Projetos de regulação do VOD não são unanimidades no setor, mas urgência por regular fala mais alto

Fábio Barcelos, Ramiro Azevedo, Vera Zaverucha e Debora Ivanov (Foto: Matheus Zanchet/ Agência Pressphoto)

A regulação do VOD é um tema sempre presente nos ambientes de mercado dos festivais de cinema no Brasil. Em Gramado, não foi diferente. Vera Zaverucha, especialista em regulação audiovisual; Debora Ivanov, produtora audiovisual, sócia da Gullane Filmes e diretora executiva do SIAESP; Ramiro Azevedo, diretor de canais na Box Brazil; e Fábio Barcelos, Secretário de Regulação da Ancine, estiveram reunidos nesta terça-feira, dia 15 de agosto, no Gramado Film Market, braço de mercado do Festival de Cinema, para debater o panorama atual dessa questão. 

Vera abriu sua fala relembrando como a regulação referente à TV paga no Brasil demorou para ser estabelecida – 17 anos desde a sua chegada no país. A especialista ressaltou também que, no caso do VOD, o assunto começou a ser analisado pela Ancine por meio de estudos em 2012, pouco tempo depois da Lei da TV Paga, a 12.485 – mas até hoje não chegou a uma resolução final. Nesse sentido, ela questionou se demoraríamos esses mesmos 17 anos para regular o VOD no Brasil. "Todos os países já regularam o setor de VOD com taxas, cotas, investimento direto, proeminência, direitos patrimoniais para produtores independentes… Estamos no momento nessa batalha, com dois projetos em andamento, um na Câmara dos Deputados e outro no Senado, mas vendo a mesma coisa que aconteceu com a Pay TV, com lobbies fortes no Congresso por essa e por diversas pautas que temos pela frente. Por isso me questiono se teremos força suficiente para aprovar uma dessas duas leis que estão pautadas", declarou. 

Debora, por sua vez, apresentou um breve panorama do cenário regulatório do VOD internacional – destacando que a União Europeia está na segunda onda regulatória – e reforçou quais são os projetos em andamento no Brasil atualmente: no contexto do Senado, com os projetos de Humberto Costa e de Nelson Trad, relatado pelo Senador Eduardo Gomes, e na Câmara, com o Deputado Paulo Teixeira e substitutivo de André Figueiredo em curso. E, como parte do grupo de dez entidades representativas do setor que compõem a Câmara Técnica na Ancine, elencou cinco eixos fundamentais defendidos pelo grupo. São eles: Propriedade intelectual e patrimonial garantida para produtores independentes; Existência de cotas para o conteúdo brasileiro independente dentro das plataformas; Proeminência, para que esses conteúdos tenham destaque nos catálogos; Investimento Direto, com as plataformas tendo liberdade para definir projetos e com menos entraves burocráticos nos seus investimentos; e Condecine, uma vez que o Brasil precisa fortalecer o Fundo Setorial para ter políticas públicas compensatórias. "Essas entidades estão percorrendo o Congresso Nacional para defender esses pontos, que consideramos estruturantes e fundamentais. Precisamos da união de todos nesse debate e sensibilização dos nossos parlamentares", enfatizou. 

Criação de ecossistema nacional sustentável

À frente de uma programadora brasileira independente que surgiu justamente na esteira da Lei 12.485, Ramiro Azevedo afirma que a empresa nasceu em 2012 já com a proposta de ter canais online e ser multiplataforma. O executivo espera que o grupo seja convidado a participar das próximas audiências públicas que debaterão o tema, previstas para o início de setembro, da mesma forma que outras plataformas, principalmente as internacionais, foram convidadas. "Precisamos ser ouvidos nesse processo que vai moldar o futuro dessa indústria tão potente e que tem tanto potencial no Brasil", disse. Com o objetivo de ser uma das principais janelas para o conteúdo independente do país, o grupo, que atualmente conta com seis canais na TV paga, além de outros negócios, como a plataforma Box Brazil Play, trabalha com produtoras independentes espalhadas por todas as regiões do país. 

Azevedo tem alguns adendos às questões que devem ser consideradas no processo de regulação do VOD, que ele reforçou que não deve ser 100% espelhado na 12.485 e, sim, fazer ajustes de rota, pensando em como abarcar o ecossistema do audiovisual como um todo: "É importante que também se olhe para empresas que distribuem e exibem conteúdos nacionais – especialmente empresas brasileiras que fazem isso e que devem ser fomentadas paralelamente ao fomento da produção de conteúdo. Devemos olhar para as plataformas – como não se olhou tanto para os canais na 12.485 – para criar um ambiente competitivo nacional. Se empresas de mídia tradicional já se sentem ameaçadas, imagine as nacionais. Nosso pleito ;e nesse sentido". 

O executivo também alertou que a regulação não deve olhar apenas para o VOD, isto é, o conteúdo sob demanda, incluindo também os canais dentro das plataformas, como os canais FAST e os lineares dentro do streaming, que já representam quase 50% dos conteúdos desses ambientes hoje. Além disso, ele entende que divulgação e marketing são questões que também deveriam ser debatidas em paralelo ao tema da proeminência. "São recursos que os canais não têm e que precisaríamos ter para que o público em geral tome conhecimento que essas produções existem. O fato de elas estarem em destaque na própria plataforma não é suficiente para que o público vá assistir", pontuou. Por fim, ele também defende mecanismos de incentivo para plataformas que possam ir além das cotas – como exemplos, ele cita abatimento de imposto para quem superar as cotas ou benefícios para plataformas que contarem com tecnologias embarcadas 100% nacionais. "São ideias para estimular a indústria como um todo, não focando só no conteúdo. É pela criação de um ecossistema sustentável nacional", concluiu. 

Obras brasileiras para além da produção independente

Representando a Ancine no painel, Fábio Barcelos relembrou que o MinC estabeleceu o Grupo de Trabalho do VOD em abril, "mostrando o interesse do poder executivo de se inserir nesse debate", segundo o Secretário. "Temos que reconhecer os avanços e atuar em algumas frentes para preencher as lacunas. Quem olhar para o que foi feito na década de 2010, vai ver que o debate era muito centrado na questão da Condecine. Mas os PLs existentes atualmente representam avanços. No Brasil, diferente da diretiva europeia, vamos trabalhar o VOD como um instrumento separado na legislação – o que traz algumas vantagens e também necessidades de que isso se integre a outros marcos regulatórios que temos, como a própria 12.485. Temos alguns desafios, por isso acho que as audiências públicas tendem a ser interessantes para debatermos", analisou. 

Nesse sentido, ele afirmou que o debate sobre direitos patrimoniais deve incluir as obras brasileiras como um todo – e não somente as independentes: "O modelo deve criar um ambiente de negócio onde tudo possa coexistir. O VOD tem um potencial de exportação muito grande, e precisamos criar as melhores condições para o produto brasileiro viajar bem". Para Barcelos, é fundamental que não se criem novas assimetrias que, depois, vão se "virar contra a gente" no futuro. 

Ele questionou também se a regulação deveria tratar todas as plataformas do mesmo jeito ou criar especificações, uma vez que hoje presenciamos uma proliferação de plataformas e agentes diferentes atuando nesse mercado. "É um trabalho de amarrar os pontos para termos o melhor resultado possível. A regulação é necessária – isso todos concordam. Agora é atuar nos espaços corretos buscando soluções para esses pontos em aberto". 

Sobre a fala de Barcelos, Vera apontou que, se formos esperar que todas as questões sejam atendidas para que a regulação saia, ela jamais vai acontecer: "O importante é batalhar por uma regulação que incentive a produção audiovisual brasileira independente e que permita que o público assista esses conteúdos. As regulações estão sempre atrás da tecnologia e das mídias que existem, por isso não podemos ficar esperando para resolver as 'vírgulas'". O Secretário da Ancine concordou e garantiu que nenhum dos pontos que citou seria impeditivo ao debate. "Todos os PLs de alguma forma funcionam. A gente vai regular e dar um jeito de operar. Minha provocação é mais ao olhar para os PLs e saber exatamente o que cada um está dizendo", concluiu. 

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