Para levar público de volta aos cinemas, produtores, distribuidores e exibidores precisam estreitar relação

Nesta quarta-feira, dia 12 de outubro, produtores consolidados do audiovisual nacional – Caio Gullane, sócio-diretor da Gullane; Clélia Bessa, produtora da Raccord Produções; e Julio Uchôa, produtor da Ananã Produções – se reuniram no painel "Como fazer para aumentar a competitividade e o faturamento do nosso conteúdo no mercado" no RioMarket, área de negócios do Festival do Rio. A conversa girou especialmente em torno da questão dos filmes no cinema. As salas ficaram fechadas por quase dois anos por conta da pandemia e, agora, ainda sofrem com problemas de ocupação, com os números de bilheteria bem abaixo do que costumavam ser, especialmente de títulos nacionais. 

"Com a experiência da 'Semana do Cinema', que reduziu os preços das entradas, a ocupação aumentou, então não podemos deixar de considerar o contexto econômico. Além das políticas públicas, que não estão defendendo nossa produção. Nós pensamos os filmes para exibir no cinema, isso está no DNA da Gullane. Mas entendemos que, como produtores, somos os que mais conhecemos o filme que fizemos, então precisamos fazer um trabalho complementar de lançamento, como mídia espontânea e eventos paralelos, encorpando esse processo", apontou Gullane. O produtor também alertou para a importância de entender o público com quem você quer falar e ter consciência do que você está fazendo: "Muita gente busca fazer o filme que acha que tem potencial. Mas tem que entender se esse potencial é para as salas ou para os festivais, um circuito mais alternativo. Essa é uma possibilidade também". 

A Gullane trabalha com esses dois caminhos. "A Última Floresta" é um exemplo de filme que teve uma ocupação pequena nas salas, mas completou um circuito enorme de festivais e, hoje, está disponível na Netflix. "Precisamos ocupar janelas diferentes e chegar na totalidade de exploração do filme. Nesse sentido, é importante que a propriedade intelectual esteja nas nossas mãos, para podermos nos organizar e explorar. Temos que nos atualizar sobre o que está acontecendo e buscar os melhores acordos. No caso de projetos com as plataformas, por exemplo, podemos negociar uma estreia nos cinemas antes – não é importante para eles, mas para a gente, é. Para nós, o tripé que garante o faturamento do nosso conteúdo consiste em uma boa negociação, atenção ao público, entendendo com quem o seu filme quer falar, e excelência na qualidade das produções", resumiu. 

Necessidade de rever a relação entre produção, distribuição e exibição 

Clélia Bessa contou que, nos últimos três anos, a Raccord Produções lançou quatro produtos muito diferentes entre si: "Pluft, o fantasminha", um título infantil preparado especialmente para as salas de cinema, desenvolvido em cima desse personagem já conhecido pelo público nacional; "Álbum em Família", baseado na obra de Nelson Rodrigues; além de um filme com Lírio Ferreira e uma comédia romântica. 

"Pluft", por exemplo, teve seu processo iniciado dez anos atrás. Pelo tamanho que se pretendia ter, também envolveu custos maiores, em um plano de financiamento mais complexo. "Precisamos quebrar essa regra de planos de financiamento que te empacotam", destacou Clélia. "Conteúdos diferentes precisam encontrar seus públicos específicos", acrescentou. 

Mas falando especificamente dos lançamentos nos cinemas, Clélia enfatizou que o problema é grave. O filme do "Pluft" estava pronto para ser lançado pouco antes da pandemia mas, com o fechamento das salas, a decisão foi esperar e estrear somente quando fosse possível ocupar as telonas. O título esteve entre as maiores bilheterias nacionais do ano – mas seu potencial era maior. O fato de ter sido lançado junto da franquia "Minions" foi um dos pontos prejudiciais. "Precisamos repensar o modelo de lançamento. Filmes diferentes precisam ter lançamentos diferentes. Nós sabemos o filme que nós fizemos, mas será que os distribuidores sabem? E o exibidor, está pronto para o filme brasileiro? Vemos acontecendo coisas que são no mínimo perversas com o cinema nacional. Principalmente em relação aos horários. 'Pluft' não ficou em cartaz nas melhores opções, e 'Marte Um' está passando pela mesma coisa. Sinto que voltamos pra trás nessa relação com os exibidores. Já tivemos momentos de mais diálogo e cumplicidade. É fundamental sentarmos para conversar. Temos que rever todo o sistema. Eles precisam enxergar o tamanho que a gente tem. Temos produtores absolutamente capazes, somos excelentes no que fazemos. Por que não alcançamos essa ponta final? É uma reflexão constante. Mas que passa, principalmente, por sentar junto à mesa, conversar e discutir", argumentou. "E precisamos do apoio do Estado para isso, no sentido de buscar uma colocação dos nossos filmes no cinema de uma forma mais 'premium'. O 'Pluft' foi bem, bateu 180 mil, mas existe uma sensação de frustração porque sabemos do potencial", completou. 

Investimentos na capacitação dos exibidores e do marketing como possível solução 

Nesse sentido, Walkiria Barbosa, produtora e ainda diretora executiva do RioMarket e diretora do Festival do Rio, defendeu que a situação também não está fácil para os exibidores, já que eles passaram muito tempo fechados por conta da pandemia e que as salas ainda não estão cheias. "O cenário é muito grave. Não é a cota de tela que vai resolver isso agora. O problema precisa ter trabalhado em conjunto entre produtor, distribuidor e exibidor. Os exibidores fizeram tudo o que podiam. Eles têm cinemas em várias cidades, cada uma que depende da mídia local, influenciadores locais. Após a pandemia, as próprias pessoas que gerenciavam os cinemas desaprenderam muito. Estamos conversando com a Ancine sobre a possibilidade de criar cursos online de capacitação de gerentes de cinema e do pessoal de marketing para mostrar como eles podem ajudar no lançamento de cada filme. Precisamos preparar os lançamentos com mais antecedência, criar no público a vontade de assistir. O buraco é muito mais embaixo", analisou. 

Clélia ressaltou que a ideia não é demonizar nenhuma área do audiovisual, e que a questão realmente passa por sentar e conversar: "Sei que o exibidor não vai dar um tiro no pé. O distribuidor também está em uma posição delicada, sujeito a perder a sua função se não se reinventar. Estamos voltando para o início dos anos 2000, quando sentamos para conversar pela primeira vez depois de muitos anos. Essas conversas são urgentes. Se não acontecerem, continuaremos fazendo filmes para ninguém assistir nas salas de cinema". 

Entender o público ainda é uma dificuldade 

Julio Uchôa contou que também lançou filme durante o período da pandemia e que o distribuidor alegou ter feito de tudo pelo lançamento. "Hoje, ele está em um streaming, mas não sei se a plataforma anuncia que o filme está lá. É um baile de interesses diversos", afirmou. No entanto, a experiência dele com o streaming é, em geral, positiva. Uchôa trabalhou na produção de "Ricos de Amor", filme original da Netflix que já teve uma continuação rodada. O título performou muito bem lá fora e teve o mesmo peso de títulos de outros países no processo de lançamento. "A língua portuguesa já conquistou seu espaço. Antes, falavam que filme falado em português não tinha mercado, nem havia espaço para conversar. Hoje esse espaço existe, e cada produto tem seu DNA. Temos que descobrir o melhor caminho para cada", pontuou. 

O produtor concorda que, agora, o distribuidor precisa encontrar seu caminho: "Ele precisa entender melhor o público – essa é a grande dificuldade. A sala de cinema é um grande trabalho que todo mundo precisa fazer. Temos que entender para onde cada história pode ir. O grande alerta, na minha opinião, não é na sala de cinema, é com o distribuidor, que tem que ficar amigo da gente, a fim de fazer um bom trabalho". 

Perspectivas de futuro 

"Toda empresa, não só do nosso setor, precisa ser lucrativa. Não podemos ser ingênuos. Às vezes um longa é mais voltado para o streaming mesmo. É um contexto novo, temos que estar de olho. A cota de tela é importante, sim, precisa ter essa manutenção. Não tem uma solução exclusiva", ponderou Gullane. 

Para Walkiria, o ponto central do problema é a falta de planejamento: "Precisa preparar material com antecedência, criar o desejo do público de assistir. O tripé de produção, distribuição e exibição não tem clareza de como vai ficar o mercado, de como o consumidor depois da pandemia recebe os conteúdos. Filmes importantes não estão dando resultado, salvo exceções". Segundo a produtora, a resolução passa pela necessidade do diálogo, planejamento dos lançamentos com bastante antecedência e estratégia melhor, envolvendo todos os elos da cadeia. 

Por fim, Clélia ponderou: "Eu não sei se a questão com o 'Pluft' foi com o distribuidor ou com o exibidor. O filme estava forte, houve compromisso, tivemos uma comunicação sensacional, tínhamos no elenco um ator que havia acabado de vencer o 'Big Brother Brasil'… Então eu acho que, sim, teve uma questão de colocação nas salas de cinema. Não esperamos mais pelo lançamento porque tínhamos um compromisso com a Ancine com prazos – quando envolve dinheiro público tem esse ponto. Não podíamos mais esperar, até tentamos mudar a data, mas não foi possível. Acredito que houve um despreparo do exibidor no sentido de apostar no filme. Essa questão dos horários das sessões é muito séria para nós hoje". 

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