Preservação dos direitos para fortalecimento da indústria nacional é ponto-chave na regulação do VOD 

Tiago Mafra, Leonardo Edde, Paula Vergueiro e Mauro Garcia (Foto: Divulgação)

A regulação do VOD entrou em pauta no Rio2C nesta quarta-feira, dia 12 de abril. Se o tema já era urgente anos atrás, após a pandemia, com o aumento do consumo de conteúdo audiovisual por meio das plataformas, se tornou ainda mais fundamental. Hoje, com as discussões em torno do assunto mais avançadas, algumas questões primordiais se sobressaem: a ampliação de investimentos de produção para essa janela, os direitos dos produtores e as cotas para os conteúdos brasileiros nos serviços. 

No painel, Tiago Mafra, diretor da Ancine, contextualizou que se trata de um momento de fortalecimento institucional, com a retomada do Conselho Superior de Cinema e uma Ancine mais regularizada, para "desatar" algumas questões, como cota de tela para cinema e para programação da TV e, claro, o VOD. O diretor apresentou um panorama do mercado de VOD que revela que, no Brasil, existem 59 plataformas disponíveis para o consumidor. "A Ancine, na virada do ano, tomou a decisão de se movimentar na coleta de dados do setor. Devemos, até o fim do primeiro semestre, receber esses dados relacionados aos catálogos das produtoras. O objetivo é ter referências para, a partir daí, produzir ferramentas regulatórias que dão conta desse segmento. É um mercado maduro, que evoluiu, por isso a regulação não deve ser só criar assimetrias com a Lei do SeAC. São coisas diferentes", adiantou. 

"Existe um consenso sobre a necessidade de direcionamentos indutores de investimento em produção independente para as plataformas e, inclusive, regionalização de produção, que foi algo que a Lei do SeAC não conseguiu cobrir. Esse é um dos desafios aqui. Além disso, tem a proeminência, que precisa existir, não só as cotas. Como isso vai ser feito, temos que debater. Esse debate é essencial estrategicamente no Brasil e no mundo. E não é só um debate do setor, e sim da sociedade. Com a enxurrada de conteúdos que as plataformas têm, não pode ter o risco do conteúdo nacional ficar de escanteio. Por isso mesmo precisamos também de mecanismos de incentivo para produção", ressaltou. Em sua fala, Mafra também pontuou a necessidade de pensar na agregação de serviços e num incentivo para circulação das obras em outras janelas nesse processo de regulação do VOD: "Para a produção independente, isso é incremento de receita, visualização… O incentivo deve garantir que as obras não fiquem exclusivas e restritas às plataformas". 

Preservação de direitos 

Leonardo Edde, presidente do SICAV, vice-presidente da FIRJAN e produtor e sócio-fundador da Urca Filmes, por sua vez, enfatizou a importância da preservação de direitos. "A chave de leitura deve ser: queremos desenvolver uma indústria brasileira, incluindo nossas empresas e criadores, que sejam autenticamente brasileiros e representem o país e que consigam se sustentar nessa indústria? Se sim, precisamos ter nossas propriedades intelectuais preservadas, com o direito de fazermos o que quisermos com elas. O que temos hoje, nesse segmento, é uma indústria de serviços. E tudo bem – queremos, inclusive, ampliar essa indústria de serviços. Mas uma das nossas principais falhas de mercado talvez seja a diferença de poder econômico entre os stakeholders. Por isso é uma excelente oportunidade de regularmos esse mercado e reduzirmos essa falha. Regulações devem ser indutoras do desenvolvimento econômico, mas ele não é sustentável só pela regulação. A Lei 12.485 é um exemplo que deve ser modernizado. VOD é evolução, outro mercado, e tem que ser estudado à parte. Mas usá-la como retrovisor é muito importante". Nesse sentido, Edde concordou com Mafra de que a discussão precisa ser feita em cima de dados e análises. "A partir daí, vamos longe", afirmou. 

A advogada Paula Vergueiro participou da discussão e observou: "Sempre que discutimos a cadeia de valor agregado do audiovisual, passando pela regulação, o debate sempre ficou muito restrito a produtoras, distribuidoras e exibidores. Foi assim nas discussões do SeAC e, agora, nesse novo cenário. É muito importante que os criadores do audiovisual participem. Em um ambiente regulatório que se aproxime do ideal, onde se corrijam assimetrias e desequilíbrios de mercado, é importante que sua definição se faça com todas as pessoas afetadas. Nesse contexto, o criador não pode ficar de fora. A questão da propriedade intelectual é o que vai fazer com que criadores e todos os agentes da indústria estejam unidos nesse propósito de fomentar a produção nacional". 

Paula ainda alertou: "Esse modelo de transferência total dos direitos patrimoniais para empresas de alcance global é perigoso e pode ter consequências danosas para o nosso mercado audiovisual e para o país como um todo. Esse sistema de prestação de serviços é um perigo, e uma demanda que deverá ser tratada com cuidado. O que esperamos da regulação é que os autores sejam contemplados com suas demandas". 

Identidade e diversidade 

Mauro Garcia, presidente executivo da BRAVI e diretor executivo do ICAB, disse que, inicialmente, criticava essa demora na regulação, mas que hoje até vê que, como o mercado evoluiu, sua maturidade se tornou um dado de realidade para a discussão atual. Como exemplo, ele citou a própria Lei do SeAC, que gerou questionamentos na época mas que logo foram superados. Por isso, hoje, ele garante que ninguém "tem medo" de cotas. Nem de regionalidade. "Naquele momento, tínhamos uma deficiência, a vocação da lei foi olhar para o mercado interno. Agora, a situação é outra. Canais de distribuição não se restringem ao mercado interno – falamos de distribuição global. No caso do streaming, a obra vai viajar. Temos que transpor para a regulação do VOD essa vocação global das obras, mais do que para o território nacional. E pensar na questão da regionalização, que foi testada no FSA e deve aparecer também na revisão do SeAC", defendeu.

Edde ressaltou: "Estamos falando da formação da imagem de um país. Não só para fora, mas o país de um território do tamanho do Brasil precisa trazer sua imagem para dentro também. É a formação da nossa cultura e do nosso público. E essa imagem tem a responsabilidade de ser diversa e inclusa. A partir daí, estamos dentro de uma geopolítica mundial e conseguimos, com nossos produtos, concorrer nesse mercado cada vez mais acirrado e restritivo. Nas plataformas, o Brasil é sempre o segundo ou terceiro lugar em número de acessos e assinantes. Não podemos abrir mão dessa potência". 

Mafra concordou: "É uma regulação menos para defender interesses econômicos, e mais por questões geopolíticas. O que queremos para as novas gerações, que tipo de conteúdo? É um debate estratégico. O papel da Ancine nesse processo é estabelecer esse 'retrovisor', dar referências. Não será ela que tomará as decisões, cabe ao Ministério da Cultura, com a Secretaria do Audiovisual. A Ancine auxilia e estrutura o debate, a fim de produzirmos uma regulação que norteie a formação audiovisual dessas novas gerações". 

Desafios e obstáculos

Por fim, Garcia concluiu dizendo que, para ele, o maior desafio é que a regulação seja tão indutora quanto foi e tem sido o SeAC. Já o obstáculo é conseguir com a regulação, somada a outras leis, não fortalece apenas a produção e a criação da obra audiovisual, mas também as empresas. "Estamos falando de uma indústria audiovisual global, e as empresas precisam ter participação nos direitos para serem monetizadas, se estruturarem e competirem. Temos fomento para produção e criação, mas falhamos nesse fortalecimento da empresa produtora", finalizou. 

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