Executivos da TV aberta dizem que ela concorre com modelos não sustentáveis e, por isso, segue protagonista da indústria

Nesta quarta-feira, 24 de agosto, executivos dos principais canais de TV aberta do país – Globo, Record e SBT – participaram de um painel no SET Expo 2022 no qual debateram como a transformação do consumo de mídia tem impactado nos negócios e quais seriam os próximos caminhos do mercado. A relevância da TV aberta foi defendida de forma unânime por todos eles, que apontaram problemas em relação à sustentabilidade do modelo de negócio das grandes plataformas – o que faria o modelo aberto continuar sendo protagonista nessa história. 

"Nunca houve um momento de tantas oportunidades para experimentarmos, nos desafiarmos e pensarmos em modelos de negócio diferenciados. Com as novas mídias, vemos uma pulverização tremenda de receita, mas nós, como empresas tradicionais, que têm a produção de conteúdo na essência, que existem há mais de 60 anos e sabem o que o público gosta, vamos perdurar. Vivemos hoje em um modelo muito distribuído, mas temos chão para continuarmos sendo protagonistas. O linear ainda é muito relevante e nós vamos nos adaptar", pontuou José Marcelo Amaral, diretor de engenharia e operações da Record TV. 

"Não sei como o perfil de consumo vai se comportar no futuro. Nossa indústria muda numa velocidade cada vez maior. Mas o que gosto de lembrar é que, em 2017, a Netflix se posicionou como uma grande plataforma de streaming, com uma proposta de valor disruptiva. Diziam que ela estava garantida. Hoje, podemos afirmar que esse modelo não se sustenta a longo prazo. O que vimos nos últimos cinco anos foi um modelo que parecia seguir por um caminho de crescimento contínuo. A Netflix teve uma curva de crescimento tipicamente digital, mas quando chegou aos 200 milhões de assinantes, deu uma parada. A curva exponencial deixou de existir no pior momento, que é nesse cenário de inflação, juros crescendo e o próprio mercado financiador de conteúdos revendo estratégias. E os players que vieram depois estão sofrendo o mesmo impacto", mencionou Raymundo Barros, conselheiro da SET e diretor de estratégia e tecnologia da Globo. 

"É difícil prever o que será daqui pra frente, mas nesse segundo semestre de 2022 estamos presenciando um momento de readequação da indústria. A partir de agora, o processo de comissionamento de novos conteúdos será mais conservador e cuidadoso. Estamos caminhando para equilibrar receitas com subscrição e publicidade. A indústria está voltando a ser o que já foi", acrescentou. 

Já Roberto Dias Lima Franco, conselheiro da SET e diretor de assuntos institucionais e regulatórios do SBT, afirmou que as pessoas ainda querem assistir novela, futebol, debate eleitoral e notícias no mesmo momento em que todo mundo está vendo, num comportamento coletivo que evidenciaria, então, a importância da TV aberta. "No futuro, vejo uma combinação desse consumo de massa combinado ao consumo individual, no VOD, TVOD. Concordo que é impossível prever o que vai dominar o mercado – há muitos modelos que se apresentam de forma disruptiva, mas nem todos são sustentáveis. Novas plataformas já estão nesse movimento, isto é, mudando suas fórmulas e ofertando conteúdo de maneiras diferentes. Há plataformas que arrecadaram muito dinheiro nos últimos anos e sumiram do mercado, ou que hoje valem muito menos. O mercado tende a se acomodar quando o sonho encontra a realidade", declarou. 

Amaral acrescentou que a TV aberta tem atributos que foram construídos ao longo dos anos e que a credenciaram como um mercado convincente aos olhos do espectador: "Os novos modelos não têm essa credibilidade, essa persuasão que o linear construiu há tanto tempo. Faz sentido que, hoje, nosso conteúdo seja assistido em todas as plataformas. Isso é claro. Mas me arrisco a dizer que concorremos com modelos que não são sustentáveis. A indústria do streaming é complementar ao que fazemos com maestria". 

O streaming mirou na TV paga, não nos canais abertos 

Barros ressaltou que a Netflix, quando surgiu, estava atacando o modelo universal de consumo da TV paga, que se apresentava frágil, com o consumidor argumentando que pagava por 100 canais para, no fim, assistir a apenas dez. Foi nessa fratura de mercado que ela mirou e construiu, em cima dessa situação, um case de sucesso. A partir daí, começamos a ver cada vez mais domicílios sem TV, com jovens crescendo dentro de casas que não tinham mais os televisores. "Eles começaram a descobrir as possibilidades de combinação de ofertas de streaming, com assinaturas de quatro, cinco plataformas, criando seus bundles pessoais. Mas aí encontraram um negócio fantástico e gratuito, que é a TV aberta", brincou o executivo. "A TV aberta americana chegou a ter somente 7% de penetração e, hoje, chega perto dos 25%. Por isso aposto nessa combinação interessante de TV aberta para conteúdos massivos, de alcance amplo, preferencialmente ao vivo, com esse conjunto de plataformas que constroem o ecossistema de entretenimento pessoal de cada um", opinou. 

TV aberta no Brasil: alcance, relevância e qualidade 

"A TV aberta, especialmente no Brasil, é muito relevante. Ela atravessou esse ambiente de disrupção por conta de sua qualidade de conteúdo, transparência e conexão com a sociedade brasileira. É uma superfortaleza. Temos todos os elementos para continuar construindo uma experiência de consumo engajadora", afirmou Barros. "A internet, mesmo com seus números impressionantes, de recordes de audiência em transmissão de eventos ao vivo, ainda não se compara ao alcance da TV aberta. Somos capazes de chegar a 100% do território brasileiro", complementou. 

No entanto, Franco ressaltou que a TV tem que se fazer ser relevante – e que, para isso, precisa produzir com a melhor qualidade possível: "A TV aberta produz como se produzia no cinema há pouco tempo. Temos bons equipamentos e os melhores autores, roteiristas e produtores. Falamos da TV aberta como se ela fosse uma plataforma de distribuição, mas não podemos esquecer que somos os maiores produtores de conteúdo e os maiores conhecedores do consumidor brasileiro. Se a TV paga não nos matou, o streaming também não vai. Mas, para não perdermos relevância, precisamos continuar essa jornada de produzir com alta qualidade e, hoje, co-criando com o consumidor". 

Estratégia de plataformas 

Os executivos sabem que, apesar da TV aberta realmente manter sua relevância, ela hoje divide espaço com outros meios de consumo – não é por acaso que todos esses canais têm também forte presença no digital: a Globo com o Globoplay, a Record TV com o PlayPlus e o SBT com fortes parcerias com o YouTube, onde mantém canais como o SBT Games e a TV ZYN. "Em 2015, tivemos que tomar uma decisão: ou partíamos para criação de uma plataforma própria, o que demandaria um grande investimento financeiro, ou invadíamos o mundo digital com ajuda de parceiros. Entendemos o caminho da parceria como o melhor, para que a gente pudesse focar no desenvolvimento de produtos e na maximização da distribuição de conteúdos. A propriedade da plataforma digital não é nosso, mas a audiência e os fãs, sim. E são canais com altos índices de visualização", comentou Franco, que ainda revelou que, apesar disso, a criação de uma plataforma própria está dentro do plano estratégico do SBT: "Isso ajuda no maior domínio da cadeia como um todo e com o ecossistema de dados. Estamos esperando o momento exato e fazer a escolha correta, mas está próximo". 

Desafio 

Para Barros, o futuro da mídia brasileira depende basicamente da manutenção da relevância da TV aberta – que no Brasil tem um papel que não tem em nenhum outro lugar do mundo – e de sua evolução. "Temos papel social, gratuidade, conteúdo – mas para continuar assim, precisamos evoluir, porque todas os demais meios, controlados principalmente por players internacionais, continuam evoluindo na velocidade do digital. Temos que garantir um ecossistema, e no ambiente regulatório dar prioridade a esse tema. O tema da TV aberta é prioridade", finalizou. 

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