Reinventando a publicidade na era do streaming: rumo a uma conexão autêntica com o público

Num panorama global em constante transformação, observamos uma mudança radical no setor audiovisual nos últimos anos, afetando a maneira como produzimos, distribuímos e, acima de tudo, consumimos conteúdo. Nesse cenário dinâmico, o streaming emerge como fator catalisador dessa transformação, não apenas revolucionando a forma como assistimos a filmes e programas de TV, mas também redefinindo as interações com o conteúdo publicitário. Não restam dúvidas de que os modelos tradicionais de publicidade, que por muito tempo foram pilares de sustentação do mercado de entretenimento, vêm enfrentando desafios significativos. A grande incógnita é para onde essas mudanças nos conduzirão.

* Vindo das Relações Internacionais, William Diniz é produtor executivo da Academia de Filmes e tem como foco de sua atuação a área de conteúdo, especificamente longas e séries, com trabalhos realizados ao lado de empresas como O2 Filmes, Tambellini Filmes, Rosza Filmes, Cinerama, entre outras. Atualmente tem direcionado seu empenho para modelos de negócio que viabilizem a entrada de marcas e investidores privados em obras do cinema nacional e internacional, pensando estrategicamente desde o desenvolvimento até a comercialização dos projetos.

Com a consolidação do digital e o contínuo avanço tecnológico, os padrões de consumo da audiência, antes restritos à linearidade convencional da televisão e outras mídias tradicionais como jornais e revistas impressos, foram gradualmente adaptando-se ao cenário das múltiplas telas. Essa evolução orgânica gerou novas demandas e formatos de consumo, conduzindo à progressiva reavaliação e adaptação do setor publicitário para atender a essas mudanças. Embora a publicidade já estivesse anteriormente direcionada a segmentos específicos da audiência, o marketing digital e sua capacidade de personalização do consumo individual criou uma logística muito mais a par com a atual dinâmica de hiper segmentação, onde cada bolha é retroalimentada por recortes precisos a partir das preferências do público.

O aumento do consumo de conteúdo multitelas e a diversificação das plataformas digitais levaram muitas empresas a redirecionar parte de seus investimentos em marketing para essas janelas, em busca de maior alcance do tão almejado público-alvo. Como resultado, a televisão perdeu parte de sua relevância no mercado publicitário para o ambiente digital, que oferece opções mais dinâmicas e direcionadas para os anunciantes. É tamanho o impacto gerado, que dos 74,1 bilhões de reais investidos em publicidade no país em 2022, cerca de 32,4 bilhões foram destinados para o digital, de acordo com relatório da IAB Brasil.

Em contrapartida, os serviços de streaming adotaram uma abordagem divergente do restante do ecossistema da internet, baseando seu modelo de negócios principalmente na assinatura do consumidor como fonte primária de receita. No entanto, essa estratégia mostrou-se menos promissora do que o esperado, pois a adesão de novos assinantes já não consegue cobrir os gastos necessários para a produção de um volume tão grande de conteúdo. Além disso, o cenário altamente competitivo persiste, afunilando consideravelmente o número de plataformas disponíveis no mercado. Por um lado, é verdade que o funcionamento do streaming está alinhado com as demandas de uma sociedade contemporânea ultra conectada, que busca o consumo de forma objetiva e imediatista. Por outro lado, constatamos que o único modelo compatível com essa necessidade contínua de novos projetos é aquele que permite a entrada do dinheiro das marcas para viabilizar o financiamento das obras.

Durante um período considerável, os principais players demonstraram resistência em adotar modelos de negócio baseados em anúncios, limitando essa possibilidade a versões construídas exclusivamente para esse propósito, como evidenciado pelos exemplos do Hulu, serviço da Disney e do Pluto TV, da Paramount. Devido ao aumento das despesas, queda na base de assinantes e pressão dos stakeholders, não é surpreendente que, em novembro de 2022, a pioneira do mercado de streaming, Netflix, tenha adotado um novo modelo de negócios, introduzindo uma modalidade de assinatura mais acessível, sustentada principalmente pela inclusão de anúncios no conteúdo. Pouco mais de um ano depois, veio a surpresa: uma base de cerca de 15 milhões de assinantes e a adesão dos anúncios entre praticamente todas as concorrentes.

Em uma perspectiva realista, é compreensível que uma modalidade de assinatura mais acessível tenha atraído um número significativo de pessoas, dada a necessidade de redução de gastos em um cenário econômico desafiador para muitas famílias. No entanto, em termos de posicionamento dentro do ecossistema digital, o que essa alternativa indica sobre o setor do entretenimento? Enquanto as plataformas começam a abraçar os anúncios como uma forma de sustentar capilaridade financeira, o público tem demonstrado um crescente distanciamento do formato tradicional de publicidade, mostrando cada vez mais insatisfação com interrupções e construindo novas formas de se relacionar com as marcas. Essa tendência não é surpreendente, visto que uma pesquisa realizada em 2017 pela CMO Survey revelou que 79% dos usuários entrevistados manifestaram desconforto com a interrupção do conteúdo por anúncios. O fornecimento excessivo de informações sobre uma marca não apenas não garante sucesso na comunicação com o público-alvo, como também pode ser o motivo pelo qual ele opta por não consumir os produtos oferecidos.

A despeito dos formatos datados de anúncio, é notável o trabalho que produtores de conteúdo digital tem construído ao redor das marcas, integralizando-as de forma orgânica em seus diversos formatos, adotando uma abordagem de "publicidade nativa". Essa estratégia visa aproximar o público-alvo, associando o produto à experiência de entretenimento oferecida. Em vez de frustrar a audiência, essa prática busca cativá-la, estabelecendo uma conexão positiva entre a marca e o conteúdo consumido. Essa é uma capacidade que se estende à produção de entretenimento em seus variados formatos, embora pareça não receber a devida atenção das agências, possivelmente devido à preocupação com a provável dependência que isso poderia gerar em relação às produtoras de conteúdo audiovisual.

Diante deste cenário, surgem continuamente novas oportunidades para a publicidade se reinventar e se adaptar às necessidades do público moderno. O product placement, por exemplo, tem demonstrado ser uma estratégia eficaz para integrar marcas de maneira orgânica ao conteúdo, proporcionando uma experiência mais autêntica para os espectadores. De acordo com um estudo da Nielsen, o product placement gera uma taxa de lembrança 2,5 vezes maior do que os anúncios tradicionais, além do que, não causa desconforto ao telespectador, desde que seja realizado de forma bem elaborada, por profissionais experientes.

O que não se pode negligenciar do ponto de vista mercadológico é o fato de que já não é tão simples conquistar o apreço da audiência como faziam os comerciais nos anos 90. É crucial que o setor repense suas abordagens de comunicação. Os consumidores de hoje valorizam a autenticidade e a transparência, e esperam que as marcas realmente se envolvam com questões importantes e contribuam para a sociedade de maneira positiva. Isso requer uma abordagem mais holística e colaborativa entre anunciantes, criadores de conteúdo e plataformas de distribuição.

Na era do streaming, a publicidade deve transcender os modelos tradicionais e adotar uma abordagem mais centrada no espectador e na comunidade. Marcas capazes de estabelecer conexões autênticas e significativas com seu público serão as que se destacarão nesse novo cenário. O futuro deste setor reside na habilidade de se integrar a narrativas autênticas, criar experiências envolventes e causar impacto no mundo real.

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