Revisão do SeAC precisa ir além das cotas

Alex Braga, Fernando Magalhães, Marcelo Bechara, Mauro Garcia, Agostinho Linhares e Marcos Bitelli no Pay-TV Forum.

A unanimidade entre diversos setores do audiovisual em relação à manutenção das cotas de conteúdo na TV por assinatura é que este não é o assunto mais importante a ser debatido no momento, apesar da iminência do fim das regras impostas pela Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). Não há um movimento forte de oposição às cotas, que já são dadas como certas em qualquer revisão que se faça da lei.

Em debate moderado pelo advogado Marcos Bitelli no Pay-TV Forum, evento realizado por TELA VIVA e TELETIME nestes dias 22 e 23, Mauro Garcia, presidente da Bravi, lamentou que a urgência de votação de um projeto de lei que postergue as cotas de conteúdo e programação na TV por assinatura, que deixam de ser obrigatórias em setembro, tenha atropelado outras revisões importantes que deveriam ser feitas na Lei do SeAC. Ele aponta que o Congresso, premido pela ausência de mais de dois anos das cotas de tela de cinema, que venceram em 2021 e não foram renovadas, juntou em um mesmo PL as cotas de tela do cinema e de conteúdo no SeAC e criou uma situação na qual a regulação da TV por assinatura foi reduzida à questão das cotas. "Se reduziu a necessária discussão da Lei do SeAC às cotas. Ou se é contra ou a favor das cotas. Ninguém mais é contra as cotas no SeAC. Mas precisamos discutir se a Lei do SeAC ainda faz sentido ou e se suas regras podem ser transpostas a outros modelos de distribuição", diz.

Garcia destaca que a cota de conteúdo é um dispositivo importante e que – somada ao "fomento regulatório", assim chamado por que condiciona o fomento à participação do conteúdo na TV por assinatura, e à obrigatoriedade de participação patrimonial dos produtores independentes no conteúdo – é parte vital de um tripé indutor da participação da produção brasileira na TV paga.

"A posição da Bravi é, que nem SeAC e nem streaming: precisamos de uma lei para tratar de uma política do audiovisual brasileiro, independente da tecnologia. Reduzimos uma discussão importante ao binário do sim ou não às cotas", disse Garcia.

Simetria entre serviços

Fernando Magalhães, diretor de conteúdo da Claro, concorda que o debate tomou um rumo equivocado. Para ele, as cotas de programação foram superadas, uma vez que as operadoras ultrapassaram o mínimo de 12 canais brasileiros e os canais também vão além do mínimo de conteúdo brasileiro e independente em suas grades. A Claro já conta com 15 canais qualificados para cumprir cotas e chegará a 16 no próximo mês. Além disso, em seu serviço de streaming, que não tem a obrigação de cumprir cotas, carrega os mesmos canais. "O medo que se tinha em 2010 das telcos acabou", diz. "Uma telco hoje poderia esvaziar o máximo possível o SeAC, passar sua base para o streaming e se livrar das limitações", completa.

O assunto que precisa ser debatido e equacionado, aponta Magalhães, é o da assimetria entre serviços concorrentes. "Por uma questão legal, não podemos atuar na criação de conteúdo, contratação de talentos, direitos esportivos, enquanto a Amazon ou o YouTube podem fazer isso tudo. Todas as big techs fazem distribuição, programação e compram direitos esportivos", explica.

Para ele, as cotas, havendo ou não, pouco ou nada mudariam no cenário da TV por assinatura. "Precisamos enfrentar a discussão do todo, e não do pedaço", conclui.

Pirataria

"A questão das cotas (no SeAC) é dada. Não vejo possibilidade de reversão do processo. Já está absolutamente definido. Agora é o momento de a indústria entender o que é possível ser colocado em benefício do setor de forma cirúrgica no PL. Dá para começar um debate e ganhar alguma coisa", diz Marcelo Bechara, diretor de relações institucionais da Globo.

Segundo ele, houve uma articulação política muito bem feita do setor cultural para colocar uma agenda, que passa também pelos direitos autorais. A agenda e o processo, destaca Bechara, são legítimos. Mesmo assim, acabou açodando uma discussão importante. "Surge o debate sobre o cinema brasileiro (que ficou sem cota de tela). Evidentemente que, aproveitando a oportunidade de um vencimento das cotas do SeAC, você tem um fato político que cria uma necessidade. Estimulou-se a pressão para a urgência do projeto", diz.

Bechara questiona, no entanto, a origem do prazo que se busca para a vigência de cotas, de 20 anos. "Senti falta de uma justificativa, mais técnica, para dimensionar a razão dos 20 anos", diz. "Estão enxergando que vamos sobreviver por 20 anos, mas talvez a pirataria acabe conosco em cinco anos", completa.

O representante da Globo e também da Abert diz que deveria haver, por parte do parlamento, "pelo menos uma sinalização de combate à pirataria".

Em uma apresentação anterior ao debate, o diretor-presidente da Ancine, Alex Braga, abordou a pirataria e afirmou que a Ancine mudou seu entendimento de como deve tratar o tema. Segundo ele, a vocação da agência é atuar no desenvolvimento da parcela do segmento audiovisual que ela regula e fomenta, e que, portanto, deve manter o foco na proteção do direito autoral no qual está o escopo de atuação da agência. "A Ancine abandona a expressão 'combate à pirataria' para adotar a 'proteção do direito autoral', no qual está o escopo de atuação da agência", disse. Segundo ele, não cabe à agência atuar no combate à pirataria de conteúdo jornalístico, esportivo e religioso, por exemplo.

Em sua fala, Bechara deu um recado importante sobre como a Abert vê a questão. "Talvez a gente possa endereçar ao Projeto de Lei (que trata das cotas), aquilo que dê uma capacidade de legitimação maior tanto à Ancine quanto à Anatel para combater aquilo que de fato é um problema para indústria que está aqui (neste debate), e para a classe artística que de forma eficiente conseguiu fazer a agenda das cotas andar", disse. A este noticiário, explicou que a ideia é levantar junto às agências quais são as amarras legais que impedem uma ação mais incisiva delas no combate à pirataria de fato e derrubar estas amarras na legislação.

Poder público

Bechara propôs que o Ministério das Comunicações assuma a frente para orientar o legislativo no debate. "Os Projetos de Lei do executivo costumam ser bem estruturados. Este é o momento de atuar", disse.

Agostinho Linhares, coordenador da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, apontou que há um grupo de trabalho buscando a regulamentação adequada para o setor, mas que isso demanda algum tempo. "Temos que listar problemas para solucionar, e não criar novos", diz.

O Minicom encomendou estudos à Universidade de Brasília (UNB) para embasar o debate em torno de uma regulação mais ampla e moderna do mercado de conteúdo. O ministério receberá até janeiro três documentos que trarão um benchmark dos modelos de regulamentação internacionais; um panorama do mercado de VOD no Brasil, para entender melhor a dinâmica de mercado; e propostas legislativas e infralegais para sanar as questões levantadas nos outros dois documentos.

"Entendemos ser importante que qualquer legislação seja mais principiológica do que restritiva e que permita ter elementos infralegais para as atualizações necessárias", disse.

Também no debate regulatório do evento, Alex Braga apontou que a Ancine já vem atuando para sanar distorções da Lei do SeAC. Ele lembra que houveram duas camadas de revisão na regulação infralegal.

O presidente da Ancine também aponta que a Lei do SeAC, para além das cotas, cuja urgência de renovação é defendida pela agência reguladora, "já esgotou o seu rol externalidades positivas". Ele concorda que é necessário um debate amplo sobre o serviço e diz que as revisões infralegais são evidências da necessidade de atualização da legislação.

SeAC e streaming

Mauro Garcia, da Bravi, também propôs incluir no mesmo arcabouço legal do SeAC a atividade de streaming, almejando a lei ampla do audiovisual mencionada anteriormente. "O Brasil tem mania de legislar por tecnologia. Agora podemos ter a oportunidade de tratar das duas coisas juntas: SeAC e streaming", disse.

Abert, representada no debate por Bechara, e ABTA, representada por Magalhães, rechaçaram a ideia. Fernando Magalhães apontou que os serviços são diferentes e têm limitações e características distintas. O SeAC, por exemplo, tem limitações de número canais que consegue carregar e é linear, tendo horário nobre. Ele teme criar um Frankenstein regulatório: "um bicho feio".

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