Paulo Miranda, da goiana Mandra Filmes, reforça importância dos incentivos e da descentralização da animação nacional

Thiago Camargo, Paulo Miranda e Ricardo de Podestá, sócios da Mandra Filmes (Foto: Divulgação)

Prestes a estrear nos cinemas com a animação "A Ilha dos Ilus" (assista ao trailer aqui), o criador, diretor e roteirista goiano Paulo G.C. Miranda (ao centro na foto), sócio-proprietário da Mandra Filmes, falou em entrevista exclusiva para TELA VIVA sobre o mercado de animação nacional e os desafios ainda existentes para a produção, comercialização e distribuição dos conteúdos feitos fora do eixo Rio-São Paulo. 

A Mandra Filmes produz animação há mais de 20 anos. A produtora também trabalha com live-action, mas o carro-chefe é a animação. No histórico, estão curtas, séries e este primeiro longa, "A Ilha dos Ilus". E já em desenvolvimento estão uma nova temporada de uma produção própria, mais um longa e uma série infanto-juvenil. Entre os destaques do portfólio, a Mandra tem as séries "Júlio e Verne", disponível no catálogo do Prime Video; "Muralzinho", cuja segunda temporada já está confirmada; e "O Parque de Adelin", atualmente na grade de programação da TV Cultura, com exibição diária às 18h45. 

"É uma longa trajetória. Em Goiânia, vimos a animação começando a crescer, com novos talentos na área. É um caminho que tem dado frutos tanto em termos de formação quanto de comercialização dos projetos. Cavamos o setor de animação onde parecia impossível. É sempre um desafio. Nós do mercado local trocamos muito, falamos sobre ideias, possibilidades. Muita gente antes de nós abriu os caminhos na animação brasileira e nossa missão é dar continuidade a esse trabalho", declarou Miranda. 

Para ele, o espaço para produtoras de fora do eixo melhorou, mas está longe do ideal. "Vimos séries de qualidade sendo produzidas em diferentes estados e o mercado nacional, como um todo, percebeu isso. O Sul, por exemplo, tem uma animação muito forte. É fato que teve melhora e que o espaço aumentou, mas está longe do ideal porque ainda há muita debandada de talentos da área, pessoas que começam, mas acabam migrando para outras carreiras por conta da dificuldade que é", observou. "Em Goiás, estamos mostrando nossa vocação para a animação. O Yuri Moreno, por exemplo, acabou de ganhar o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro com um curta de animação. Temos o Emerson Rodrigues, o Edu Província, o Wesley Rodrigues. Está se formando uma geração muito forte. Minha esperança e nossa meta na produtora é ajudar a consolidar essa área", resumiu. 

Relevância dos incentivos e do fomento

E, segundo Miranda, consolidar essa área passa por batalhar por mais incentivos e para que essa descentralização aconteça de maneira mais eficiente: "Sempre trabalhamos com valores muito abaixo. Aumentar orçamentos significa aumentar equipes, formar carreiras. A luta é para continuar os incentivos, aumentar os recursos e não ter retrocessos. Tem muito chão ainda para nos consolidarmos de maneira irreversível". 

Para ilustrar seu ponto, ele cita a comédia, que vem sendo fomentada no país há muito tempo. "A formação de comédia já é geracional. O resultado disso é que um filme de comédia nacional nos cinemas faz mais bilheteria do que os outros. A comédia já está no imaginário das pessoas, absorvida e concretizada. Vira um ciclo: o público gostando, tem retorno; tendo retorno; os profissionais ganham carreira; surgem novos talentos; a qualidade das produções melhora; o que gera mais público e mais recursos; e a história recomeça. Estamos tentando desenvolver outros gêneros no Brasil e a animação é um deles. Ela já está muito presente na TV, mas no cinema, ainda não. E precisamos fazer parte dessa formação do público infantil para que ele crie memórias afetivas com os conteúdos brasileiros. Isso vai desaguar em audiência para todo o audiovisual nacional", avaliou. 

Animações nacionais performam diferente no cinema e na TV 

É importante reforçar que as produções nacionais contam com orçamentos muito diferentes das produções internacionais. "A Ilha dos Ilus", por exemplo, na conversão para dólares, custou 350 mil. Uma produção norte-americana média custa cerca de 60 milhões. "O dinheiro vai estar na tela. Cinema é investimento. É claro que o público escolhe aquele que custou 60 milhões de dólares porque a experiência vai ser melhor. Mesmo que a pessoa não saiba. Não é que ela vá fazer as contas, mas ela vê o trailer e já sabe. Além disso, a distribuição e o marketing desses filmes muitas vezes têm o mesmo orçamento do filme. Somamos ainda a memória afetiva dos pais com determinados títulos e o fato de que, no cinema, a decisão do que assistir é deles. A concorrência é muito difícil. E esses filmes invadem as salas no Brasil, não tem jeito. Por isso a percepção do público brasileiro em relação aos nossos próprios filmes ainda é tão diferente", pontuou. 

Para Miranda, na TV "a conversa é outra". Ele descreveu: "Uma série não tem aquele aparato técnico que precisa ter um longa. As séries brasileiras já concorrem de igual para igual com as de fora. Temos títulos muito bons, como 'Irmão do Jorel', 'Meu Amigãozão', 'Peixonauta', entre outros. O resultado é nítido: as crianças assistem conteúdo brasileiro na televisão. Depois que ela descobre que é brasileiro, gosta ainda mais. Há uns dez anos passa animação brasileira na TV. Então nós, como área, já fazemos parte da memória afetiva das crianças. A aceitação é maior, não tem resistência". 

E acrescentou: "E se a criança assiste a uma série de animação brasileira que não gosta, não incrimina a área como um todo. Isto é, ela não fala que não gosta de animação nacional, só que não gostou daquela série em especial. No cinema, não é assim. Quem não gosta já fala 'cinema nacional é ruim'. Não é que na TV nós já 'chegamos lá', mas percorremos um bom caminho". 

Importância da formação e carreira 

"Produzir animação no Brasil é a verdadeira jornada do herói. É uma luta, mas um processo que vale a pena quando a gente vê o resultado", apontou o diretor. E, para ele, um dos resultados mais positivos está na formação dos talentos: "Falo de resultados não só das crianças gostarem do que produzimos, mas também das pessoas que formamos e das carreiras que ajudamos a construir. É importante demais fomentar a área – dar oportunidade para ilustradores, roteiristas, dubladores. Tem tanto artista talentoso. Acho gratificante fazer parte da formação da carreira de tanta gente boa que precisa de oportunidade. Isso vale muito a pena". 

O criador ainda acrescentou: "Formação não é só escola, é vivência. Uma coisa é a formação técnica e artística, mas a vivência vem para completar essa formação. E aí vira uma carreira. Às vezes, somos cruel como público quando a pessoa está começando. A continuidade faz o profissional virar aquilo que ele pode ser. Não sabemos o que o profissional é capaz na sua primeira série, o primeiro filme, o primeiro curta. Só na continuidade vemos o potencial". 

E ele finalizou: "É um ciclo. Se hoje canais e programadoras investem diretamente, é porque tivemos financiamento público para fazer nossas primeiras produções. Por isso todas essas frentes são importantes. Fico feliz de fazer parte disso, pelo menos localmente – é pequeno frente à produção audiovisual do Brasil, mas é importante. Tem gente que começou aqui e, hoje, produz para estúdios de fora. Temos ilustradores conosco há sete anos. O mérito é de cada um dos profissionais, mas a gente ter aberto a porta de entrada é muito legal". 

No horizonte da produtora, estão títulos como "Semente Sagrada", o próximo longa-metragem da Mandra, que será um filme família, "bem brasileiro", falando sobre lendas indígenas. Com direção de Ricardo de Podestá, a produção está prevista para 2026/2027. 

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