"Em uma sociedade democrática, não faz sentido não falar de regulação", diz Mauro Garcia, da Bravi 

(Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil)

Doze anos depois, chegou a hora da renovação da Lei do SeAC. Em setembro deste ano, dispositivos importantes dessa lei precisam ser revisados ou, então, postergados. Embora o Governo esteja agindo no sentido de demonstrar uma preocupação em cima de questões como essa, fundamentais para o audiovisual brasileiro, ainda há quem diga que não precisamos de uma regulação. "Tínhamos que ter passado dessa fase. Estava lendo alguns trechos do relatório do Ministro Luiz Fux de 2017 a respeito da Lei 12.485 e um deles dizia essencialmente que não faz sentido em uma sociedade democrática não falar de regulação, de regras. Toda sociedade democrática tem regras, não podemos viver numa anarquia regulatória. A questão é discutir qual é a melhor regulação, e não se teremos ou não", pontuou Mauro Garcia, Presidente da Bravi, em entrevista exclusiva com TELA VIVA. 

Garcia contou que, na última semana, entidades da produção audiovisual estiveram em Brasília para uma conversa com o Senador Eduardo Gomes, que ele julgou ter sido bastante positiva, na qual o Senador declarou que "uma regulação boa é aquela que atende o mercado sem que um segmento anule o outro". O Presidente da Bravi concorda e acrescenta: "A não-regulação é o que não pode. Seria prejudicial para toda a cadeia audiovisual brasileira. Não dá para ouvir que o mercado é incipiente. Precisamos discutir como a regulação se dará para não canibalizar nenhum segmento, trabalhando no sentido de achar um equilíbrio". 

E ele destacou que não estamos falando somente da TV paga ou da regulação do VOD, e sim de outras regras essenciais para que tenhamos um ecossistema audiovisual sustentável e saudável – a exemplo ainda da cota de tela de cinema. "A Abraplex escreveu uma carta se opondo à cota de tela. Mas existem oportunidades e opções, nem que sejam compensatórias, porque ninguém quer que o exibidor seja prejudicado ou vá à falência. Vamos achar um caminho. O Fundo Setorial está aí para isso. Eu estava no Comitê Gestor na época do Manuel Rangel quando tivemos uma linha para a digitalização das salas. Ou seja, nós vamos conversar e encontrar um caminho que seja bom para todas as partes. Mas não podemos ir para os extremos", enfatizou. 

Nesse sentido, o relatório do Fux também ressaltava a importância dessas regras independentemente da plataforma e da importância das mesmas para o setor audiovisual do país. Um dos trechos diz: "Os arts. 16, 17, 18, 19, 20, 23 da Lei nº 12.485/11, ao fixarem 'cotas de conteúdo nacional' para canais e pacotes de TV por assinatura, promovem a cultura brasileira e estimulam a produção independente, dando concretude ao art. 221 da Constituição e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto nº 6.177/2007)". Já outra parte relevante é a seguinte: "O art. 29 da Lei nº 12.485/11 viabiliza que a atividade de distribuição do serviço de acesso condicionado seja outorgada mediante autorização administrativa, sem necessidade de prévio procedimento licitatório, o que se justifica diante da nova e abrangente definição do SeAC (art. 2º, XXIII, da Lei nº 12.485/11), apta a abarcar todas as possíveis plataformas tecnológicas existentes (e não apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência), bem como diante da qualificação privada recebida pela atividade no novo marco regulatório da comunicação audiovisual". 

E foi exatamente o que pretendeu a Lei 12.485 ao criar a sistemática de cotas de conteúdo e programação: "[…] Há portanto entre nós, a necessidade e a urgência de marcos regulatórios infraconstitucionais adequados para preservar e incentivar essa indústria, como fator de desenvolvimento econômico e social e de preservação da identidade e soberania nacionais (…) Só com uma legislação abrangente e aplicável a toda a comunicação social eletrônica, como a aqui proposta, é que podemos garantir espaço para que o Brasil continue a ser retratado e visto através da mídia com os olhos e os valores do próprio brasileiro". 

Garcia também relembrou uma fala de Marcelo Bechara, ainda enquanto Conselheiro da Anatel, durante audiência pública realizada no STF: "Com a convergência tecnológica e a unificação dos regimes jurídicos aplicáveis às diferentes plataformas de SeAC, não faz mais sentido falar em escassez dos meios físicos. Há diferentes formas de prestar o serviço". Ou seja: a conceituação legal do SeAC torna irrelevante a plataforma tecnológica empregada para a transmissão do sinal. O que importa é o serviço prestado – e não a tecnologia utilizada. "Na época, a Anatel já entendia que era algo aplicável a qualquer tecnologia – e ali ainda nem estava se discutindo o VOD, mas já falavam na questão de plataformas que faziam parte de um mesmo serviço, isto é, tudo que implicava em acesso condicionado. Aí o VOD não entrou dentro do serviço, mas pelo próprio relatório, fala da aplicabilidade a qualquer tecnologia", reforçou. 

Mauro Garcia: "Precisamos discutir como a regulação se dará para não canibalizar nenhum segmento, trabalhando no sentido de achar um equilíbrio"

SeAC trouxe pilares importantes 

O executivo diz estar na expectativa de renovar a Lei do SeAC, especialmente agora que o Governo "entrou mesmo nessa, e tanto no Senado quanto na Câmara há movimentos e conversas nesse sentido. Estamos ainda na expectativa do novo Conselho Superior de Cinema mas, como essa questão tem uma data terminal, não temos tempo de esperar. O Conselho seria o ambiente para discutirmos isso. Mas acredito que essa renovação ainda vá ajudar bastante na regulação do vídeo sob demanda.

Garcia relembrou que a Lei do SeAC trouxe pelo menos três pilares importantes para o mercado: recursos para o fomento, via Condecines; cotas de conteúdo nacional, inclusive de regionalidade; e a participação na propriedade intelectual. "Esses três pilares vão ter que se reproduzir no VOD. De forma diferente, claro, pois vamos ver o que se aplica. Mas são pilares fundamentais para o desenvolvimento do audiovisual brasileiro, para a formação da identidade nacional e para a criação de condições para o Brasil competir no mercado global. A quebra de qualquer um deles seria bastante prejudicial", avaliou. 

Ausência da Ancine 

Nesse cenário, o Presidente da Bravi questiona a postura da Ancine. Ele contextualiza que os produtores audiovisuais, em conversas com a SAV, cobraram uma atitude, e que o Governo demorou para "colocar a mão na massa" em relação às cotas da TV paga. "Como é uma questão que tem data, insistimos muito nisso. Não nos interessa deixar cair, senão teríamos que fazer outro projeto e o trabalho seria dobrado. O Governo demorou, mas entrou – e além disso, o Projeto de Lei não veio de um senador qualquer, e sim do líder do Governo, o que é um sinal que o Governo está realmente interessado em resolver e fazer uma pressão. A intenção era que isso fosse votado já na semana passada", pontuou. 

"Mas tem um outro lado: teve um tempo, ainda na gestão do Manuel Rangel, que reclamava-se de um 'excesso de Ancine', e que a Agência regulava demais. Estamos vivendo agora o contrário: um momento de ausência da Ancine. A gente se habituou a ter aquelas análises de impacto regulatório. Agora, às vésperas do vencimento das cotas da TV paga, poderíamos ter uma análise contrária, isto é, para entender qual seria o impacto no mercado da ausência das cotas. Esse é um trabalho para a Agência", ressaltou. "Não estou entendendo o porquê da ausência da Ancine. Quem tem os dados é a Agência, então por que não participar da discussão? A Ancine está participando ativamente das discussões do VOD, mas a questão agora é por conta da proximidade de uma data terminal. O Presidente Alex Braga afirmou que isso está dentro da pauta da agenda regulatória da Ancine. Então cadê?", questionou Garcia. 

Evento 

Mauro Garcia será um dos participantes do painel "12 anos depois: a revisão da Lei do SeAC chegou" que será realizado nesta quarta-feira, dia 23 de agosto, como parte da programação do PayTV Forum 2023, evento dedicado ao mercado de TV por assinatura realizado pelas publicações TELA VIVA e TELETIME. Ente os temas abordados, também estarão as estratégias de programadoras de canais na nova realidade da TV, o interesse da audiência no Brasil, a "nova cara" da distribuição do conteúdo por assinatura e os impactos na audiência e na publicidade gerados pela evolução dos canais Fast. 

Mais informações sobre o evento, incluindo a programação completa e as condições de inscrição, estão disponíveis no site

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