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Ricardo Calil e Susanna Lira apostam em um cinema mais autoral, criativo e político no pós-pandemia

Na noite da última quinta-feira, 25 de junho, os diretores Ricardo Calil (“Em Nome de Deus”) e Susanna Lira (“Torre das Donzelas”) se reuniram em um bate-papo virtual promovido pela Bravi, com mediação de Renée Castelo Branco, para discutirem a produção documental no pós-pandemia. Enquanto Calil acabou de lançar a série que conta a história de João de Deus no Globoplay, cujas últimas diárias já foram filmadas de forma remota por conta da quarentena, Lira está atualmente trabalhando como diretora remota em uma série documental para um canal de TV.

“Em Nome de Deus”, que já está disponível na íntegra para os assinantes do serviço de streaming da Globo no Brasil e nos Estados Unidos, estava em seu processo final quando começou a quarentena. Calil conta que ainda faltavam coisas a serem filmadas e muitas outras a serem montadas e, de repente, a equipe não podia mais se encontrar. “Foi um choque, ficamos perdidos e sem saber o que fazer. Essa série precisava ser terminada e entregue e, naquele momento, seria necessário fazer isso remotamente”, diz. Mas, para além desse problema inicial, surgiu um outro bastante relevante: a pandemia mudou o destino da história. João de Deus, que estava na cadeia, conseguiu prisão domiciliar por figurar entre o grupo de risco da Covid-19. “Era pra ser um final feliz para as mulheres que tiveram coragem de denunciá-lo, mas agora esse homem abusador estava em casa. Depois de muito quebrarmos a cabeça sobre o que fazer a respeito, a Monica (Almeida, que divide a direção com Calil e Gian Carlo Bellotti) foi quem apontou que a gente tinha a obrigação de assimilar a pandemia para a história. Tínhamos que contar isso e voltar a ouvir as mulheres para entenderem como elas estavam se sentido diante da prisão domiciliar dele”, explica o diretor. “Ou seja, a pandemia afetou a estética – uma vez que as últimas três diárias foram feitas nesse ‘esquema novo’, com cara de imagem de internet – e a narrativa da série. O último episódio, inclusive, se chama ‘Pandemia’. Nosso trabalho é um exemplo de efeito concreto da pandemia no mundo audiovisual”, conclui.

As diárias de “Em Nome de Deus” que foram tocadas já no período de quarentena aconteceram dentro da Rede Globo e, por isso, a equipe adotou os procedimentos que já estavam sendo seguidos pela equipe de Jornalismo da emissora desde a chegada do coronavírus ao Brasil – isto é, equipamentos constantemente higienizados, distanciamento social, uso de máscaras… Segundo Calil, foi natural assimilar esses procedimentos porque era algo que já estava sendo feito dentro do canal – já havia um protocolo a ser seguido. “No fim, acho que a produção audiovisual remota é uma experiência possível. Mas o ideal ainda é estarmos perto”, analisa.

A diretora Susanna Lira, que estava com uma extensa agenda de trabalhos e festivais de cinema antes da pandemia e atuando na montagem de um filme que foi interrompida, concorda com ele: “Para o documentarista, esse contato físico com quem a gente entrevista faz muita falta. Existe todo um trabalho de convencimento, de conquista de confiança, de olho no olho, que é insubstituível”, afirma. Por outro lado, ela consegue enxergar algumas vantagens: “Quando fiz o ’Torre das Donzelas’, por exemplo, entrei muito pouco na penitenciária, a maioria das vezes quando as entrevistadas não estavam lá, justamente para que fosse gerado um clima de intimidade entre elas. Isso poderia ser feito agora, por exemplo. Essa distância física entre o entrevistador e o entrevistado acaba deixando as pessoas mais à vontade”.

Atualmente, a cineasta está trabalhando na direção geral de uma série documental para a TV (cujo tema e o canal para o qual se destina ela ainda não pode revelar) – obviamente, de forma remota – o que, segundo Lira, é uma experiência “muito louca”. “Precisamos filmar o que está acontecendo ao mesmo tempo que temos uma série de restrições. Diminuímos muito as equipes, por exemplo. Temos um operador de áudio, um de câmera e um diretor de set, além de mim na direção à distância. E só. Mas o maior problema é que não somos imprensa, então nossas licenças para filmar e estar na rua são muito mais complexas. O Jornalismo configura serviço essencial, mas o cinema documental não. Então nosso nível de rigor com a proteção da equipe precisa ser imenso”, reforça. “É a primeira vez que estamos lidando com uma situação assim. Para quem conta história, é um desafio criativo, que nos leva de volta à essência primária do que é contar histórias. Estamos obrigatoriamente exercitando um novo modo de dirigir e de construir roteiros. Mas acho que, no fim, a conclusão é que uma boa história é simples de ser contada. Vamos voltar a esse minimalismo, sobre o que é um drama bem contado, e isso vai nos fazer bem. Os novos filmes terão um quê de inovação e um frescor de criar”, aposta a diretora.

Nesse sentido, Calil segue o mesmo caminho e diz: “Estamos com limitações que não pedimos, mas temos de lidar com elas. Espero que a situação nos obrigue a ser mais criativos e explorar outros formatos. Ainda é cedo para entendermos o quão duradouros serão esses impactos. Não sabemos como estará o mundo – nem o cinema – no ano que vem, por exemplo”. Sobre os rumos das produções audiovisuais, o diretor sugere: “Acho que o público – e nós mesmos – terá mais tolerância com essas imagens menos sofisticadas, com cara de internet. Tenho impressão de que essa abertura, que já vem ocorrendo nos últimos anos com o YouTube, vem para ficar”. Além disso, o cineasta acredita em um renascimento do documentário político. “A pandemia veio para ressaltar alguns problemas crônicos da nossa sociedade, como racismo e desigualdade. Se o documentário não responder a esse momento, estará bobeando”, declara.

Os diretores também dão seus palpites em relação ao lado prático do audiovisual “do futuro”. “Precisamos usar novos recursos além da filmagem com o celular. Penso em imagens de arquivo e colagens criativas, por exemplo, além de reconstrução de memórias que não temos filmadas”, pontua Lira. “Eu acredito em um cinema mais autoral, no sentido em que trabalharemos mais com nossas próprias ideias. Temos mais tempo, estamos confinados, é hora de trabalhar consigo mesmo. O cinema, que sempre foi coletivo, talvez nos obrigue a ser mais individual”, conclui Calil.

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