Audiências no Senado reúnem setor para debater a regulação do streaming

A regulação do streaming foi debatida em audiências públicas da Comissão de Educação do Senado Federal nestas quarta e quinta, dias 13 e 14. Os encontros, que receberam representantes do Estado e dos diversos elos da cadeia audiovisual impactada pela regulação do streaming, aconteceram a pedido dos senadores Flávio Arns (PSB-PR) e Eduardo Gomes (PL-TO). Os projetos de lei — PL 2.331/2022, do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), e PL 1.994/2023, do senador Humberto Costa (PT-PE) — tramitam em conjunto e receberam um texto substitutivo do relator Eduardo Gomes (PL-TO).

Originalmente, ambos os Projetos de Lei estabelecem uma alíquota de Condecine de até 4% sobre o faturamento bruto das plataformas de vídeo sob demanda (VOD), mas o substitutivo de Eduardo Gomes reduz tal contribuição para até 1% do faturamento. "Entendemos que estabelecer a alíquota máxima de Condecine no patamar de 4%, como propunham os projetos de lei em análise colocaria a regulamentação brasileira em posição mais incisiva do ponto de vista de taxação do setor do que a da maioria dos países que já regulamentaram contribuições similares para vídeo sob demanda, tais como Portugal (1%), Espanha e Polônia (1,5%), Croácia (2%), Alemanha (2,5%), igualando-se à Romênia (4%) e abaixo apenas da França (5,15%)", argumenta o senador.

O Ministério da Cultura defendeu na quarta-feira no Senado a cota de catálogo para produções brasileiras. A secretária do Audiovisual do MinC, Joelma Oliveira Gonzaga, pregou ainda a proeminência da divulgação do conteúdo nacional nas plataformas e medidas como políticas afirmativas e estímulo à regionalização. A secretária do Audiovisual mencionou a experiência da União Europeia, que determina 30% de obras audiovisuais produzidas pelos países-membros nas plataformas.

A Ancine vai no mesmo sentido. Tiago Mafra dos Santos, diretor da agência de regulação e fomento, justificou a importância da fala sobre cotas e proeminência no streaming: "Vai ser o local de composição do imaginário cultural, é aqui onde vamos formar o que a gente pensa de sociedade brasileira". Mafra cobrou ainda dados das plataformas de streaming para a agência reguladora.

A defesa da manutenção do direito patrimonial nas mãos dos produtores independentes brasileiros sobre as obras licenciadas e contratadas pelas plataformas foi unânime entre representantes do setor de produção. Para Mauro Garcia, presidente-executivo do Brasil Audiovisual Independente (Bravi), é imprescindível "a propriedade intelectual e a participação no direito patrimonial pelas empresas produtoras brasileiras nas suas próprias criações". Ele ainda reforçou o pedido das produtoras independentes para que haja recolhimento da Condecine pelas plataformas.

Leonardo Edde, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav), lembrou os senadores que toda indústria, não apenas do audiovisual, vai até o Senado defender o produto brasileiro, o desenvolvimento da indústria. "Precisamos da propriedade intelectual, dos direitos patrimoniais. Para as produtoras independentes, isso garante a cauda longa".

A cota de conteúdo também foi fortemente defendida por produtores. "Defendemos a cota de conteúdo de 20% das nossas obras brasileiras no catálogo das plataformas, porque tem que haver presença e volume no cardápio", disse Toni Venturi, diretor da Associação Paulista de Cineastas (Apaci).

Paulo Schmidt, produtor e conselheiro da Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais (Apro) levou uma proposta não abordada por outros elos do setor. Ele defende o pagamento de Condecine-Título – "que se aplica em todos os segmentos de mercado, TV aberta, fechada, cinema" – também para publicidade que será veiculada nas plataformas de VOD. Temendo uma reação, Schmidt lembra que a Condecine-Título é paga pelo produtor. "Eu, como produtor de publicidade e também produtor de conteúdo, quero pagar a Condecine-Título, quero contribuir para o Fundo Setorial do Audiovisual e aumentar ainda mais a nossa capacidade de produção", disse.

Outra demanda levada pelos produtores é que o Projeto de Lei incorpore mecanismos de investimento direto. O presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp), André Sturm, diz que é fundamental haver, além da Condecine, a obrigação de investimento direto em obras de produção independente. "Do meu ponto de vista, o investimento direto tem que ser algo que a empresa, a plataforma, vai fazer no produto 'top', no produto que ela quer para competir. Esse investimento, ele deve ser livre para a empresa, que vai escolher. Evidentemente, tem que ser compulsoriamente em produtora independente, com a propriedade patrimonial na mão da produtora", diz. "A Condecine é o recurso aonde vai se fazer política pública. É o recurso que vai pro Fundo Setorial do Audiovisual, que já, inclusive, tem uma série de regras que foram mencionadas aqui. Precisa ter mais algumas", completou.

Tatiana Carvalho Costa, presidente da Associação dos Profissionais Negros do Audiovisual (Apan) cobrou meios de garantir a pluralidade de gênero, de raça e de possibilidade de oportunidades no cenário independente brasileiro. "A gente está falando de política pública. Óbvio que as plataformas tem que defender sua seus interesses. Nós estamos defendendo os nossos. Quem tem que mediar isso em nome da soberania nacional, em nome da economia desse país, é esta casa", disse aos senadores.

Andressa Pappas, diretora de relações governamentais da Motion Picture Association (MPA), entidade que representa os maiores estúdios dos Estados Unidos, comemorou uma manifestação do relator Eduardo Gomes de um dispositivo que prevê investimentos e ações de combate à pirataria. Para a a executiva, as políticas que se afirmam como indutoras são mais eficazes para o crescimento do setor, em detrimento de medidas ou políticas que considera muito restritivas ou muito excessivas.

Plataformas

Mariana Polidorio, diretora de Políticas Públicas da Netflix, afirmou que a empresa defende a regulamentação do streaming, desde que a lei contemple todos os diferentes agentes econômicos da indústria audiovisual e seja consistente com a oferta e a demanda de produções locais. Polidorio, no entanto, contesta a criação de cota de catálogo. Segundo ela, diferentemente da televisão e do cinema, a Internet não sofre limitações de tempo e de espaço e os catálogos das plataformas de streaming são modificados dinamicamente.

O YouTube, por sua vez, reforça a peculiaridade do seu serviço para se distanciar dos modelos adotados por outras plataformas de streaming. A gerente de Relações Governamentais e Políticas Públicas do YouTube, Erika Alvarez, diz que a plataforma tem características distintas das de outras e requer tratamento diferenciado pela legislação.

Fernando Magalhães, diretor de Programação e Conteúdo da Claro, lembrou que a lei deve separar as obrigações para quem controla e programa o catálogo. Ele destacou que quem tem que cumprir obrigações, sejam de cota ou de proeminência, são as plataformas que servem para a Claro. A Claro é apenas uma vendedora dessa plataforma e não tem gestão sobre o conteúdo.

Carla Comarella, líder de Políticas Públicas para Assuntos Digitais da Amazon Prime Video, defende um modelo de incentivo que fomente o investimento direto da plataforma nesse setor de audiovisual. Sobre a visibilidade de obra brasileira no catálogo, pede que isso não limite o desenvolvimentos de novos serviços para o consumidor.

Jonas Antunes Couto, diretor jurídico-regulatório da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), citou o esforço do setor de livrar-se do excesso de "amarras regulatórias" e pediu transparência e cuidado tanto da parte das empresas quanto dos reguladores.

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