Conteúdo dará o tom da regulação do VOD, diz Ancine

Painel sobre regulação do VOD fechou o Brasil Streaming 2023

A regulação do VOD foi tema do painel que fechou o Brasil Streaming, evento organizado pelas publicações Teletime e Tela Viva, nesta terça, 9. O debate contou com a presença de Tiago Mafra, diretor da Ancine, que explicou que a questão da regulação hoje não passa meramente por assimetria, e que com a diluição de barreiras de participação nesse segmento, a Agência percebeu que se trata, essencialmente, de tratar do conteúdo. 

"Com a pandemia, as plataformas tiveram um salto de consumo monstruoso. O conteúdo oferecido por elas é para as novas gerações o que a TV aberta foi no passado, no sentido de ter esse papel de criar imaginários e o que entendemos por ser brasileiros. Por isso é tão importante falarmos de preservação de identidade e do estabelecimento de cotas. A discussão é maior do que a parte técnica. A Ancine está à disposição para o debate técnico, mas a regulação do VOD é um debate de sociedade, que passa por questionar o que queremos para as novas gerações, o que elas verão nessas telas. Elas conhecem a cultura do Brasil e dos diferentes estados do país ali, no streaming", analisou o diretor. "Sem tirar o mérito das plataformas, que foram atores essenciais na pandemia e responsáveis pela manutenção da capacidade produtiva, mas quem vai dar o tom dessa regulação será o conteúdo. Precisamos que os investimentos das plataformas gerem propriedade intelectual brasileira e uma produção independente sustentável, com infraestrutura e capacitação também", acrescentou. 

A Ancine elaborou um panorama do VOD, a fim de destrinchar esse mercado e entender como ele se apresenta hoje em dia. De acordo com esse material, as plataformas teriam, em média, apenas 10% de conteúdo brasileiro, "e nem conseguimos identificar quais são os de produção independente", ressalta Mafra. "O momento ainda é de coletar dados, por isso pedimos sensibilidade principalmente para as plataformas", afirmou. Para a Agência, modelos internacionais de regulação servem de inspiração, como aqueles praticados por países como França, Itália, Espanha e Portugal. E em relação às propostas criadas aqui, a regulação tende a se afastar um pouco do projeto do Deputado Paulo Teixeira e se aproximar mais da proposta do Senador Humberto Costa – que, de acordo com Mafra, "traz o melhor ponto de partida para a reflexão do conteúdo como ator principal". 

O diretor ainda definiu que a busca é por uma regulação "menos engessada e mais dinâmica", e que contemple cotas, proeminência de conteúdo nacional e financiamento público. Para ele, é indiscutível que se trata de uma regulação sócio-política, e não econômica. "Todos os estudos que fazemos é para proporcionar uma conversa, sair da regulação pragmática. O debate do VOD é da sociedade, é sobre o que queremos para o Brasil", enfatizou. 

Exemplos internacionais

A advogada Ana Paula Bialer, da BFA Advogados, também participou do painel e ressaltou que, apesar de ser importante que a Ancine elabore esses panoramas de análise do mercado de VOD e destrinche as experiências de outros países, que podem funcionar como norte para as discussões, é preciso ter em mente que estamos falando tanto de mercados quanto de épocas diferentes. "Entendo a questão da regulação técnica x regulação política, mas temos essa tendência de olhar leis de outros países e, assim, voltarmos a estruturas regulatórias que começaram na década de 80, em estruturas de mercado diferentes das que temos hoje. O modelo europeu, por exemplo, deve ser olhado com cuidado, pois foi estruturado numa lógica diferente. Projetos de lei, em geral, bebem dessa mesma fonte. Acho que precisamos entender como viabilizar os negócios das empresas de streaming no país, as já estabelecidas e as entrantes, e atender às demandas dos brasileiros, mas compondo essa nova realidade", explicou. 

Ana ainda observou os números de conteúdo nacional das plataformas apresentados pela Ancine e pontuou: "Na televisão, temos a limitação de 24 horas, sete dias por semana da grade. No VOD, isso Não existe. Então olhar percentuais é uma maneira ingrata de entender se, de fato, há conteúdo brasileiro nas plataformas. Modular uma política pública a partir desse olhar pode acabar prejudicando o cidadão brasileiro, no sentido de ter determinado percentual brasileiro na plataforma e ter de 'segurar' conteúdos de outras nacionalidades. Discussões de investimento obrigatório são um possível caminho para que se garanta essa presença da produção nacional nos catálogos". 

Regulação como indução e garantia ao direito patrimonial 

Mauro Garcia, presidente da BRAVI, por sua vez, reforçou que não se trata mais de discutir se é importante ter regulação ou não, uma vez que regular nada mais é do que estabelecer regras, e a sociedade deve ter regras para tudo. "A regulação não é coercitiva. A Lei 12.485 trouxe esse exemplo de uma regulação que foi indutora – e se hoje estamos falando de proeminência de conteúdo brasileiro independente nas janelas é porque ela funcionou nesse sentido: as cotas estabelecidas foram superadas com êxito e audiência. Agora, estamos falando de distribuição global, e nós também queremos estar presentes", destacou. "Trago a influência do SeAC no sentido de política indutora. A indução é o que vai levar ao market share, assim como aconteceu no passado. O público vai se interessando pelos conteúdos. Por isso batalhamos por uma regulação indutora, e não limitadora", reforçou. 

Garcia comentou que a proposta do Senador Humberto Costa não traz muitas novidades à discussão, pois traz os pontos já debatidos, tais como cota, proeminência, investimento direto e contribuição de Condecine. "Essas são as coisas que a proposta tem. O que ela não tem é a questão do direito patrimonial, que é tão importante para a produção independente brasileira, isto é, a possibilidade de ter participação do direito na distribuição global. Isso traz monetização da empresa produtora independente nessa exploração de longo prazo e permite que ela se torne uma empresa forte, que gera emprego e renda. Prestar serviço é bom, claro, é um dos modelos de negócio possíveis. Mas o empoderamento da produtora passa pelo aspecto econômico, pela participação econômica na exploração da obra. E isso não está expresso no projeto", alertou. O executivo acrescentou: "Não podemos cair na armadilha de legislar pela tecnologia. Precisamos, por exemplo, contemplar o vídeo por demanda que inclua a possibilidade de ter canais lineares lá dentro". 

Audiências públicas e outros debates 

Para Garcia, audiências públicas são necessárias porque, dentro das casas legislativas, serão reunidas informações técnicas com os pensamentos dos parlamentares: "É para colocar um contraste, não necessariamente um confronto. Não imagino um projeto dessa importância sem uma audiência pública".

Ana Paula concordou e mencionou também o Conselho Superior de Cinema: "A retomada do trabalho do CSC, que passou anos discutindo esse tema e tentando construir uma proposta, é muito importante. Os trabalhos foram interrompidos pela pandemia e pela própria mudança do Conselho, que é um lugar de diversidade, representatividade e discussão estruturada. E as audiências públicas no parlamento também são importantes – mas tenho a impressão de que, nesse lugar, não conseguimos a profundidade necessária em relação ao tema. Frequentemente não tem espaço para o debate. Então acho que é parte do processo, mas não o suficiente. O PL das Fake News mostra isso – mesmo com as audiências públicas, o texto traz controvérsias. A Ancine tem um papel fundamental de promover espaço para que essas conversas aconteçam, além de ter acesso e conhecimento dos players. Desejo que a gente consiga criar espaço para que diferentes visões sejam colocadas, fora das audiências públicas. Para termos conversas claras mesmo, sem armaduras". 

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