Pré-vendas, coproduções e investimento estratégico: os caminhos para posicionar o audiovisual independente no cenário global 

Fabiano Gullane, Andréa Barata Ribeiro, Aly Muritiba, Fernando de Souza Dias e Barbara Teixeira (Foto: Divulgação)

"Produções sem fronteiras – O audiovisual independente no cenário global" foi tema de painel nesta quarta-feira, dia 12 de abril, no Rio2C. Na última semana, TELA VIVA conversou com exclusividade com Fabiano Gullane, produtor e sócio-diretor da Gullane, um dos participantes na mesa, que adiantou um pouco a conversa e ressaltou a importância do setor pensar num "novo ciclo" para o audiovisual brasileiro. Ao lado dele, estiveram presentes no debate Barbara Teixeira, produtora e CEO da Anonymous Content; Andréa Barata Ribeiro, sócia-fundadora da O2 Filmes; e Fernando de Souza Dias, diretor e produtor executivo da Grifa Filmes. A mediação foi do diretor e roteirista Aly Muritiba. 

É consenso entre os profissionais que ampliar o alcance das obras brasileiras independentes para o cenário internacional é desafiador. Os caminhos para construir reputação global, os obstáculos e as disparidades de orçamento para se destacar num cenário altamente competitivo e os gargalos de distribuição e apoio para conquistar espaço nas maiores premiações do setor são alguns pontos sensíveis. 

O diretor e produtor executivo da Grifa Filmes contou que a empresa montou uma produtora no Canadá justamente como forma de investir nessa ampliação de alcance. "É uma questão de vontade política. Nos outros países, mecanismos de film commission e cash rebate estão muito mais avançados. É uma coisa já posta. Você filma lá e recebe os recursos. Não tem que entrar em edital, esperar. Se levou a produção para lá, já tem acesso. É um incentivo que entende nosso mercado como indústria. O streaming cada vez mais mostra essa potencialidade. Países como Coreia e Espanha reforçam isso. Se o Brasil não se preparar para ser um mercado produtor de incentivos e facilidades, vamos perder essa oportunidade. Nós temos dinheiro, esse ano teremos muito mais no FSA. O que falta é uma estrutura alinhada ao mercado. Assim, chegaremos longe", disse Dias. 

"O audiovisual é estratégico para os países. Historicamente, a dramaturgia foi usada do ponto de vista de dominação, para conquistar. Quando pensamos no mercado americano, logo entendemos a importância estratégica dessa indústria. Política pública é estratégia. Onde entram nossos filmes, entram nossos carros, roupas, marcas, produtos. É um meio de mostrar o Brasil ao mundo", pontuou Andréa. 

Gullane concordou: "Temos que olhar como investimento estratégico. Não é gasto ou despesa. É um mercado altamente lucrativo, que emprega, que retorna com muito dinheiro para o estado. Estamos falando de uma indústria estruturada, e todos nós precisamos, em conjunto, defender a importância desse investimento estratégico para o país. Necessitamos de uma política pública afirmativa, que reforce essa importância". 

Disparidades de orçamento 

É claro que a questão dos orçamentos impacta. Andréa, inclusive, mencionou que outros países gastam em um episódio de série mais do que gastamos para produzir séries inteiras. Mas para Gullane, há meios de "driblar" essa variável. Como exemplo, ele trouxe um projeto de adaptação audiovisual das músicas da Arca de Noé, no qual a produtora está trabalhando no momento. O filme possui um orçamento robusto – de seis milhões de dólares – que foram obtidos a partir de diferentes meios. Metade veio do Brasil mesmo, entre investimentos privados, fundos e dinheiro de parceiros. Já o valor de US$1.3 é fruto de um acordo de coprodução com a Índia. "Queríamos fazer uma animação em 3D e infelizmente no Brasil não temos um parque instalado de infraestrutura. A partir daí já entendemos que precisávamos ampliar o projeto. Levamos o filme para produzir e fabricar na Índia e conseguimos que eles se inteirassem da história – descobrimos, no processo, que as músicas da Arca de Noé são conhecidas por diferentes religiões. Então fazia sentido para eles também. Isso é importante: coprodução tem que fazer sentido, todos têm que enxergar a mesma obra", contou. 

O valor que faltava veio da agente de vendas internacional da Gullane, que pré-vendeu o filme para 30 países. "Trouxemos esse dinheiro de pré-venda para o orçamento. O Brasil não está acostumado a fazer isso, e é um caminho legal de buscar. Tivemos que comprovar para a Ancine que fazia parte do plano de financiamento e eles entenderam. Ou seja, agora já é um modelo possível na nossa indústria. No Brasil, demoramos cerca de dez anos para levantar esse dinheiro. Na Índia, levou um mês. E o processo de pré-venda, entre dois e três anos", explicou. "No Brasil, temos roteiristas, diretores, talentos, gente que faz a diferença com seu discurso e com suas obras. Nesse sentido, a questão do orçamento se torna difícil, mas não impossível", acrescentou. 

Para Barbara, um dos caminhos possíveis para aumentar os orçamentos é trazer talentos de fora para projetos desenvolvidos aqui, por exemplo. "Isso sobe nosso orçamento, até para cobrir o cachê desse talento. É ótimo como modelo de negócio, sobe o valor de produção", comentou. 

"E são valores que não se alteram com o passar dos anos. O valor de investimento máximo por projeto está travado há mais de 20 anos – num país com essa inflação galopante. Temos que mudar a lei para, pelo menos, corrigir pela inflação", completou Gullane. 

Romper a fronteira 

Para Barbara, a tal da "produção sem fronteiras" que dá o nome ao painel começa lá atrás. "O próprio streaming pensa que a série precisa fazer sucesso principalmente no Brasil, já colocam uma fronteira pra gente. O orçamento é baixo, querem seguir uma receita de bolo na parte criativa, tudo porque precisa fazer sucesso no Brasil. Com esse talento de fora na nossa equipe, por exemplo, vendemos o licenciamento para o outro país, como os Estados Unidos, também, além do Brasil. Temos que construir esse modelo cada vez mais. No Brasil, nos colocamos como parceiros de talentos e de produtores. E também com outros estúdios. Espero que comecem a olhar para nós com esse potencial", avaliou. 

Participação nos mercados 

Dias ressaltou a importância de frequentar eventos internacionais. "É um mercado de relacionamentos. No Brasil, ninguém deve nada em termos de qualidade de produção. Então tem que ir, estudar o parceiro, as possibilidades. Nos eventos, a gente já entende quais são as demandas, os agentes do mercado falam o que estão procurando. Tem que fazer a lição de casa e ir todo ano. O Brasil é muito querido, a imagem é positiva no mundo inteiro. Vamos aos eventos e vemos isso. Ou seja, não é fácil, mas dá pra fazer. A Grifa faz muitas parcerias – às vezes com canais, mas na Europa é principalmente com produtoras. É um jogo possível. E o momento é oportuno", finalizou. 

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