Plateia virtual, redução de equipe e otimização de estúdios: as estratégias dos canais abertos e pagos para a retomada das produções

Os médicos Mauro (David Junior), Carolina (Marjorie Estiano), Décio (Bruno Garcia) e Evandro (Julio Andrade) em cena de 'Sob Pressão - Plantão Covid'

Com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil em meados de março, o setor audiovisual foi um dos primeiros a paralisar o trabalho, uma vez que as recomendações de isolamento social foram estabelecidas e, assim, os sets de filmagens foram esvaziados. Agora, quase seis meses depois, os canais de TV aberta e fechada, que interromperam as produções, tocaram outras de forma remota ou ainda criaram projetos exclusivos para o período de quarentena, estão voltando aos poucos para as gravações em estúdio.

A Globo foi uma das primeiras a interromper as gravações das novelas – no lugar das tramas que estavam em exibição, entraram no ar as reprises. Mas, em agosto, elencos e equipes técnicas retornaram ao trabalho – respeitando, é claro, um rigoroso protocolo de segurança dos Estúdios Globo, que já existia, de forma mais simplificada, para aqueles programas que não foram suspensos, como os noticiários e algumas atrações de variedades. A comunicação da emissora afirma que, durante os meses de isolamento, o Grupo foi se adaptando e aprendendo a lidar com essa realidade que se impôs: "Trocamos conhecimento com outras produtoras de audiovisual do mundo, em países como Itália, Suécia, Dinamarca, Chile, Austrália, Indonésia e EUA. Então, olhamos para os nossos processos e criamos um protocolo de segurança próprio que abrange todas as etapas de produção". As recomendações vão desde cuidados na pré-produção à atuação nos sets, incluindo logísticas de transporte, alimentação e regras para fornecedores. "A nossa prioridade é viabilizar o 'como gravar', com o cuidado permanente com a segurança dos talentos e das equipes. O documento é amplo e vivo – à medida em que os trabalhos vão acontecendo e as situações vão sendo vividas, o protocolo pode ser ajustado", diz o canal.

Este noticiário teve acesso exclusivo ao "Protocolo de Retomada das Atividades nos Estúdios Globo". O documento é dividido em regras gerais, agrupadas em requisitos para retorno, cuidados da empresa e cuidados pessoais, e outras mais específicas, desdobradas nos subtemas pré-produção, produção (com acesso ao set, cenários, utilização de EPIs, caracterização e figurino, equipamentos, alimentação, tranporte e sanitários) e aplicabilidade na dinâmica de produção.

Com relação às duas novelas interrompidas por conta da pandemia – "Amor de Mãe" e "Salve-se Quem Puder", que já estavam no ar – elas tiveram uma redução de capítulos, mas a Globo garante que não haverá comprometimento com as tramas dos personagens e seus arcos dramáticos. Elas voltaram a ser gravadas no dia 10 de agosto e os novos capítulos serão exibidos a partir de 2021 – até lá, as faixas das 19h e 21h contarão com outras reprises.


Thiago Martins, Juliano Cazarré, Nanda Costa e Regina Casé de volta às gravações de "Amor de Mãe" (Reprodução/Instagram)

Quem também está de volta aos estúdios é a equipe de "Sob Pressão", uma coprodução entre Globo e Conspiração Filmes, que grava "Sob Pressão – Plantão Covid" (foto principal), especial com dois episódios inéditos para homenagear os profissionais de saúde que estão atuando no combate ao coronavírus. Os capítulos já foram filmados e a estreia está prevista para este semestre. As cenas foram realizadas, em maioria, dentro de um hospital de campanha cenográfico, montado especialmente para esta edição. Uma nova temporada completa da série segue nos planos da emissora e da produtora, com previsão para 2021.

A Record TV, por sua vez, também paralisou algumas produções com a chegada da pandemia – entre elas, o reality show "Top Chef Brasil", que ainda não tinha estreado, mas já contava com os participantes em confinamento e realizando provas. No programa, a pausa que eles deram, com os chefs voltando para as suas casas temporariamente, não foi escondida do público – e para quem acompanha o reality desde o início da temporada ficou clara essa noção de "antes" e "depois" da Covid. Entre as mudanças adotadas, estão os jurados separados por divisórias de acrílico e uso de máscaras pelos chefs e pelo júri, que aparece com o "acessório" quando se aproxima dos participantes e das estações de trabalho deles. Felipe Bronze, chef de cozinha e um dos jurados de "Top Chef", declara que esse retorno foi "emocionante" e proporcionou a todos "uma sensação incrível de superação". Ele acrescenta: "A principal lição que tiramos é que juntos conseguimos fazer qualquer coisa. Emissora, produtora, elenco e participantes, todos se envolveram no trabalho com o mesmo propósito e ficaram felizes de poder realizá-lo de forma segura".


O chef e jurado Felipe Bronze com equipamento de proteção no "Top Chef" (Reprodução/YouTube)

Rodrigo Carelli, diretor do núcleo de reality show da emissora, conta em entrevista exclusiva para TELA VIVA que a retomada só aconteceu após um trabalho de estudo profundo e rigoroso com acompanhamento de especialistas e médicos e um investimento em cuidar da saúde tanto dos participantes quanto da equipe envolvida: "Os chefs ficaram em pré-confinamento individual de 14 dias em um hotel, para depois poderem voltar a conviver normalmente entre eles. Enquanto isso, a equipe aprendia a trabalhar com todos os equipamentos de proteção necessários e respeitando as regras de distanciamento". O diretor ainda assume que a emissora aprendeu muito com este processo de se "blindar" dos possíveis males do vírus e que, com certeza, muitas das ações serão incorporadas em definitivo nas produções futuras.

Também colocada no ar ainda no período de pandemia, a 12ª temporada de "A Fazenda" estreou na Record na última terça, 8, após seguir os mesmos protocolos de isolamento dos participantes, além de testagem e higienização constante. Carelli observa que "A Fazenda" possui uma equipe três vezes maior do que a do "Top Chef", além de uma área de trabalho mais extensa. "Em relação aos participantes, serão tomadas as mesmas precauções em ambos os casos. Quanto à equipe, os cuidados em 'A Fazenda' serão ainda mais detalhados, já que a produção funciona 24 horas por dia e sete dias por semana durante três meses", pontua.

Os canais pagos se viraram bem durante os meses mais críticos da pandemia, mantendo um calendário constante de estreias tanto de produções que já estavam gravadas quanto de novos conteúdos, que foram desenvolvidos de forma remota, considerando especialmente o contexto do país. Agora, eles também já se sentem prontos para retornar com alguns projetos presenciais. É o caso de Multishow, que tem no momento duas atrações gravando novas temporadas: "Lady Night", com Tatá Werneck, e o humorístico "Vai Que Cola". "Ambas seguem protocolos de segurança rígidos em todas as etapas, incluindo transporte, materiais, limpeza, alimentação e higienização. Está tudo em linha com as orientações dos órgãos de saúde", reforça Christian Machado, diretor de conteúdo do Multishow, em entrevista exclusiva. Os programas citados por Machado terão temporadas em um novo formato, sem plateia, além de mudanças como a não realização de cenas ou quadros que envolvam aglomeração ou contato físico, ausência de gravações externas e redução de equipes por trás e à frente das câmeras, entre outras.


Tatá Werneck brinca com o uso de proteção nos bastidores do "Lady Night" (Reprodução/Instagram)

No "Lady Night", por exemplo, a banda foi reduzida para três integrantes, de modo a respeitar o distanciamento recomendado. A temporada inédita também conta com uma plateia diferente: ela é virtual, com as pessoas participando diretamente de suas casas, com segurança. Para o quadro "Entrevista com Especialista", Tatá Werneck recebe, com distanciamento, apenas um profissional por programa, e o quadro é gravado somente após a saída do convidado do dia. A apresentadora recebe um convidado por programa – ou dois, mas apenas no caso de casais –, com a distância recomendada de, no mínimo, dois metros entre eles, e sem contato físico algum. O participante e a apresentadora são separados por uma barreira de acrílico. O diretor do canal ainda revela que no humorístico "Vai Que Cola" as leituras do roteiro passaram a ser feitas de forma virtual, no mesmo dia da gravação. Já a plateia, parte integrante e importante do sitcom, que atua quase como um personagem, será representada por 230 totens na nova temporada. Os convidados da atração também utilizam camarins distintos, não levam acompanhantes e chegam prontos, já na hora de gravar. "Algumas cenas terão o roteiro adaptado para respeitar o limite de pessoas e garantir o distanciamento necessário, mas não houve redução no número de episódios nem no tempo de duração de cada programa", acrescenta.

Plateia virtual, aparentemente, é uma medida que veio para ficar – pelo menos até a chegada da vacina contra a Covid-19. O "Que História é Essa, Porchat?", do GNT, também adotou o formato para poder retomar as gravações de sua segunda temporada – tanto anônimos quanto famosos participam de forma remota, com apenas o apresentador Fábio Porchat e poucos profissionais da equipe no estúdio. Mariana Koehler, diretora de conteúdo artístico do GNT, explica que praticamente o time todo – produção, cenografia, conteúdo e o próprio canal – acompanhou as gravações por um sistema de comunicação e videoconferência. "A direção tinha acesso a esse sistema e a um outro, em separado, em que passava as orientações e comandos para os cinegrafistas e diretor de TV, além de comunicação direta com o próprio Porchat", acrescenta. Koehler prossegue: "Um dos nossos maiores desafios foi pensar em uma solução que preservasse a essência do programa, que é contar e ouvir boas histórias, dentro de um formato que atendesse às demandas do momento". No processo de desenvolvimento desse novo modelo, a atração contou com a parceria da Tecnologia da Globo, a empresa SuperUber e o Porta dos Fundos. "Tivemos que aprender a lidar com as questões comuns às transmissões remotas, como delays e oscilações do sinal de internet. Mas, na prática, o enorme desafio tecnológico não se sobrepôs às histórias, que continuam envolvendo e divertindo quem participa e quem assiste", conclui.


Plateia virtual do "Que História é Essa, Porchat?" (Divulgação)

Nessa impossibilidade de reunir plateia em gravações e produções, a ViacomCBS realizará suas duas grandes premiações – o MTV Miaw e os Meus Prêmios Nick – em estúdio. No entanto, haverá transmissão ao vivo de ambas pela primeira vez. "É uma mudança muito grande na dinâmica dos eventos, que sempre contaram com o calor da audiência, aquela emoção de descobrir na hora quem ganhou cada categoria e a reação aos discursos dos talentos e aos números musicais. Repensar as premiações foi um desafio e, para não perder especialmente essa troca com o público, optamos pelas transmissões ao vivo, a fim de ter o máximo possível de interação, ainda que à distância", conta Roger Carlomagno, diretor de Produção e Desenvolvimento da ViacomCBS Brasil, em entrevista exclusiva.

Carlomagno reforçou que, logo no começo da pandemia, o grupo suspendeu todo tipo de produção presencial e que, para que houvesse essa retomada, foi desenvolvida uma série de protocolos e normas – primeiro internacionalmente, depois de forma local – para garantir a segurança de todos os envolvidos nos projetos. Ainda segundo o diretor, existe um comitê internacional que analisa cada plano de produção de forma específica, considerando o tamanho dos estúdios de cada uma, por exemplo. Entre as exigências do protocolo, está a redução no número das pessoas envolvidas nas produções – para as premiações, essa redução foi de cerca de 40%, o que configura um desafio ainda maior, considerando o porte desses eventos.

Para as próximas semanas, a ViacomCBS planeja, para além das premiações de MTV e Nickelodeon, a volta aos estúdios do Comedy Central, com a segunda temporada de "A Culpa é da Carlota" e o "Comedy Central Apresenta", novo formato original do canal. "Para colocarmos essas produções em pé, a estratégia foi reunir as duas em um modelo de hub, isto é, utilizando o mesmo estúdio e praticamente a mesma estrutura, além das mesmas diárias de gravação. Ter um mesmo plano de trabalho para as produções facilitou o momento de aprovação do mesmo com o comitê interno", explica Carlomagno.

O canal adulto Sexy Hot, que pertence ao grupo Playboy do Brasil, enfrenta mais dificuldades para uma possível retomada, uma vez que todas as suas produções envolvem contato físico entre o elenco. Para TELA VIVA, Cinthia Farjado, diretora-geral do Grupo, afirma que o momento é de analisar os roteiros do Sexy Hot Produções que ainda não foram produzidos para checar quais adaptações podem ser feitas para que o trabalho esteja adequado ao cenário atual. Alinhado com a temática da quarentena, o canal estreou em agosto dois episódios do filme "Contos da Quarentena", do Sexy Hot Produções, selo próprio e exclusivo. Seguindo todos os protocolos da Organização Mundial da Saúde (OMS), as duas produções foram interpretados pelo casal DreadHot e Alemão, que moram juntos, gravado na casa deles, respeitando ainda mais o decreto. "Além de todos os cuidados que já tomamos antes mesmo da pandemia, agora vamos realizar testes e exames ainda mais rígidos com toda a equipe envolvida", garante Farjado.

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