaram. 

Eles reforçaram que, nos últimos dois anos, foi realizado o maior investimento da história no audiovisual carioca pela Prefeitura do Rio: por meio da RioFilme, foram investidos mais de R$ 78 milhões, distribuídos em diferentes linhas de fomento. "Cada linha de investimento que criamos tem por trás estratégicas que unem objetivos econômicos, de potencialização da cidade do Rio e do conteúdo audiovisual carioca, e de impacto social, com a mais ampla e abrangente democratização de nossos recursos. Por isso, cada um deles tem seu público-alvo e se adequa a diferentes perfis de proponentes, como por exemplo o nosso edital voltado para o segmento de Distribuição, que é aberto a produtoras de todo o Brasil, e tem como foco central a ampla divulgação/distribuição de conteúdo carioca em outras praças do país", explicaram. 

Dentro do valor investido em 2022, eles destacam o edital de Atração de Filmagens para o Rio de Janeiro, o Cash Rebate, com R$ 15 milhões investidos na atração de produções para a cidade. "Este edital tem um foco específico, que é a atração de grandes produções, altos investimentos, capacidade de execução, geração de postos de trabalho em larga escala, ampliação da arrecadação de impostos, transferência de know how, capacitação de talentos cariocas e mapeamento de demandas de infraestrutura e de prestação de serviços que caminhem na direção colocar o Rio de Janeiro em posição de liderança no mercado internacional e nacional no que diz respeito as cidades ideias para se filmar no mundo", detalha a empresa. O edital tem duas linhas de investimento, uma voltada para players internacionais e outra para produções de outros estados que queiram filmar no Rio. Os percentuais devolvidos pela RioFilme vão de 30 a 35% do valor investido pelas produções na cidade. Para acessar o Cash Rebate, as produções do Brasil e do mundo têm de ter uma produtora carioca como parceira – é ela que vai gerir os recursos.

Eles ainda elencaram outros investimentos importantes, como os de ordem estrutural, a exemplo da parceria com a Quanta para a reestruturação e gestão do Polo Cine Video. 

Análise de resultados 

Segundo a empresa, os resultados ocorreram em "sinergia de um conjunto amplo de políticas afirmativas que valorizam projetos de grupos minorizados, tanto pensando em questões sociais, visando às regiões de menor IDH da cidade, quanto pelas demandas identitárias, com o objetivo de priorizar mulheres, negros, pessoas LGBTQI+, indígenas e pessoas com deficiência". Nesse sentido, eles compartilharam alguns números: 66% dos projetos contratados são de produtoras, diretoras ou roteiristas mulheres; 33% são de produtores, diretores ou roteiristas negros, transgêneros, indígenas ou pessoas com deficiência; e 29% são projetos de proponentes sediados das zonas Norte e Oeste, com exceção da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes. A empresa compartilhou ainda outros números a respeito do Edital de Apoio a Ações Locais e o Edital de Apoio a Mostras e Festivais. 

"Embora o número de projetos inscritos por proponentes das APs 3, 4 ou 5 (com exceção da Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes) em 2022 correspondesse a apenas 20% do total de 673 projetos inscritos nos editais da RioFilme, 34% dos proponentes de produtoras das APs 3, 4, ou 5 (exceto Barra da Tijuca e Recreio) tiveram ao menos um projeto contratado nos editais da RioFilme 2022. Comparativamente, apenas 24% dos proponentes dos demais territórios da cidade tiveram algum projeto contratado", afirma a RioFilme. 

No entanto, os produtores periféricos contestam: "As APs 3, 4 e 5 são as mais populosas e mais pobres da cidade do Rio de Janeiro – concentram 78,39% da população. Por que essas regiões tão populosas apresentam poucos projetos? São vários os motivos, mas o motivo que destacamosé o fato dos editais serem restritivos, quase todos exigem que o proponente seja uma PJ registrada na Ancine. O Edital de Ações Locais é o único que aceita inscrição de pessoa física e MEI – não é à toa que é o único que as produtoras da zona oeste conseguem acessar. Por isso que afirmamos que as políticas afirmativas existentes nos editais atuais são insuficientes e se demonstraram ineficazes para uma melhor democratização do acesso aos recursos. Os editais já nascem com um viés de exclusão". E eles prosseguem: "Os projetos selecionados das APs 3, 4 e 5 são, em sua maioria, editais de valores menores. O valor do projeto Ação Local é de 25 mil, voltado para difusão/formação de público ou capacitação, é um edital muito importante, e tem que continuar. Mas a periferia quer também ser aprovada em editais de desenvolvimento, de produção de longas e de produção de séries, que têm valores maiores". 

Diante dos percentuais apresentados pela RioFilme, os produtores respondem que o melhor critério para avaliar a distribuição dos recursos é o valor em reais: "Queremos saber quantos milhões foram para cada área de planejamento (AP) e região de planejamento (RP). Os dados em número de projetos apresentados e aprovados mascara a análise e dificulta a compreensão do que de fato está acontecendo". 

E concluem: "A resposta da RioFilme não contribui com o debate que queremos travar, que é essencialmente de democratizar o acesso e ter transparência nos editais. Queremos aprimorar a política pública de fomento ao audiovisual carioca, torná-la mais eficiente e que valorize a diversidade de narrativas, a pluralidade estética, os vários olhares, que seja de fato inclusiva. Os dados que tabulamos exigiram muitas horas de trabalho e conseguimos realizar uma tabulação criteriosa de 90% do recurso aplicado. Queremos discutir as conclusões que chegamos". 

Próximos passos 

A RioFilme, por sua vez, afirmou que desde o começo desta gestão, em 2021, todo o processo de tomada de decisões e ações é pautado por "pleno diálogo com o setor audiovisual carioca, por meio de reuniões com as entidades representativas e outros agentes do setor". E eles reforçam: "Em particular, é importante ressaltar que todos os processos de seleção de projetos passam por consulta pública, para que suas regras tenham a ciência e a participação ampla, efetiva e transparente da sociedade, por meio de disponibilização dos editais na íntegra no site da RioFilme e chamamento nas redes sociais". 

A empresa diz que, em 2023, esse processo de consulta ampla continua, e que a equipe de fomento visitou organizações culturais que trabalham junto a áreas periféricas – como AfroReggae, Observatório de Favelas, Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM e Instituto Tear – para ampliar e democratizar as ações, ouvindo diretamente o público envolvido no impacto das políticas afirmativas. 

E diante dos pontos específicos levantados pelos produtores, concluem: "No que concerne às sugestões relativas ao aprimoramento dos mecanismos de promoção de ações afirmativas contidos nos editais que comporão o programa de fomento ao audiovisual 2023, informamos que os mesmos ainda se encontram em processo de elaboração e posteriormente serão colocados em consulta pública para que o setor tenha a oportunidade de contribuir de forma plena e ampla com o seu aprimoramento". 

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