A quarentena na TV paga: o que os canais produziram e quais são os planos para a retomada

O setor audiovisual foi um dos primeiros a se movimentar diante da chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil – se, por um lado, os sets de filmagem pararam e os cinemas fecharam, por outro, os canais de TV por assinatura abriram seus sinais durante o primeiro mês de quarentena e, mesmo após esse período, continuaram observando suas audiências crescerem. Enquanto a TV aberta optou de imediato por reprises, e só depois de algumas semanas passou a produzir conteúdos de entretenimento de forma remota, a TV por assinatura se saiu bem logo de cara, seguindo um cronograma de estreias frequentes e projetos diferentes.

Mudanças na programação

No GNT, por exemplo, os programas "Papo de Segunda" e "Saia Justa" nunca saíram do ar – desde a primeira semana de pandemia eles foram adaptados para um formato remoto, mantendo o diálogo com o público e a preocupação em trazer à tona temas que estão sendo debatidos nas casas. O "Além da Conta – Tem WiFi #Confinados", do mesmo canal, por sua vez, trouxe Ingrid Guimarães em uma temporada especial para questionar excessos de comportamento em tempos de isolamento social, com a tecnologia como única forma de interação com as pessoas e o mundo. O GNT ainda investiu bastante em programas culinários, uma vez que o tema ficou em alta nesta quarentena. Nesse sentido, o canal lançou o "Rita, Help!", com Rita Lobo, para ensinar as pessoas que precisaram encarar a cozinha pela primeira vez no período de isolamento. Lives semanais, playlists com vídeos temáticos e programas desenvolvidos especialmente para o digital, que reúnem dicas, receitas, soluções, passo a passo e bate-papos com convidados especiais, completam a lista de iniciativas da marca desde o início da quarentena.

"Rita, Help!", estreia do GNT na quarentena

"Nosso grande desafio foi manter as atrações dinâmicas e atuais, mesmo que produzidas de forma remota. Para isso, estudamos soluções tecnológicas, usadas de acordo com a demanda de cada programa, e formas criativas para nos adaptar aos novos tempos, com o objetivo de estreitar a conexão com o público e manter nosso diálogo sempre aberto, principalmente em um momento tão sensível como este", comenta Mariana Koehler, diretora de conteúdo artístico do GNT, em entrevista a TELA VIVA. "Nas atrações ao vivo, como 'Papo de Segunda' e 'Saia Justa', que além de contarem com mais de um apresentador recebem semanalmente convidados especiais para um bate papo, precisaram ser ajustadas. Tivemos que nos acostumar com os delays entre a fala de cada apresentador. Estamos lidando com isso em nossas vidas em chamadas de vídeo, o que torna o público cúmplice e tolerante", completa.

Tatiana Costa, diretora do Multishow e da Unidade Infantil do Grupo Globo

Parte do mesmo grupo de mídia, o Multishow também continuou produzindo. Na TV, o canal lançou seus primeiros programas remotos, como o humorístico "Vai Passar!", retratando cotidianos da quarentena, e "Anitta Dentro da Casinha", produzido diretamente da casa da cantora. Na última semana, o canal ainda passou a exibir o "Diário de um Confinado", parceria entre Globo, Multishow, Globoplay e GNT que traz Bruno Mazzeo fazendo uma crônica do isolamento social a partir da história do personagem fictício Murilo. O Multishow ainda abraçou as lives musicais, transmitindo shows remotos de artistas como Roberto Carlos, Fábio Jr. e Teresa Cristina, entre outros, além da exibição de eventos virtuais internacionais. Tatiana Costa, diretora do Multishow e da Unidade Infantil do Grupo Globo (canais Gloob e Gloobinho), falou à TELA VIVA sobre os desafios de produção no período: "Este momento trouxe a necessidade de nos reinventarmos. Neste cenário, em que o entretenimento audiovisual se tornou uma válvula de escape, o grande desafio do canal foi a entrega de um conteúdo criativo e divertido, que trouxesse o selo de qualidade do Multishow ao mesmo tempo que respeitasse os protocolos de segurança". A diretora continua: "As produções remotas foram realizadas com equipes reduzidas e multidisciplinares, com a direção-geral feita à distância. Também foi adotado o uso de equipamentos novos, como as câmeras robôs, que propiciam o trabalho remoto e atendem às necessidades de gravações garantindo a qualidade das atrações".

"Rolê Gloob em Casa"

O Gloob, canal infantil do Grupo, já tinha uma boa frente de gravação quando a pandemia começou – com novas episódios de "D.P.A. – Detetives do Prédio Azul", "Bugados" e "Escola de Gênios". No período, o canal também levou ao ar projetos que já estavam avançados no desenvolvimento, como a "Playlist Gloob", que inaugurou o pilar musical do Gloob e marcou a entrada da marca nos streamings de música. "Ainda assim, existia a urgência de entender as transformações pelas quais o nosso público estava passando nesse momento de isolamento, em que as aulas foram suspensas, assim como todo o contato com amigos e outros membros da família. Foi preciso nos reinventar e ajustar o planejamento, repensando as linguagens e as dinâmicas de produção remota", declarou Costa, que também responde pelo canal. O Gloob investiu em mais uma série de iniciativas para o digital – Instagram e YouTube, por exemplo – dentro do guarda-chuva batizado de "Gloob em Casa". Nesse sentido, a marca colocou no ar o "Rolê Gloob em Casa", com produção 100% remota. "Contamos com a ajuda dos pais e das próprias crianças, que montaram cenários, figurinos e fizeram a própria maquiagem. Diretor, elenco e equipe se reuniram em salas de conferência virtual para debater todas as etapas. Para nos auxiliar na tarefa de organizar à distância um total de 14 crianças e seis por episódio, contamos com mais de dez grupos em app de bate-papo, a fim de coordenar toda essa logística. Nos preocupamos também em fazer testes para verificar a capacidade de internet nas casas de todos os participantes para garantir o melhor funcionamento possível", contou a diretora. "Foi lindo ver como o elenco ficou contente em estar junto virtualmente e nós ainda mais, por poder contar com uma equipe tão envolvida e engajada com o projeto", elogiou. A alegria se reverteu em audiência: o Gloob obteve a liderança entre crianças com TV por assinatura no consolidado de suas exibições.

"Tem Chef em Casa", do Discovery Home & Health

Já o Grupo Discovery testou a produção remota no recém-lançado "Tem Chef em Casa", do Discovery Home & Health. Na dinâmica da competição gastronômica, os chefs precisam preparar pratos sem tocar na comida – isto é, dando apenas instruções, enquanto quem coloca a mão na massa são seus familiares e cônjuges. "Essa foi nossa estreia com a produção remota. O programa já foi criado pensando nesse cenário da quarentena. Ainda assim, tivemos o cuidado de pensar em ideias que não funcionassem só agora, mas que pudessem ir ao ar depois também. Neste caso, optamos pelo tema da culinária que, além de ser presente nos nossos canais, está em pauta no momento", explicou Adriana Cechetti, diretora de produção da Discovery. "Foram muitos desafios envolvidos nesse projeto. Nossa parceira, a Casa de Vídeo, foi fundamental nesse processo. Enfrentamos dilemas técnicos que nem nos dávamos conta. A qualidade da internet da casa das pessoas, por exemplo, que interfere diretamente na qualidade do programa que vai para a TV. Fizemos inúmeros testes de gravação para verificar esse potencial e também para entender o que seria necessário em termos de equipamentos. Monitoramos tudo via Zoom, com muita atenção aos detalhes", continua. A diretora revelou que o projeto chamou a atenção das marcas logo de cara – foram cinco patrocinadoras – e que foi um dos programas mais rápidos que já fizeram, entre o desenvolvimento da ideia e o conteúdo no ar. "Tem Chef em Casa" performou bem: a estreia aumentou em 38% a audiência do canal entre Mulheres 25-54; durante a exibição do primeiro episódio, o canal liderou a categoria "estilo de vida" na Pay TV com 24% de diferença dos concorrentes; e a reprise no domingo seguinte à estreia aumentou em 200% a audiência entre Mulheres 25-54.

"MTV Lockdown com Coelhanna"

A ViacomCBS apostou nas produções remotas especialmente para a MTV e o Comedy Central. Entre os projetos lançados especialmente para a quarentena, estiveram "MTV Lockdown com Coelhanna", "MTV Especial #JuntosàDistância" e três especiais de comédia para o Comedy Central ("A Culpa Não é Nossa", "A Culpa é do Cabral: 520 Anos Depois" e o "Comédia com Todas as Letras: LGBTQIA+"). Antes mesmo dessa situação se instaurar, o grupo já estava preparado. Roger Carlomagno, diretor de produção e desenvolvimento da ViacomCBS no Brasil, explica em entrevista exclusiva: "Nós já vínhamos testando esse formato com o 'MTV Hits'. Com o Gui Araújo de um lado e a Bia Coelho do outro, ambos apresentadores do programa, já tínhamos começado a produzir conteúdos remotamente por meio do celular. Então, ali, já tivemos um grande aprendizado. Tivemos que rearranjar todo o desenho de produção. Entre os principais desafios, esteve produzir a locação onde nosso talentos e convidados estão mesmo à distância, controlando luz, cenário e objetos de cena. Muitas vezes, mandamos equipamentos para a casa deles, como microfones".

Aprendizados de quarentena e possibilidades para o futuro

Agora, mais de 100 dias após o início das recomendações de isolamento social como medida de controle do avanço da pandemia, os canais de TV já entendem como se dará o trabalho neste segundo semestre do ano e já se encontram preparados para enfrentar o dito "novo normal" que vem por aí.

Lives da quarentena do GNT

Ainda este mês, o GNT estreia a segunda temporada do programa protagonizado por Ingrid Guimarães, o "Além da Conta – Novo (A)normal", que traz a mesma dinâmica virtual. Já nesta semana, o "Que História é Essa, Porchat?" Volta a gravar sua segunda temporada, que foi interrompida em março por conta da pandemia, e se prepara para estrear em agosto. Koehler adiantou que um novo cenário feito a partir de projeções vai reunir convidados e plateia, de forma virtual, para contarem suas histórias. No estúdio, estarão apenas Fábio Porchat e uma equipe técnica reduzida, seguindo o protocolo de segurança e de distanciamento social dos Estúdios Globo. Até a direção da atração, feita por Gigi Soares, vai acontecer remotamente. O novo cenário exigiu dois meses de desenvolvimento, numa parceria a oito mãos: GNT, Porta dos Fundos, Estúdios Globo e a empresa Superuber, que planejou e executou os layouts virtuais. O conceito 360 graus do programa permanece o mesmo, com anônimos e famosos contando suas histórias, interagindo e se divertindo, só que agora com cada um de sua casa. Também em agosto, o canal estreia o "Santa Ajuda-se" e, em outubro, o "Decore-se", que mudaram o nome por causa do novo formato, já adaptado à nova realidade de distanciamento social. Agora, as atrações vão ajudar as famílias participantes, de forma virtual, a organizar e reaproveitar ambientes de suas casas para deixá-los mais acolhedores.

"Anitta Dentro da Casinha", do Multishow

A programação do Multishow para o segundo semestre prevê estreias de conteúdos gravados antes da quarentena, como as novas temporadas de "O Dono do Lar", "Lugar Incomum" e "Anota Aí". Mas Tatiana Costa já reflete sobre a volta aos sets a partir de um balanço da experiência adquirida: "É certo que, para retomar as gravações, adaptações serão feitas. Estamos planejando o passo a passo desse retorno para atender a todos os cuidados de segurança necessários para as equipes envolvidas. Foi e está sendo um período de reinvenção para todo o canal, que certamente gerou grandes aprendizados. Vimos, na prática, novas formas de produção com a garantia de uma entrega com a mesma qualidade. No caso de 'Anitta Dentro da Casinha', por exemplo, a produção que normalmente envolveria uma equipe de 30 pessoas foi realizada remotamente com dez. Esse modelo somado ao uso de tecnologia certamente serão levados para a vida pós-pandemia".

Costa ainda analisa: "Agora, o dever de casa é valorizar e integrar todo o aprendizado vindo desse processo de produção remota, em que as tecnologias e as plataformas digitais assumem papel de protagonismo.  Pelo lado das marcas, estamos vivendo um momento importantíssimo de responsabilidade coletiva no olhar para a sociedade e construir mensagens e ações conectadas aos valores de cada uma. Hoje, mais do que nunca, penso que as empresas serão lembradas pelo o que fizeram e, também, pelo que deixaram de fazer. Nesse período, vimos com clareza o poder de ação de um coletivo engajado e motivado, mesmo em meio a um momento desafiador para todos". Em relação ao Gloob, a executiva diz que é cedo para falar de uma volta às operações normais, mas garante que o canal segue com um planejamento de estreias para a TV, projetos para as redes e o especial "Miraculous Day", em agosto, com uma programação multiplataforma e ações com os dubladores de Ladybug (Jéssica Vieira) e Cat Noir (Fabrício Vila Verde).

Para o Grupo Discovery, a regra é pensar em curto prazo. "Estamos avaliando nossas produções de acordo com o que temos hoje de protocolo. Tamanho das equipes, casting, possibilidade de produzir parte remota/parte presencial são algumas das questões a serem observadas daqui pra frente. Mas é impossível fazer grandes planos. Vamos trabalhar analisando projeto por projeto, pensando qual a melhor maneira de voltar com cada um deles dentro das restrições. A palavra agora é cautela", disse Adriana Cechetti. Sobre estreias próximas, a diretora disse que após a experiência com o "Tem Chef em Casa" é provável que os canais do grupo invistam em novas produções remotas. Especiais com o melhor de programas de sucesso das marcas, como "Aeroporto – Área Restrita", também estão previstos na grade.

"Aeroporto – Área Restrita", uma das principais propriedades do Discovery

Roger Carlomagno, do grupo Viacom, já consegue apontar práticas que foram impostas pelo contexto da pandemia e que acabaram se revelando positivas. É o caso da participação remota de convidados, por exemplo. "Hoje, já entendemos que não precisamos derrubar um convidado ou abrir mão de determinada presença porque a pessoa não pode vir até onde estamos. Antes, achávamos que isso talvez não tivesse valor de produção. Mas vimos que dá certo, sim. Ainda estamos formando nossas dinâmicas de trabalho a partir de um novo jeito de fazer conteúdo audiovisual", comenta. Para este segundo semestre, o grupo se prepara para fazer gravações em estúdios. Redução de equipe, redução de hora de trabalho e, consequentemente, mais tempo de gravação, seguindo todos os protocolos de segurança e higienização estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), fazem parte do plano de retomada da Viacom. "Estamos estudando como fazer e quais serão os impactos, mas a ideia é continuar produzindo e cada vez mais evoluindo e aproveitando as possibilidades que estamos aprendendo e colocando pra frente", conclui Carlomagno.

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom! De fato, a pandemia tá obrigando o povo que faz televisão a repensar todo o processo de produção de conteúdos. Um aprendizado histórico, que de agora pra frente vai se incorporar ao dia a dia do trabalho, ou seja, assim como a vida de todo mundo, a televisão brasileira nunca mais vai ser o que era antes.

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