Curadores de festivais e canais de TV não se retraem diante de novas plataformas

No segundo dia do Reach – Audiência, Conteúdo e Tecnologia, série de encontros de mercado que faz parte das programações do BrLab e é apresentado ainda pelo Projeto Paradiso, uma das mesas reuniu nomes do mercado nacional e internacional para discutir "curadoria e relevância". O painel, que foi realizado nesta terça, 8 de outubro, em São Paulo, contou com a participação de André Saddy, do Canal Brasil; Edward Humphrey, da BFI (British Film Institute); e Estrella Araiza, do Guadalajara Film Festival; além da mediação de Juliana Barbieri, country manager do MUBI.

Todos os participantes trabalham, direta ou indiretamente, com curadoria de conteúdo, e falaram um pouco sobre como funciona esse processo. Para Estrella, que representa o Festival de Guadalajara, esse é um trabalho executado ao longo do ano inteiro, e não somente nos meses que antecedem mais uma edição do evento. "A cada ano, recebemos cerca de 2000 a 2500 títulos, entre longas e curtas, e também procuramos outros. Temos um comitê de seleção de 45 pessoas, além de diretores de programação, que é algo recente. A demanda surgiu porque lançamos também uma cinemateca própria, com seis salas. Todos assistimos aos filmes, discutimos e até brigamos, para no fim decidir o que vai para o Festival. Quem é nossa audiência está sempre em mente durante esse processo.", conta.

Já Humphrey, da inglesa BFI, representa uma instituição cultural que atua com diversas frentes – salas de cinema, festival, plataforma de streaming e etc. "Somos um cérebro coletivo que descobre filmes importantes. No BFI Play, por exemplo, tentamos refletir uma versão do festival, mais voltada para essa audiência que assiste filme em casa. Tentamos garantir que os filmes façam sentido, que sejam relevantes. Acreditamos que cada um faz parte de uma história maior – essa questão do contexto é muito importante para nós, crucial até, eu diria. Manter páginas e páginas de filmes que não se conversam é péssimo. Coerência é fundamental.", pontua.

Por sua vez, Saddy, do Canal Brasil, explica que o trabalho de curadoria da emissora é muito definido, apesar de seu escopo, de trabalhar com produções nacionais, ser bastante amplo. "Para coprodução de longas, o filtro é mais fechado, e passa basicamente pela questão 'esse filme tem potencial de participar de grandes festivais do mundo?'. No último ano, isso se comprovou: nos quatro principais eventos de cinema, Sundance, Cannes, Berlim e Veneza, estavam dez coproduções do Canal Brasil, como 'Bacurau' e 'A Vida Invisível'. Como nosso dinheiro é escasso, priorizamos filmes com esse potencial.", explica. "No caso das séries, que contam com recursos do FSA, o caminho é um pouco diferente. Ultimamente temos trabalhado com muita gente que fez cinema e que, agora, está começando a produzir para a TV. O que, aliás, eu acredito que seja uma tendência mundial.", completa. O diretor lembra ainda que o canal mantém importantes parcerias com festivais, como o É Tudo Verdade, de documentários, e o Anima Mundi, de animação, o que também contribui nesse trabalho de curadoria. "Valorizamos conteúdos que entretenham, mas que de alguma maneira transformam a vida das pessoas, que têm esse desafio de provocar reações profundas e intensas.", completa.

"O público não está mudando tão rápido assim quanto alguns acreditam. A questão básica que faz alguém querer assistir a determinado filme continua igual, que é o entretenimento e a conexão emotiva com aquela história. Nós, como instituição, já vimos o crescimento do cinema, da TV, do VoD. As previsões sempre apostam que o público vai migrar de uma para outra, mas não necessariamente isso acontece. As pessoas continuam respondendo bem às histórias.", acrescenta Edward. Saddy, no entanto, traz uma problemática à tona: "É uma loucura a falta de espaço para os bons filmes brasileiros nos cinemas. Recentemente, fizemos um exercício interno para somar os números de público que todos os nossos filmes de coprodução lançados nos grandes festivais fizeram nos cinemas daqui e chegamos a 234 mil pessoas. É claro que estamos falando de obras de potencial muito maior, mas o espaço não existe. É aí que entramos. Colocamos esses filmes no horário nobre e temos tido resultados positivos de audiência – desde a nossa última mudança de grade, em março deste ano, registramos cerca de 40% de crescimento de audiência e 70% quando avaliamos só o horário nobre. Então é claro que existe uma mudança agressiva no mercado, mas não é de uma hora para a outra. Os players vão se adaptando.".

Nesse sentido, de levar filmes a diferentes e novas audiências, Estrella diz que trabalha com base na mesma missão. "Filmes norte-americanos têm 93% de penetração nos cinemas do México. É um país que tem muita sala de cinema, e a maioria exibe esse tipo de filme. Então nós temos uma grande responsabilidade com a nossa audiência, a de trazer filmes que, de outro modo, não chegariam ao público de Guadalajara. Menos de 1% dos filmes apresentados no México por ano são latino-americanos.", afirma.

Novas plataformas: ameaça ou parceria?

"Eu não estou preocupada com a chegada de novas plataformas.", garante Estrella. "Acho que nós temos algo extra para levar para as audiências, o nosso diferencial. As plataformas estão surgindo agora, enquanto nós já temos esse legado. Elas, inclusive, estão percebendo que somos parceiros, que nós facilitamos seu trabalho. O jogo já virou e as possibilidades para o futuro são enormes. Hoje, já fazemos muita parceria para lançamento de filmes e isso tem funcionado muito bem.", explica. Humphrey concorda: "Trabalhamos com as plataformas, e não contra as plataformas. Atualmente, temos acordos de distribuição com Apple TV e Amazon porque queremos estar nos lugares onde o público procura entretenimento e conteúdo. Precisamos seguir confiando no nosso instinto e acreditando que somos fortes formadores de opinião.". E o diretor da BFI completa: "O motivo fundamental pelo qual existimos não mudou. Os grandes estúdios estão no topo, mas embaixo deles há muito espaço para conteúdo criativo.".

Para o diretor do Canal Brasil, a pergunta que eles devem manter em mente sempre é "Qual é a nossa maneira de contar uma história?". E Saddy conclui: "Essa identidade não é algo que se constrói em meses. No nosso caso, já vem de muitos anos. Então não precisamos achar que temos que fazer determinadas coisas para concorrer com as novas plataformas que estão surgindo. Nosso universo é nosso e o conhecemos como ninguém. O que podemos pensar é nos desafios em termos de comunicação, como campanhas novas e inéditas para atingir ainda mais público. Nos próximos meses, vocês verão uma campanha do Canal como nunca fizemos. Acreditamos que o caminho seja esse.".

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