Áreas técnicas já usam e entendem IA, mas criativos ainda estão tateando esse universo

Fernanda Jolo, Manoela Zozimo, Aline Midlej, Fabio Mendonça e George Moura (Foto: Globo/ Fabio Rocha)

"Inteligência Artificial e Novas Tecnologias" foi o tema do painel moderado pela jornalista da Globo Aline Midlej na tarde da última quinta-feira, dia 11 de abril, durante a programação do Festival Acontece, promovido pelo grupo de mídia e realizado nos Estúdios Globo, no Rio de Janeiro. "Queremos entender esses avanços a partir de uma visão não-ameaçadora. Quem produz a tecnologia somos nós, humanos. Então o domínio dela está nas nossas mãos. Vamos nos aprofundar para pensar na melhor maneira de usar essas tecnologias", introduziu Midlej. 

Manoela Zozimo é coordenadora de dramaturgia do time de tecnologia da Globo e destacou que as novas ferramentas têm usos variados e, na emissora, já tem sido utilizada na otimização de processos mecânicos das produções seriadas. No painel, ela apresentou um vídeo de making of de "Justiça 2", que já está disponível no Globoplay, que mostra como a IA foi usada como meio para contar a história de um personagem que fica paraplégico por meio do viés do ator que é cadeirante. "Usamos a tecnologia deep fake para viabilizar essa questão. A máquina aprende os movimentos, faz uma leitura do ator, e conseguimos inserir no dublê a face do nosso ator cadeirante. Para a história ser contada pela atuação dele. Partindo desse exemplo, posso dizer que muita coisa já está acontecendo", contou. Outro exemplo: o Globoplay tem hoje 40 episódios de série que contam com recursos de áudio-descrição feitos 100% por ferramentas de IA. "Sem elas, não teríamos feito um trabalho nessa proporção, nessa quantidade que precisamos entregar", ressaltou. 

A coordenadora lembrou que a IA já está no nosso dia a dia há algum tempo – e que, na Globo, a busca principal com essas tecnologias era por eficiência. "Queríamos descobrir que processo mecânico poderíamos substituir, qual etapa trabalhosa poderia ser escalonada. A IA é uma aliada nesse sentido. Isso foi rapidamente incorporado. Os benefícios ficaram claros e o resultado veio na hora. Começava ali uma nova experiência para o consumidor também – que não percebeu, mas já estava consumindo esses conteúdos diferenciados, e que recebia em tempo recorde", revelou. Zozimo ainda ressaltou o caráter ESG desse trabalho – "É sobre fazer tudo acontecer sem custos exorbitantes e com capacidade de escalonar. No fazer tradicional, leva muito tempo e o custo é alto" – e enfatizou: "Nesse caminho, a palavra de ordem é responsabilidade. Temos que ter esse compromisso com o que a gente entrega e como contamos nossas histórias. Essa discussão vai envolver legislação, ética e coisas mais profundas, mas primeiro é importante entender que precisamos ser responsáveis". 

Já Fernanda Jolo, Customer Engineering Leader for Artificial Intelligence no Google, trouxe um olhar comercial, com a facilidade para analisar padrões de consumo e entregar a melhor experiência para o cliente. "O que estamos fazendo massivamente é aumentar a produtividade. E não é usar IA ou seres humanos, são os dois operando juntos. Digo que IA na verdade significa indivíduo amplificado", brincou. 

Jolo também citou exemplos de como a IA pode ser útil no dia a dia do fazer audiovisual. Na pré-produção, pode ajudar a encontrar coisas em acervos e catálogos, como itens de cenografia ou figurino; nos processos de pesquisa, buscando determinada cena em um vídeo longo; e no texto, informando como deixar aquele material mais inclusivo ou sugerindo outras visões que aquele roteiro deveria considerar. Durante, ela permite que detalhes mais específicos das inserções de marca nos conteúdos sejam entregues aos anunciantes, como o momento exato em que a publicidade apareceu na tela e por quanto tempo ficou no ar. A IA pode gerar um informe completo. E, no pós, tem a ver com a entrega para o consumidor final – como o exemplo de áudio-descrição automática que a coordenadora da Globo citou. "A IA no cenário audiovisual pode amplificar e dar mais valor, relevância e visibilidade para os conteúdos", concluiu. 

Relação IA e criatividade humana

No painel, ficou evidente que a visão dos criativos é diferente. Enquanto as áreas técnicas já enxergam inúmeras possibilidades – e já utilizam muitas ferramentas na prática – os autores e diretores ainda estão tateando esse universo. George Moura, criador de séries da casa como "Onde Está Meu Coração" e de "Guerreiros do Sol", próxima novela original do Globoplay com estreia prevista para o ano que vem, brincou que os autores "ainda não foram às vias de fato" com a inteligência artificial. "É um início de relação: tem fascínio, mas também tem medo. Eu acho que a IA é um instrumento que pode e deve ser usado para ampliar a realidade na contação de histórias, assim como foi com a chegada das câmeras de alta tecnologia. Quero cada dia mais aprender. Por enquanto, ainda estou engatinhando", afirmou. 

Moura já teve sua primeira experiência com IA: a tecnologia serviu para auxiliar na construção de um sertão fiel nos Estúdios Globo para a produção de "Guerreiros do Sol", que se passa no universo do cangaço dos anos 20/30. "Existe a questão do real x o real fabricado. É um ponto essencial para nós que contamos histórias. A experiência do real é insubstituível – por isso levamos o elenco inteiro para o sertão de verdade para participarem de oficinas, e isso foi muito importante. Mas temos dados de custo e tempo que provam que 'fabricar' o sertão aqui se faz necessário e essencial. Surgiu então um novo e interessante desafio, que era como harmonizar tudo isso. O calor que aquela geografia impõe não há IA capaz de reproduzir. Mas ela, operacionalmente, pode nos ajudar muito", defendeu. Com a construção do sertão dentro dos Estúdios Globo com ajuda da tecnologia, foi possível realizar uma novela de 45 capítulos ao longo de oito meses de gravação. "Sem a IA, isso não seria possível", garantiu. 

O autor apontou que se trata de um debate interessante e reforçou que ainda há muito para aprender e entender, como questões éticas e de autoria. "O mais importante é: não podemos nos negar a usar as novas tecnologias, mas temos que ter em mente que elas estão a favor do encantamento e das boas histórias que vão tocar o coração das pessoas. Não adianta uma tecnologia incrível se o conteúdo for vazio", concluiu. 

Fabio Mendonça, diretor de séries como "Cangaço Novo", da O2 Filmes para o Prime Video, explicou que, no caso dessa produção, que também se passa no sertão, eles preferiram ir atrás da experiência humana mais crua que pudesse acontecer – esse era o motor principal da série – e que por isso gravaram todos os episódios no sertão de verdade. "Mas tenho usado IA no planejamento, que é o momento em que estamos trabalhando com a razão. Quando preciso conceituar as coisas. É um uso bem básico", contou.

"Mas minha cabeça vai longe quando falo nesse tema. Não estamos nem preparados para pensar nas possibilidades que as ferramentas vão nos dar. É muito revolucionário. Consigo pensar em fazer um filme com o Chaplin, hoje em dia, jovem, falando português. Ou que tenha uma partida de futebol com o Bob Marley entre os jogadores. Penso em coisas que têm, na base, a essência humana. O que falta é democratizar essas ferramentas. E isso vai ser incrível. As próximas gerações já vão pensar os filmes de outra maneira, porque vão conhecer essas possibilidades. Não vão pensar 'não posso fazer filmes porque não tenho acesso'. Serão muitos caminhos possíveis. Quando penso em IA, acredito que ela possa ampliar a nossa criatividade e potencializar o que já fazemos", avaliou. 

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