Pirataria na TV paga opõe sociedade civil e entidades de produtores e programadores

O dispositivo de combate à pirataria incluído no Projeto de Lei 3.696/2023, que prorroga as cotas de produção nacional na TV paga, colocou em oposição sociedade civil que defendem direitos digitais e praticamente todas as entidades empresarias do mercado audiovisual, incluindo produtores independentes brasileiros. O Artigo 3º do Projeto de Lei 3.696/2023, estabelece que: "Cabe à Agência Nacional do Cinema (Ancine) determinar a suspensão e a cessação do uso não autorizado de obras brasileiras ou estrangeiras protegidas". Trata-se, segundo a justificativa do projeto de lei, de um detalhamento de uma previsão legal trazida ainda na MP 2.228/2001, que criou a Ancine, e que atribui à agência a competência de promover o combate à pirataria de obras audiovisuais e a proteção dos direitos autorais.

No início desta semana, a Coalizão Direitos na Rede – uma rede de entidades em defesa dos direitos digitais – chamou o Artigo 3º de "jabuti", afirmando que o mecanismo dá à Ancine "um super-poder regulatório – que parece se estender para muito além do cinema, abarcando qualquer conteúdo audiovisual". A entidade pede o veto do art. 3º do PL nº 3693/2023 e por uma Consulta Pública sobre o tema, "para garantir que ele seja adequadamente regulamentado e implementado", assegurando o direito dos usuários.

A Coalizão afirma que é danosa a ausência de qualquer menção ao domínio público ou às limitações e exceções do direito autoral, colocando em risco os direitos fundamentais de liberdade de expressão e de acesso à cultura, ainda que a redação do PL 3.693 se refira especificamente ao uso não autorizado de "obras brasileiras ou estrangeiras protegidas". Para a Coalizão, o risco viria justamente de potenciais abusos ou exercício equivocado de um poder, até então restrito ao Poder Judiciário, que é agora concedido à Ancine, segundo a entidade com menos garantias de ampla defesa e contraditório.

Resposta dos produtores e programadores

Nesta quinta, 21, como resposta, todas as entidades que representam empresas da indústria audiovisual no Brasil vieram a público manifestar sua preocupação em relação à nota divulgada na segunda-feira e sobre um eventual veto a esse dispositivo.

Para as entidades do audiovisual, o Artigo 3° apenas especifica uma atribuição legal da agência, expressamente estabelecida na MP 2.228-1/2001, que lista entre os objetivos do órgão regulador: "zelar pelo respeito ao direito autoral sobre obras audiovisuais nacionais e estrangeiras".

As entidades da indústria audiovisual ressaltam que atualmente já existem medidas administrativas e judiciais que suspendem e cessam essas atividades ilegais, sem com isso ferir a liberdade de expressão e o Marco Civil da Internet, porque combatem o crime. "Nesse sentido, não há que se falar, portanto, em risco à liberdade de expressão, quando não se trata da publicação de opiniões, mas sim da distribuição e comercialização ilegal, por sites e aplicações, de conteúdos audiovisuais, propriedade intelectual de terceiros e protegidos pela lei". Além disso, o Marco Civil da Internet é uma norma que reconhece os direitos de autor e "não se presta a ser utilizado como escudo para a prática de ilegalidades".

Assinam o documento:

  • Abert – Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão
  • Abratel – Associação Brasileira de Rádio e Televisão
  • ABTA – Associação Brasileira de Televisão por Assinatura
  • Alianza Contra La Pirateria Audiovisual
  • APDIF – Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos
  • Apro – Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais
  • Bravi – Brasil Audiovisual Independente
  • FNCP – Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade
  • MPA Brasil – Motion Picture Association
  • Siaesp – Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo
  • Sicav – Sindicato da Indústria Audiovisual
  • TAP Brasil – Associação dos Programadores de Televisão

Política

Em agosto deste ano, durante participação no PAYTV Forum, o presidente da Ancine, Alex Braga, ponderou que a agência não estava mais atuando no combate à pirataria de TV paga justamente porque não havia segurança jurídica sobre os limites desta atuação.

Uma das formas de atuação viria, por exemplo, a partir do acordo de cooperação que a Ancine chegou a firmar com a Anatel: uma vez identificado sites e aplicativos com conteúdos distribuídos de maneira irregular, a agência determinaria o bloquio desses conteúdos. 

A posição mais cautelosa da Ancine em relação ao tema (até então a agência vinha atuando em parceria com a Anatel, que tem feito um trabalho intensivo de combate às caixas não-homologadas que distribuem conteúdos pirateados de TV paga) começou a partir da recriação do Ministério da Cultura.

Dentro do MinC, existe uma visão divergente em relação ao tema, com a leitura de que o combate à pirataria seria uma forma de limitar o acesso da população aos conteúdos em benefício apenas dos grandes estúdios e produtores, e que se existem infrações, elas devem ser coibidas via Poder Judiciário. (Colaborou Samuel Possebon)

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