Abra, Gedar e Autorais assinam manifesto com demandas dos roteiristas do audiovisual

(Foto: Pexels)

Durante a última edição do FRAPA – Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre, as três grandes associações que representam os interesses e lutam pelos direitos de autores roteiristas no Brasil – ABRA, GEDAR e AUTORAIS – estiveram reunidas e, na ocasião, redigiram uma carta-manifesto na qual alertam para graves distorções no mercado brasileiro que fragilizam a categoria profissional e a indústria audiovisual do país. 

O texto traz quatro pontos de atenção: investimentos públicos em roteiros, respeito aos direitos autorais, proteção contra a inteligência artificial e precarização de contratos – neste último ponto, vale ressaltar que temos agora uma nova situação no Brasil, na qual as plataformas de streaming alegam que estão de mãos atadas e que os problemas nos contratos dos roteiristas são obra das produtoras nacionais. 

"O roteiro é um documento técnico e artístico que orienta toda a cadeia audiovisual, e é preciso urgentemente que essa importância se reflita em editais públicos de desenvolvimento e produção e em formas de contratação que respeitem os direitos dos profissionais no Brasil, em todas as janelas de exibição do mercado. Apesar de não ter ocorrido negociação sobre cláusulas abusivas em contratos com plataformas de streaming, que solicitamos via Ministério há um ano, a procuradoria optou por seguir avaliando esses contratos, então em algum momento produtoras e plataformas de streamings terão de dar a devida atenção à essa questão", reforça André Mielnik, presidente da ABRA, com exclusividade para TELA VIVA. 

Carollini Assis, presidente da Autorais (Associação de Autores Roteiristas da Bahia), por sua vez, destaca: "O profissional de roteiro está em todo Brasil, mas as condições de acesso a editais públicos e ao mercado são diferentes em cada Estado e isso deve ser levado em conta tanto pelas políticas públicas como pelo mercado privado. A Autorais, que representa os roteiristas baianos, se une agora a outras entidades de roteiristas de representatividade nacional para que esse olhar sobre a heterogeneidade do território brasileiro esteja presente em todas as nossas lutas". 

E por fim, Thiago Dottori, presidente da GEDAR, enfatiza a urgência da aprovação de uma nova Lei de Direitos Autorais: "Este é um primeiro passo pela união cada vez maior dos criadores do audiovisual brasileiro, os roteiristas, diretores, atores e músicos. Precisamos estar unidos para aprovar uma nova Lei de Direitos Autorais, que garanta remuneração justa aos autores. Somos o segundo maior mercado do mundo, mas diferentemente de outros países, como França, Espanha, Argentina e Colômbia, por aqui ainda não somos remunerados de acordo com o sucesso das nossas obras. Um novo projeto de Lei precisa ser aprovado". 

Dottori também acrescenta: "Há também o aspecto da proteção aos criadores, que ficam muito vulneráveis diante do avanço tecnológico. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há um acordo feito no âmbito da negociação da greve, em que os estúdios se comprometeram com limites ao uso de IA generativa, para não ameaçar postos de trabalho de roteiristas. Temos muito o que fazer no futuro próximo". 

Thiago Dottori, presidente da GEDAR

Confira o manifesto na íntegra: 

"ABRA, GEDAR e AUTORAIS, associações que representam os interesses e lutam pelos direitos de autores roteiristas no Brasil, reunidas pela primeira vez no 11º Frapa (Festival de Roteiro de Porto Alegre), maior evento de roteiro da América Latina, alertam para graves distorções no mercado brasileiro que fragilizam a categoria profissional e a indústria audiovisual do País: 

Em que pese o esperado e salutar retorno dos investimentos públicos federais no audiovisual brasileiro no último ano, principalmente por meio da Lei Paulo Gustavo, a ausência de regulamentação sobre editais praticados por governos estaduais e municipais levou à desvalorização do roteiro e dos profissionais roteiristas de diferentes formas, como na ausência total de linhas de desenvolvimento e de definição de percentuais de investimento em roteiro nos editais de produção, passando por baixíssima remuneração e grande volume de trabalho para profissionais roteiristas que exerceram a função de pareceristas. É urgente que no ano de 2024 essas questões induzam discussões e políticas que evitem a repetição dos fatos em novos editais, fatos estes que comprometem a qualidade de todos os projetos. 

Diante da grave desigualdade na distribuição das receitas geradas com a exploração econômica de uma obra audiovisual, é urgente a discussão e aprovação, pelo Congresso Nacional, da lei do direito de remuneração para autores roteiristas. Como já ocorre em diversos países da Europa, América Latina e nos Estados Unidos (via pagamento dos chamados 'residuals'), roteiristas e demais criadores do audiovisual, como diretores, atrizes e atores, devem receber, além do 'cachê', pagamento proporcional pela utilização e exibição de suas obras em todas as mídias e meios de distribuição. Algo similar aos direitos autorais arrecadados pelo ECAD no caso das obras musicais. 

As entidades de roteiristas do País mostram extrema preocupação com o avanço da utilização das ferramentas de inteligência artificial generativa e seu impacto sobre os direitos autorais. Dessa forma, as associações consideram urgente a regulamentação e a adoção de cláusulas contratuais que inibam a possibilidade da tecnologia da inteligência artificial reduzir postos de trabalho e a remuneração de profissionais. Por outro lado, regras de transparência devem ser impostas e o roteirista deve expressamente autorizar o uso de seus roteiros pelos desenvolvedores de ferramentas de inteligência artificial e receber a devida remuneração por tal utilização. 

Ao longo do último ano, a partir de pedido de mediação da ABRA ao Ministério Público do Trabalho, no RJ e em SP, tentou-se que plataformas de streaming no País sentassem à mesa para a discussão ampla de cláusulas abusivas em contratos com roteiristas. A negociação foi negada por todas as empresas, que alegam que os contratos são celebrados por produtoras nacionais. As práticas lesivas aos profissionais seguem sendo registradas em contratos no País, impondo que roteiristas abram mão de direitos previstos na legislação brasileira e da própria autoria de suas obras. Seguimos apoiando o importante trabalho dos procuradores do trabalho e buscando todas as medidas legais possíveis para reverter este quadro. 

É fundamental que, ao promovermos discussões e políticas no ano de 2024, consideremos a heterogeneidade dos territórios brasileiros. A diversidade cultural e geográfica do país demanda uma abordagem específica para a valorização dos roteiristas em cada região. Juntos reafirmamos, portanto, a criação de estratégias que levem em conta as distintas realidades locais, assegurando que as políticas e regulamentações reflitam a riqueza e singularidade de cada território. 

A expansão da indústria audiovisual no Brasil deve ser acompanhada pelo pleno reconhecimento dos direitos dos autores. Os roteiristas são os profissionais que criam, contam histórias e organizam informações que orientam os demais artistas e técnicos da indústria audiovisual. A dramaturgia se constrói no roteiro. As imagens vistas por centenas de milhões de pessoas, o fascinante universo visual é criado, em primeira instância, pelo não visto, pelo que está oculto: a palavra escrita do roteiro. Justa remuneração pelo trabalho, respeito ao texto escrito, aos direitos autorais nos contratos. É o que estes criadores do audiovisual reivindicam. E a união entre as entidades representativas torna-se crucial para efetivar tais medidas e consolidar o reconhecimento merecido dos autores em todo o Brasil". 

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