Porta dos Fundos desapega das esquetes e adota nova estratégia editorial

Thiago Lopes, CEO do Porta dos Fundos (Foto: Fabio Audi)

"Expansão e descoberta são as palavras que capturam a essência do que foi o ano de 2023 pra gente", definiu Thiago Lopes, CEO do Porta dos Fundos, em entrevista exclusiva para TELA VIVA. No cargo desde o último mês de abril, Lopes afirmou que o grupo tem focado em expansão editorial, ampliando os olhares criativos e de negócios para além das produções de esquetes que posicionaram o coletivo de humor para o mundo, lançaram oficialmente a empresa e criaram a reputação do Porta. "A gente tem um histórico calcado na produção de esquetes, que apesar de serem tão marcantes e potentes, por outro lado acabaram limitando um pouco como o mundo do entretenimento e até o público mesmo enxerga a marca. Esse ano, para nós, foi de entendimento de que precisávamos, para crescer e ambicionar novos horizontes, ser mais intencional na hora de contar para as pessoas que estamos fazendo outras coisas. Até eu, quando cheguei, descobri um Porta mais versátil e amplo do ponto de vista criativo do que eu achava que que era", contou. 

O CEO ressaltou que o Porta dos Fundos é uma produtora audiovisual com repertório de criação e produção muito amplo. "Por isso, tem uma parte importante que é contar para as pessoas tudo o que fazemos, mas tem ainda uma outra frente de trabalho que passa por explorar ainda mais possibilidades de criação e distribuição de conteúdo. Nesse ano, por exemplo, consolidamos nossa entrada no TikTok e abrimos um canal com o Kwai, em parceria com a plataforma", citou. Em suma, a ideia é contar para as pessoas o que o Porta tem feito ao mesmo tempo em que faz cada vez mais coisas. 

Lopes pontuou que o grupo já tinha curiosidade sobre outros formatos e gêneros, mas que ainda estava muito organizado em torno das esquetes, mantendo quase que um vício nesse modelo de produção. "Esse ano foi um detox", brincou. "Para aprendemos que temos outras possibilidades criativas e também outros talentos, que talvez não escrevam bem para esquetes mas, para outros formatos, sim. E que tem outros lugares, plataformas e formatos onde o nosso humor se manifesta bem", completou. Nesse sentido, ele citou o Kwai, uma plataforma que tem uma linguagem bem diferente do YouTube, onde o Porta dos Fundos nasceu, cresceu e se consolidou, mas que, ao mesmo tempo, também comporta conteúdos criativos produzidos pelo grupo. 

"Esse estímulo vem em duas vias: uma é de negócios, isto é, tem um monte de plataformas com as quais podemos trabalhar para além do YouTube, com quem continuamos compromissados, e a outra é a de repertório criativo. Esquete é um formato definido e maduro, mas o que as outras plataformas trazem, sejam elas de streaming ou mídias sociais , é a variedade criativa. Esse processo de perceber o quanto de oportunidades criativas tinha lá fora, além de oportunidades de negócio, foi muito importante para nós. É uma combinação de provocações. Por isso nosso movimento de expansão é reflexo do movimento de expansão do próprio mercado também", observou. 

"Porta News" é uma das novidades do grupo (Foto: Divulgação)

Nova estratégia editorial 

Na prática, essa expansão do Porta dos Fundos já tem alguns desdobramentos. Recentemente, o grupo anunciou uma nova estratégia editorial focada em seus canais. Desde novembro, novos formatos de vídeos têm sido veiculados, com foco em uma nova programação que inclui o "Porta News", fonte de notícias duvidosa, e o "Fala, Povo", com perguntas inspiradas em materiais do Porta para o público. Às quintas-feiras, a grade de programação ficará livre para novos formatos. Um deles foi o "73 perguntas", vídeo inspirado na Vogue que traz entrevistas com artistas em suas casas. Dentro da nova estratégia, o Porta pretende ainda divulgar um quadro com o personagem Peçanha e um sobre o Natal. Nos próximos meses, as esquetes tradicionais serão publicadas exclusivamente no Mercado Play, a plataforma de conteúdos gratuitos do Mercado Livre. 

"Já estávamos muito convencidos de que precisávamos explorar coisas novas. Só não tínhamos um fato que empurrasse a gente para fazer isso logo. Ficamos no terreno das ideias por muito tempo, até fecharmos a parceria com o Mercado Play. Dentro desse acordo, estava esse compromisso de esquetes exclusivas para eles por três meses. Aí, nos vimos nesse cenário de antecipar nossos planos para executar a visão editorial que tínhamos falado tanto. É uma parceria muito legal por isso: o Mercado Play deu para nós uma forma diferente de distribuirmos nosso conteúdo e deixou um vazio que precisava ser ocupado, então acelerou o processo de criarmos um novo editorial", explicou. 

Lopes detalhou que o eixo de criação fundamental desse novo editorial é que ele seria de experimentação: "Não temos a ambição de encontrar substitutos para as esquetes. A gente não precisa substitui-las, na verdade. Elas existem e estão lá. Mas precisam de complementos. Precisamos de outros formatos e ideias que criem um editorial mais diverso para nós. E esse editorial não vai ser criado da noite pro dia. Algumas coisas vão entrar e ficar, outras vão entrar e logo sair. A ideia é ter um editorial muito mais orgânico nesse aspecto. Teremos as esquetes de volta quando a parceria com o Mercado Play acabar, mas convivendo com outras coisas também, como o 'Porta News'. Esse line-up vai se adequando à medida em que entendermos o que é ou não relevante. Essa soltura para criar, colocar coisas novas e tirar o que não faz sentido é a grande novidade da linha editorial nova. Tem esse fluxo de experimentação no entorno". 

Exercício de auto-reflexão 

Esse processo de expansão e de criação de outros formatos, para outras janelas, fez o Porta dos Fundos refletir sobre o que é, essencialmente, um conteúdo do Porta dos Fundos. "É comédia, mas é só comédia? Estamos achando que não. Tem muito de comédia, mas não necessariamente só isso. Talvez o que defina nosso conteúdo seja que ele tem sempre um olhar provocador e inesperado para as coisas e personagens altamente relacionáveis, que fazem com que as pessoas possam se conectar rapidamente com a história que queremos contar. Precisamos ter isso muito claro para que possamos nos apresentar para além das esquetes", pontuou. "E temos que fazer isso de forma muito cuidadosa porque já temos uma boa fase de fãs, que é prioridade para nós e a quem queremos agradar, mas ao mesmo tempo temos que criar o desconforto da inovação para dar coisas novas para essas pessoas e também conquistar novas audiências. É um trabalho de subjetividade profundo", avaliou. 

Projeto para o Globoplay  

Nesse caminho de olhar para fora, uma das novidades é "Cosme & Damião – Quase Santos", uma produção do Porta para o Globoplay. Trata-se de uma série de comédia, que se passa na zona oeste carioca, mais precisamente em Realengo, lugar onde a dupla mora e trabalha. A cada episódio, acompanha-se uma aventura diferente de Cosme e Damião, que ora investem em uma ideia megalomaníaca para vender suas balas, ora se veem em alguma encrenca em que eles mesmos se colocaram. "Você rapidamente reconhece os personagens. Isso acelera a velocidade com a qual o público se conecta com a história. É o humor do Porta, mas numa versão um pouco diferente. Temos o compromisso de fazer esse produto amplo, não só para os fãs do Porta, e sim para os fãs de comédia. As pessoas serão capazes de apreciar o que a gente traz como produtora e com olhar criativo para dentro do projeto. Estamos muito animados", adiantou o executivo. "Estamos tentando ao máximo diversificar os produtos que estamos desenvolvendo, e acho que cada vez mais vamos testar coisas para além da comédia", acrescentou. 

Convergência entre entretenimento e estratégia

A produção para uma plataforma – o Globoplay, no caso – gerou alguns insights para o Porta dos Fundos. "Quando você cria para uma plataforma, há uma necessidade de negócio associada ao projeto – precisa crescer com determinado público, produzir algo de determinado gênero ou formato. A própria demanda que vem do parceiro já leva a gente para um caminho que não necessariamente é o que a gente está acostumado a trilhar ou que trilharia se estivesse fazendo todas as escolhas sozinho. Estrategicamente, nos força a pensar mais no negócio também", refletiu Lopes, que contou que o grupo já tem novos projetos para outros players a serem anunciados. 

A visão de mercado do executivo é clara e foi sendo construída ao longo dos últimos meses à frente do Porta dos Fundos. "O negócio audiovisual precisou se reencontrar especialmente no cenário pós-pandemia. Houve um momento de expansão muito grande, com uma demanda enorme desse mercado que superaqueceu, e depois as coisas normalizaram. Todo mundo foi entendendo que, daqui pra frente, as escolhas que faremos terão que estar muito mais ligadas às necessidades de negócio. Não é mais 'vamos ver o que dá certo'. Agora, preciso claramente servir a uma audiência ou lançar algo para um público que não assina tanto determinado serviço, por exemplo. Os objetivos estratégicos ligados aos projetos estão muito mais claros e influenciam diretamente na maneira como aquele projeto vai ser desenvolvido", salientou. "E tem sido interessante pensar nessa convergência entre entretenimento e estratégia porque nem sempre fazemos isso. Temos que pensar qual é a grande ideia que serve a um grande objetivo de negócio. Quando falamos de parcerias com os estúdios, estamos mais atentos ao briefing do que experimentando", concluiu. 

Lopes assume que entender que o momento que vivemos hoje é fundamentalmente diferente do que vivíamos há três anos foi importante para pensar no futuro: "Boa parte do trabalho nesse ano, do ponto de vista de networking e trabalho de rede, foi aproximar o Porta dos estúdios para entender o que está acontecendo. Para nós, ficou claro que o futuro não é só feito de comédia, e estamos interessados em participar nesse futuro como um todo. Ao escutar o que o mercado quer, a gente também tem tentado reagir, à nossa maneira, ao que as demandas têm apontado. Afinal, estamos falando de pessoas que estão o tempo todo olhando para o consumidor. Essas conversas se tornaram mais estratégicas, e muito rapidamente". 

Por fim, ele avaliou que essa dinâmica de trocas e parcerias do mercado audiovisual – seja entre plataformas, canais, produtoras – tem acontecido porque existe um desejo muito grande de fazer coisas muito relevantes para as pessoas, coisas que deixem o público satisfeito, engajado, falando a respeito. "E isso não é fácil. Nesse processo, é quase óbvio você se dar conta de que não vai fazer aquilo sozinho. Cruzar referências e olhares é inerente a esse momento no qual estamos tentando inovar. E o mercado inteiro quer fazer isso", finalizou. 

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