Criadora de "Mila no Multiverso" fala do pioneirismo da produção nacional de sci-fi para o público teen 

A roteirista Janaína Tokitaka (Foto: Divulgação)

Nesta semana, foi lançada a série nacional de aventura e sci-fi "Mila no Multiverso". A produção conta com o selo Disney+ Original Productions e chegou com exclusividade na plataforma. 

"Mila no Multiverso" conta a história de Mila (Laura Luz), que em seu 16º aniversário descobre um dispositivo que pode levá-la para visitar universos paralelos à procura de sua mãe, Elis (Malu Mader). Logo, Mila percebe que este sumiço é só o começo de sua história, já que Elis, ao descobrir a existência de múltiplos universos, passa a ser perseguida por um grupo misterioso chamado "Os Operadores". Mila vai precisar se adaptar rapidamente aos desafios e com a ajuda de seus amigos Juliana (Yuki Sugimoto), Vinícius (João Victor) e Pierre (Dani Flomin) irá em busca da sua mãe, vivendo assim uma aventura na exploração do vasto multiverso.

A série dirigida por Julia Jordão e Jéssica Queiroz e produzida pela Boutique Filmes e Non Stop. A produção executiva é assinada por Tiago Mello e os roteiros foram escritos por Cássio Koshikumo e Janaína Tokitaka. Assista ao trailer: 

"Mila no Multiverso" já está disponível no Disney+

"A história da série foi criada em meados de 2018. É um dos primeiros projetos de sci-fi para o público infanto-juvenil, o que por si só é bastante representativo, pois todos sabem como é difícil produzir gênero no Brasil. Ficamos muito felizes pela Disney ter topado essa empreitada e desbravar esse caminho com a gente. Quando começamos a fazer, ainda não tinham filmes como 'Doutor Estranho', que fala sobre multiverso, ou 'Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo', que também aborda a temática. Mas hoje o assunto está em alta, temos muitas narrativas que pensam nessa possibilidade de multiplicidade de vidas, mundos e jeitos de viver", contou a criadora Janaína Tokitaka em entrevista para TELA VIVA. 

"O que torna 'Mila' uma série única em meio a esses conceitos parecidos é esse viés da diversidade. Nossa premissa é essa: uma pessoa descobriu que existe o multiverso, com infinitas formas de viver. Outra também descobriu. Uma odiou e a outra ficou encantada. Uma quer defender isso a todo custo e a outra quer destruir e ficar só com o seu mundo", explicou. "Destaco ainda que a série é protagonizada por uma mulher negra e que tem amigos gays e asiáticos. A gente vê uma relação homoafetiva acontecendo e esse é um ganho enorme – em produções brasileiras, ainda estamos engatinhando nessa questão. Além disso, o sci-fi e a fantasia não são gêneros que costumam trazer muitas mulheres protagonistas. E eu quando pensei a série desde o começo sabia que a personagem principal seria uma garota. Tem muito conteúdo sendo produzido para meninas de dez, doze anos que até traz fantasia, mas num universo de princesas. O que é legal também. Mas eu, como mãe de menina, queria ver mais dessa fantasia que combina aventura e ação. Minha ideia era trazer coisas novas", pontuou. 

"Eu sempre fui 'nerd' e gostei de sci-fi tanto no audiovisual quanto na literatura. Histórias fantásticas me atraem, e tudo que eu escrevo acaba indo por esse lado. Eu não faço coisas ultra realistas. Só de biografias. Mas drama, por exemplo, não sei fazer. Os canais, por uma questão prática mesmo, acabam apostando na tradição – a novela, o melodrama – coisas que já se provaram, que sabemos que dão certo. Por isso sei do privilégio que foi fazer uma coisa fora do padrão do que funciona. Espero muito que mais gente consiga", observou. 

Produções particulares, com alcance universal 

Janaína é uma criadora focada no universo infantil e teen – ela chefiou a sala de roteiro de "De Volta aos 15", por exemplo, série original que estreou na Netflix no fim de fevereiro de 2022 e ficou no Top 10 em diversos países, sendo Top 4 mundial em língua não inglesa na semana de seu lançamento. No audiovisual, também assinou como chefe de roteiro da animação "Clube da Anittinha", líder de audiência no canal Gloob e vencedora do Prix Jeunesse Ibero-americano 2019 na categoria ficção pré escolar. Ela ainda possui uma extensa carreira na literatura, e seu livro "O Ovo de Pégaso" (Ed. Lê, 2019) foi finalista do Prêmio Jabuti. 

"A produção para o público jovem é cada vez mais segmentada. Acho que 'Mila', por ser aventura, vai atrair uma audiência de dez, doze anos. E hoje, quem vê uma série para essa idade não vai ver para 15 anos. É bem específico. E 'Mila' ainda tem uma coisa mais família, acho que as famílias vão gostar de assistir juntas. Já 'De Volta aos 15' era mais adolescente mesmo, trazia questões típicas da idade, mas acabou pegando um público mais velho, de até 30 anos. Digo que sou especialista nesse 'comfort food'. Gosto de fazer coisas prazeirosas, que todo mundo vá poder ver. Os desafios são conseguir que as histórias sejam específicas e universais – características que eu acredito que essas duas séries tenham", analisou. "Além disso, a gente nunca pode criar pensando no adolescente de agora, nas tendências pontuais. Como o tempo de produção no Brasil é bem longo, é muito provável que vá ficar datado. Penso nisso até em relação a gírias e expressões", acrescentou.  

Laura Luz interpreta a personagem Mila (Foto: Divulgação)

Representatividade e responsabilidade 

Mãe, bissexual e militante no movimento feminista asiático, Janaína espera poder trazer essa parte de sua experiência cotidiana para projetos futuros. "Minhas vivências pessoais impactam muito no meu trabalho – não sei separar uma coisa da outra, isto é, o que eu vivo do que eu escrevo. Até minhas obras para crianças pequenas trazem essas questões relacionadas à diversidade. Meu próximo livro trará uma família que está mudando, com pais que se separam e uma mãe que, mais tarde, casa com outra mulher. É sempre uma aposta arriscada, especialmente no Brasil de hoje. Mas é isso que eu vivo. Tenho amigos gays, lésbicas, e sou uma mulher bi. Então seria muito estranho que a minha vivência cotidiana, que é tão diversa, não se refletisse nas histórias que eu crio. Se eu não trouxer isso para as obras, quem vai trazer?", questionou. 

"Defendo a diversidade inclusive na prática, porque não adianta nada a gente falar disso nas tramas se nas salas de roteiro ainda só estiverem homens, cis e héteros. Acredito que representantes de grupos minoritários, como eu, defendem as coisas de outro jeito. Conseguimos argumentar sobre muitas questões pela prática, pelas nossas próprias experiências. Tenho treinado cada vez mais essa escuta, especialmente como chefe nas salas de roteiro", afirmou. 

Sobre a abertura dos players – canais e plataformas – para essa diversidade, Janaina comenta: "As pessoas que trabalham diretamente com a gente estão interessadas na mesma coisa que nós, que é ter diversidade e defender que certas coisas são possíveis. Vejo que hoje a abertura é maior, sim, e conforme o mundo vai mudando, a tendência é que abra cada vez mais. Mas isso não tira jamais nossa responsabilidade individual como criadores de fazer questão da presença das pautas e das equipes diversas. Sempre temos que colocar na história e defender que seja transposto também para o mundo real. É muito bom estar alinhado com parceiros que pensam da mesma forma, porque não conseguimos fazer nada sozinhos. Não adianta nada eu ter essa visão mas a produção e a direção, não, por exemplo". 

Próximas histórias 

Janaína revela quais histórias ainda tem vontade de contar. "Quero muito escrever uma relação de meninas que dê certo – porque não vejo isso nem no audiovisual e nem na literatura. Normalmente relações lésbicas são retratadas de um jeito que sempre traz um final trágico. Ou uma das personagens morre, ou elas se separam e uma acaba casando com um homem. Isso não corresponde à realidade que vejo. Não acho que sejam relações fadadas ao fracasso", declarou. "E também tenho vontade de me voltar para histórias mais longas e contidas. Como filmes ou minisséries, por exemplo, com tramas complexas, mas que tenham começo, meio e fim. Por fim, penso num projeto sobre histórias reais de mulheres que viveram no Brasil, fizeram coisas relevantes mas não foram exaltadas. Vejo um grande espaço para isso. Quero falar sobre mulheres muito legais e que o público ainda não conhece", concluiu. 

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