FAM amplia espaço para o cinema e os realizadores indígenas 

Oficina de Audiovisual para Povos Originários é destaque na programação do FAM 2023 (Foto: Divulgação FAM)

Nesta terça-feira, dia 26 de setembro, o Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM) sediou o lançamento da Frente Parlamentar do Audiovisual de Santa Catarina. O evento contou com a presença de autoridades da região Sul e também representantes de coletivos e associações. 

Todos os participantes da cerimônia que estiveram na mesa principal reforçaram que a Frente vai lutar pela construção e manutenção de políticas públicas que garantam um audiovisual mais diverso e inclusivo. Nesse sentido, destacou-se a participação de indígenas, como Vanessa Neres, Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha, no Paraná, estudante de jornalismo na UFSC e coordenadora de comunicação na Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPIN-Sul). "Em 2010, criamos essa rede de comunicação indígena e, desde então, temos falado das diversas coisas que acontecem na aldeia, principalmente para mostrar a cultura e a luta dos povos indígenas. É uma luta que tem que ser vista – nossa e de todas essas minorias que são, na verdade, uma grande maioria. No Sul, gostam de falar que são descendentes de europeus, mas somos um território de mais de 15 povos indígenas – hoje, só cinco sobreviveram. Uso minha rede para falar desses povos e dessas lutas", declarou. 

Já Wera Eliezer, guarani da terra indígena Morro dos Cavalos, é cineasta indígena e criador do Projeto de Capacitação de Jovens no Audiovisual do litoral de Santa Catarina e aproveitou a oportunidade para criticar a falta de editais apropriados para os povos indígenas: "É necessário dar oportunidade para os diretores indígenas fazerem seus filmes. Quando tem, é com pouco, com recursos mínimos, para documentários de no máximo 30 minutos. Queremos editais grandes e com bons recursos e que sejam específicos para nós, porque é muito difícil concorrer com produtores mais conhecidos e com mais experiência". 

O cineasta também mencionou que, hoje, muitas pessoas usam o fato de indígenas usarem celulares e câmeras para tentar enfraquecê-los. "Eu não deixei de ser indígena porque hoje consigo produzir um filme. Nós somos discriminados por defendermos aquilo que é importante para nós. Meu sonho é, um dia, fazer uma produção boa, onde eu consiga contar a história do meu povo e suas mitologias. E com indígenas na atuação, na direção e na produção", defendeu. "No audiovisual, é comum usarem nossas histórias sem nos consultar. Contam histórias sobre indígenas, mas que não foram feitas por indígenas", enfatizou. 

Oficina e produção de curta 

O FAM 2023 ainda promoveu a Oficina de Audiovisual para Povos Originários, ministrada por um realizador indígena Quechua, Iván Molina, da Bolívia. Cineastas indígenas aldeados e urbanos dos povos Guarani, Kaingang, Laklãnõ/Xokleng, Kaiowá, Terena, Quechua e Parintintin do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina participam da oficina e produzem, em três dias, um curta-metragem que será exibido na cerimônia de encerramento do festival, que acontece nesta quarta, 27, a partir das 19h. 

Boa parte dos participantes recebeu bolsas do Festival para a vinda e a construção de todo o processo foi coletiva, do roteiro à gravação e montagem. A oficina, no IFSC Campus Florianópolis, teve o apoio do Núcleo de Produção Audiovisual NPD. Alguns indígenas vieram diretamente de Brasília para a oficina, onde acompanharam o julgamento da tese do Marco Temporal, derrotada no Supremo Tribunal Federal. 

No Brasil, há uma longa experiência com cinema indígena, com projetos como Vídeo nas aldeias, de Vincent Carelli, criado em 1986, e os da Associação Cultural  dos Realizadores Indígenas (Ascuri) do Mato Grosso do Sul, do qual Molina é fundador. "Todos os povos podem fazer cinema, com uma língua própria. Sempre existiu cinema indígena, desde as pinturas rupestres. Com a tecnologia audiovisual é um olhar diferente, há uma relação mais próxima com a natureza. Nós usamos a língua audiovisual para falar de terra e território e que nós também existimos neste mundo e temos direitos", reforçou Molina.

"Além da oralidade, estamos buscando outras ferramentas para conseguir mostrar nossa cultura, e com um professor indígena é mais fácil, os pensamentos e lutas são os mesmos, são indígenas produzindo, fazendo tudo, nos dividimos em equipes, de fotografia, som, somos nós próprios sendo autores e atores dessa história", contou Vanessa.

A oficina reuniu cineastas iniciantes e experientes, como Ariel Kuaray Ortega, Mbyá-guarani da aldeia Tekoa Koe'ju, de São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina, diretor de filmes premiados mundialmente como "Bicicletas de Nhanderu" e "A Transformação de Canuto", dirigido com Ernesto de Carvalho e o Coletivo Guarani de Cinema, criado em 2007.

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