Na mostra competitiva de Gramado, "Tia Virgínia", de Fabio Meira, parte de histórias familiares reais

A atriz Vera Holtz e o diretor Fabio Meira (Foto: Matheus Zanchet/ Agência Pressphoto)

O longa "Tia Virgínia", dirigido por Fabio Meira ("As Duas Irenes"), foi exibido na noite do último domingo, dia 13 de agosto, no Festival de Cinema de Gramado. O filme está entre os seis selecionados para a mostra competitiva de longas-metragens brasileiros do festival e, em sua sessão, recebeu aplausos do público em diversos momentos. A obra tem produção da Roseira Filmes e da Kinossaurus (produtora de Ruy Guerra e de Janaina Diniz Guerra), distribuição da Elo Studios e é protagonizada por Arlete Salles, Louise Cardoso e Vera Holtz – que participa pela primeira vez do evento gramadense. 

Na trama, Holtz dá vida à personagem título, uma mulher de 70 anos que nunca se casou ou teve filhos. Convencida pelas irmãs Vanda e Valquíria (vividas por Arlete Salles e Louise Cardoso), Virgínia mudou-se de cidade para cuidar da mãe idosa. No elenco também estão Antonio Pitanga, Vera Valdez, Amanda Lyra, Daniela Fontan e Iuri Saraiva. 

"Assim como 'As Duas Irenes', é um filme baseado em histórias da minha família. Mas enquanto o primeiro partiu de histórias que escutei de tias e mãe, que de alguma maneira eu reproduzi, 'Tia Virgínia' parte de histórias que vi com os meus próprios olhos. Sempre prestei atenção em como essas tias interferiam na casa – em momentos com o Natal, principalmente. Já é meu segundo filme sobre essas mulheres. Devo fazer mais um e, assim, encerro esse capítulo da minha vida", adiantou o diretor, Fabio Meira, em coletiva de imprensa realizada nesta segunda, 14. 

Ao longo da trama do filme – que se passa num período de 24 horas – a relação entre essas mulheres é acompanhada de perto. À medida em que os fatos acontecem, segredos e ressentimentos familiares vêm à tona. Nesse sentido, são referências implícitas e explícitas para o filme alguns textos teatrais, como "As Três Irmãs", do russo Anton Tchekhov, e "A Casa de Bernarda Alba", do espanhol Federico García Lorca. "Brinco que Tchekhov parece mineiro, porque está tudo no subterrâneo. É o 'amanhã a gente conversa', o não elaborar determinados assuntos. E aí fica a dor, o ressentimento, que são coisas muito fortes. O filme tem essa vontade de fazer com que a gente elabore sobre esses temas, de rediscutir essas 'Virgínias' dentro das famílias", destacou o diretor. "Quando vi 'Gritos e Sussurros' (Ingmar Bergman) pela primeira vez, era adolescente e levei um susto. Pensei 'é um filme sobre a minha família'. E de uma maneira misteriosa. Os Natais eram tensos, e eu queria fazer um filme sobre isso. Mas não sabia colocar em palavras. Quando vi esse filme, era como se tivesse colocado em imagens e palavras esse sentimento. Assisti-lo me ajudou a entender minha própria vida e minha própria família", acrescentou. 

Ele contou ainda que sempre achou que o primeiro filme que iria fazer seria justamente esse, mas "As Duas Irenes" acabou vindo antes: "Demorei para encontrar a maneira certa para contar essa história. Quando caiu a ficha e eu descobri o ponto de vista, que seria o da tia solteira, e a estrutura, com a história contada ao longo de um dia, ficou mais fácil". 

Janaina Diniz Guerra, que assina a produção, ressaltou esse "olhar meticuloso" de Meira, que ela define ser um investigador de seres humanos. "E ele tem um repertório de conhecimento sobre os nossos atores brasileiros. Na equipe, também teve essa delicadeza na escolha de cada pessoa. Temos uma parceria de 20 anos e mantemos um eterno desejo de trabalharmos juntos. Por isso vamos fazendo o que o outro precisa que a gente faça – é nosso combinado", revelou. "Como produtora, minha sensação é que 'Tia Virgínia' não foi o primeiro filme porque ele precisava de maturidade. A cada tratamento, tínhamos essa impressão de que muita coisa estava presente, mesmo que não fosse dita, isto é, essa camada subterrânea, nem tão visível do filme. Isso é uma coisa que toma tempo, e foi acontecendo ao longo do processo de criação", comentou.  

Já o diretor de fotografia Leonardo Feliciano observou que Meira é um diretor que "já chega com uma proposta muito boa e, ao mesmo tempo, é generoso para ouvir novas ideias, para podermos construir algo juntos". Segundo Feliciano, o roteiro já trazia alguns insights que o fizeram entender como essa história seria contada. "O filme se passa nessas 24 horas e, por isso, tem muitos aspectos de mudança de luz. A casa vai virando um personagem da história, mas de forma contida também, porque temos personagens incríveis em cena. Demos um aspecto fantasmagórico pra casa, mas mantendo uma delicadeza de não passar por cima das boas personagens que tinham no roteiro", explicou. 

Por fim, a protagonista Vera Holtz contou curiosidades – como o fato de o diretor ter apresentado o texto para sua família de verdade e ter feito uma leitura de roteiro com eles, que depois foi mostrada ao elenco. "A partir daí, já sabíamos quem era quem e tínhamos criado uma relação afetiva", disse a atriz, que falou especialmente do registro delicado de corpos de mulheres mais velhas que as cenas do longa trazem: "É bonito ver esses corpos cheios de histórias e acontecimentos. Vemos toda a história que está impressa ali. São corpos com potências e finitude. Tínhamos muita confiança no olhar da equipe o tempo inteiro. Havia uma poesia permanente no set de filmagem". 

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