Para Eduardo Rosemback, produção audiovisual nacional deve investir mais nos processos de escrita

Eduardo Rosemback (Foto: Divulgação)

Eduardo Rosemback tem uma extensa e abrangente carreira no universo do entretenimento, com passagens pela Buena Vista e The Walt Disney Company Brasil, por exemplo, e experiências nas áreas de marketing, distribuição e produção executiva, entre outras. À frente da Moovie, lançou recentemente diversos projetos para o streaming, como "Fédro", "How To Be a Carioca" e, no último mês de março, a série "Desejos S.A.", criada pelos diretores argentinos Gastón Duprat e Mariano Cohn, todas disponíveis no Star+, além do talk show "Posso Explicar", que estreou durante a pandemia no Nat Geo e pode ser vista atualmente no Disney+. Outros projetos de destaque de seu portfólio são os longas "Minha Obra-Prima", de Gastón Duprat (produção associada), e "A Jaula", de João Wainer (produção executiva). 

Parceria com talentos argentinos 

Rosemback e os argentinos Duprat e Cohn ("Meu Querido Zelador", "O Museu", "O Homem ao Lado", "O Faz Nada") são parceiros de longa data – mais precisamente desde o "Minha Obra-Prima", primeiro projeto relevante do produtor, e que foi filmado no Brasil. "Durante as filmagens, que aconteceram em 2017, eles já me falaram sobre outros projetos que tinham. Concordamos em fazer juntos no Brasil o filme 'A Jaula', que na Argentina tem uma outra versão, chamada '4×4', do qual fui produtor executivo. E aí, no processo dos filmes, eles me falaram sobre a ideia de 'Desejos S.A.'. Inicialmente tivemos algumas dúvidas, porque série é outra pegada, mas fomos em frente",  contou o produtor em entrevista exclusiva para TELA VIVA. "O roteiro foi escrito com vários colaboradores, entre eles alguns profissionais argentinos, e no Brasil contou com a escrita do André Brandt e do Gui Cintra, da Farra, com quem eu já havia trabalhado em 'Posso Explicar'. Eles são geniais. Tínhamos muita certeza de que a série funcionaria e convicção do elenco que queríamos. É uma série não usual, com elementos que fazem esse engajamento acontecer. O ambiente das redes sociais também favoreceu, pois as pessoas ficam comentando, fazem rankings dos seus episódios favoritos", celebrou. 

Mariano Cohn, Gastón Duprat e Eduardo Rosemback em Veneza, em 2018 (Foto: Acervo)

A dupla de roteiristas, produtores e diretores Mariano Cohn e Gastón Duprat estará no Brasil nesta semana, onde participam de um painel na programação do Rio2C, que acontece de 4 a 9 de junho na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Rosemback adiantou que, no evento, eles anunciarão uma nova produção conjunta. Outra novidade do trio é uma versão brasileira de "O Homem ao Lado", de 2011. "Não é um remake, é uma nova versão, desta vez trazendo a mulher para o protagonismo. No Brasil, se chamará 'A Mulher ao Lado'. Andrés Duprat é um cara genial, um roteirista de mão cheia. E quando contei essa ideia, ele disse que estava pensando nisso, mas faltava alguém dizer. Ele imediatamente concordou e começou a escrever. O texto deles tem uma abrangência, uma capacidade de funcionar em qualquer lugar. Eles falam com todo mundo, e falam bem, de perto mesmo", salientou o produtor. 

Vantagens e desvantagens do streaming 

"Desejos S.A.", que tem direção geral de José Alvarenga Jr. e codireção de Mariana Youssef, estreou no Star+ no final de março e logo figurou no "Top 10" de conteúdos mais vistos da plataforma. "Recebemos muito bem esse sucesso, principalmente porque a competição é desproporcional – não só no ambiente de streaming, mas no cinema também. Trabalhei na distribuição durante muitos anos e essa concorrência sempre esteve ali. Nas plataformas, vejo que muitas decisões cabem aos players, e cada plataforma tem sua dinâmica de divulgação e ações. É um jogo constante que temos que jogar. Ali no ranking do Star+, ficamos ao lado de produções como 'Grey's Anatomy' e 'Os Simpsons' – quer dizer, uma série brasileira, com limitação de recursos para o lançamento, ali, de igual para igual. Acredito que temos um elenco muito bom, e também roteiro e produção. Assim, o público recebe bem. Para a produtora, o importante é produzir e encontrar o público – independente de ser um projeto autoral nosso ou um original da plataforma", disse Rosemback, que recentemente ainda assinou a produção associada de "Vidente por Acidente", também escrito por Brandt e Cintra, da Farra, que estreou nos cinemas em 18 de abril. 

Para ele, uma das vantagens do streaming é que, ao contrário do cinema, o título não precisa necessariamente ir muito bem logo na estreia. "As pessoas vão assistindo, comentando, a série vai subindo de posição. O engajamento traz mais público. O lado negativo é esse da competição. Se o algoritmo não te puxa para a capa, você fica perdido lá dentro". No entanto, o produtor reforça que, mesmo competindo com grandes séries de outros países, as produções nacionais têm seu espaço. "Toda essa parte de investimento local favorece muito não só o mercado, mas também a formação de público. Uma das coisas que mais me animam hoje é entender que podemos formar público pelo streaming também. As pessoas acham que só o cinema forma público. Onde tem conteúdo brasileiro, forma-se público. Mas nosso conteúdo é estigmatizado ainda. São anos de falta de continuidade", apontou. "Existem dois tipos de filmes, o bom e o ruim. E não o filme brasileiro e o filme estrangeiro. Isso é algo para nos lembrarmos todos os dias", completou. 

O poder dos algoritmos 

Nessa era de algoritmos, Rosemback acredita que quem não leva o algoritmo em consideração provavelmente não está produzindo. "Não se trata exatamente de uma escolha da produtora. Nós acabamos numa posição muito passiva em relação à dominação do algoritmo. Obviamente que todos nós temos preferências, mas acho que uma história boa tem seu ritmo, seu momento e sua velocidade, e não deve ser contada de acordo com a vontade de um algoritmo. Muitas vezes, temos de fazer desta forma. E tudo bem também", ponderou. "A questão principal para mim é o conteúdo, e não o algoritmo. Toda essa dança é muito interessante, mas não podemos dançar só a música do algoritmo. Tem outras a serem dançadas. O algoritmo seria capaz de contar a história do jeito que o público gostaria de vê-la? Eu acredito que não". E, para além desses caminhos apontados pelos algoritmos, o produtor se norteia muito pela opinião do público: "Por isso gostamos dessas listas que as pessoas fazem com seus episódios favoritos. Isso nos ajuda a pensarmos nos próximos trabalhos, a fazermos projetos melhores na sequência. Nem sempre conseguimos, é claro. Esse é o desafio constante". 

Investimento na escrita 

Para Rosemback, o que falta para a produção brasileira prosperar ainda mais é investimento na escrita. "É fundamental você acreditar não só no desenvolvimento, mas investir nesse desenvolvimento e saber a hora em que aquele roteiro está pronto. O que vejo muitas vezes – e na minha época de trabalho com distribuição via de perto – é a ânsia de filmar. Filmar no Brasil, no fim do dia, é quase um ato de sobrevivência. Essa é uma questão macro, que envolve política, economia e uma série de coisas que estão fora do nosso comando. Mas isso acaba antecipando a decisão por começar a filmar. Esse é um ponto para pensarmos sempre. Quando temos a versão final do roteiro? É realmente a versão final? Você está satisfeito em contar essa história – ou, no caso de uma produção de serviço, o cliente está satisfeito? Nos projetos autorais fazemos a mesma pergunta. Sem essa distinção – de que nos autorais podemos ficar mais tempo escrevendo e, nos encomendados, menos. Não tem isso. Para competirmos em pé de igualdade, devemos pensar em uma escrita que represente o Brasil, tenha qualidade, e traga todas as camadas de diversidade, interesse, informação e educação. E que as pessoas se vejam ali", ressaltou. 

"O Brasil deveria se movimentar nessa direção. Ir ao encontro dos nomes de roteiro para sair da zona de conforto. Outros gêneros, lugares. Valorizar a escrita. Eu, pessoalmente, sempre tive essa necessidade de encontrar bons textos. E nós temos excelentes roteiristas, que podem colaborar de igual para igual com argentinos, americanos, europeus. Não é falta de qualidade humana. Estamos encontrando um caminho. Superadas as questões regulatórias, entre tantas outras questões, a gente se estabiliza nesse lugar de uma boa escrita", acrescentou. 

Equilíbrio entre políticas públicas e investimento privado 

Olhando para o futuro e refletindo sobre o passado, Rosemback se diz otimista com a produção audiovisual brasileira. "Nos últimos anos, o boom do streaming e os investimentos da iniciativa privada foram muito importantes para a nossa produtora e todo o mercado. Se isso tivesse acontecido num ambiente já regulado, o boom teria sido muito maior. A gente vinha de uma série de políticas públicas culturais relevantes, que foram se reduzindo ao longo do tempo, por diversos motivos. O streaming ocupou um lugar fundamental não só para o público, mas também para os profissionais, pois as plataformas mantiveram empregadas centenas de pessoas durante a pandemia. De outro modo, elas estariam desamparadas. Agora, nesse momento, com a retomada das políticas públicas, vejo um cenário de equilíbrio, com essas políticas combinadas ao investimento privado. Lado a lado, elas fazem a engrenagem se mover para frente, e não mais para trás", disse o produtor, destacando ainda que o futuro deve passar por investimentos em coproduções brasileiras com o mundo. "Projetos assim são importantes para a nossa afirmação e estabilidade. Precisamos olhar para frente e fazer coisas novas", concluiu. 

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