"Como realizadora, não quero reproduzir um mundo no qual eu não acredite", diz Dainara Toffoli, diretora de "As Five"

A diretora Dainara Toffoli (Foto: Fábio Audi)

Os dois primeiros episódios da segunda temporada do Original Globoplay "As Five" foram lançados na última quarta-feira, dia 8 de fevereiro, na plataforma. Na nova leva, composta por oito episódios inéditos, Benê (Daphne Bozaski), Ellen (Heslaine Vieira), Keyla (Gabriela Medvedovski), Lica (Manoela Aliperti) e Tina (Ana Hikari) estão de volta e prontas para viver novos dilemas e desafios da vida adulta. Ao longo da história, a série levantará a discussão em volta de temas atuais, como desigualdade social, racismo, orientação sexual, religião e relacionamentos interpessoais.  

Criada por Cao Hamburger e escrita por Luna Grimberg, Maiara de Paula e Maíra Motta, com Vitor Brandt, Íris Junges, Thays Berbe e Thais Fujinaga, a segunda temporada de "As Five", original Globoplay, tem direção artística de Fabrício Mamberti e direção geral de Dainara Toffoli. A produção executiva é de Isabela Bellenzani (Estúdios Globo) e a produção é de Caio e Fabiano Gullane (Gullane Entretenimento). A direção de gênero é de José Luiz Villamarim. 

"Comecei a dirigir a série já na primeira temporada mas, quando entrei, já havia passado o período de pré-produção e as filmagens estavam prestes a começar. Peguei os roteiros numa sexta e, na segunda seguinte, já estava dirigindo. Na época, mergulhei no que já tinha acontecido com as personagens. Conversei com o Belmonte, que era o diretor artístico na época, e também com o Cao Hamburger, criador. Mas minha maior fonte foram as atrizes, além da minha própria intuição. O fato de eu ser mulher e já ter passado por essa idade, ter tido minhas experiências, ajudou bastante. Pegar personagens que já existem e estão completamente formados na cabeça do espectador é uma loucura. No caso de 'As Five' principalmente, que tem um fã-clube tão presente e participativo. Foi um processo de muita escuta e intuição. É sobre olhar, analisar e colocar um pouco da gente, do que acreditamos, ali na cena. Ao mesmo tempo em que as personagens estão numa fase de mutação, não podemos perder as características-chaves de cada uma delas", avalia a diretora geral Dainara Toffoli em entrevista para TELA VIVA. 

As protagonistas de "As Five" são jovens adultas que estão passando por uma fase da vida bastante complexa, marcada especialmente por dilemas e tomadas de decisões. "Nos tempos que estamos hoje, retratar tudo isso é de uma responsabilidade enorme para quem faz e produz entretenimento. Existe uma tendência de que se determinada piada sempre deu certo, ela seguirá sendo reproduzida. E pensar nisso é uma coisa muito importante para mim e para a minha equipe, que é majoritariamente feminina. E isso não é só sobre 'As Five', mas sobre outros trabalhos também", pontua. 

"Quando trabalhei com o Luis Pinheiro em 'Manhãs de Setembro', série que ele assina a produção executiva e a direção, ele dizia sempre que a gente não está aqui para reproduzir um mundo no qual a gente não acredita. Acredito muito nisso e levo esse pensamento pra minha vida. Em momentos de tomar decisões sobre as personagens, sobre o que cabe ou não cabe mais, busco pensar nisso. Eu, como realizadora, vou sempre tentar trazer um retrato da realidade de agora, com mulheres pensadoras, cheias de camadas e inquietações. Anteriormente, as mulheres eram retratadas somente como corpos bonitos e totalmente planos. Mas eu estou sempre atenta para que as personagens femininas que retrato tenham todas as camadas que o ser humano tem. Era comum vermos no audiovisual mulheres coadjuvantes, a serviço dos personagens homens. Ou mesmo quando protagonistas, estavam sempre buscando um casamento, um amor. Claro que tem obras que fogem disso, mas a maioria sempre foi assim. Por isso pra mim o principal é trazer luz para os conflitos dessas personagens mulheres. Essas personagens de 'As Five' vieram de 'Malhação – Viva a Diferença', que já quebrava muito esses padrões. É uma construção que começou lá atrás", reforça. 

Manoela Aliperti, Daphne Bozaski, Ana Hikari, Gabriela Medvedovski e Heslaine Vieira são as protagonistas de "As Five"

Streaming: liberdade e amadurecimento 

Conforme a diretora mencionou, as meninas de "As Five" foram criadas originalmente como personagens de uma temporada da extinta novela "Malhação". No entanto, por conta do sucesso e dos pedidos do público, elas ganharam a série "As Five", um produto Original Globoplay, como spin-off. "O streaming veio para trazer mais liberdade e, para o entretenimento mundial como um todo, trouxe um novo desafio, que vem sendo cumprido. A liberdade maior é a respeito de linguagens, temas complexos. Coisas que não caberiam na TV aberta, por exemplo. A série deve até ganhar uma janela de TV aberta futuramente, mas algumas coisas acabam sendo cortadas para essa exibição. Uma novela é uma obra aberta, é um volume de informação enorme e você precisa negociar com o público o tempo inteiro. O streaming já abre novas possibilidades. Acho que, em relação a longas-metragens, ele ainda não apresenta tantas inovações, embora a gente tenha grandes lançamentos e orçamentos maiores também. Mas, no geral, os longas mais inovadores ainda são aqueles do mercado independente. Mas a HBO, por exemplo, como TV fechada, já inovava nesse sentido. Esse passo é, historicamente, dela. Isso de dar voz aos personagens de curva invertida", afirma Dainara. 

"As séries vieram para ficar e é muito importante vermos produções originais nacionais sendo feitas em plataformas que são brasileiras, como o Globoplay. Ter um streaming brasileiro é muito relevante para nós. Vai além do entretenimento – é uma questão geopoliticamente importante também. Ter esse volume de produção nacional e uma empresa como a Globo sendo tão bem sucedida na sua própria plataforma", destaca. 

A diretora também comenta sobre o "tempo" das séries ser diferente: "Quando estou filmando – e em 'As Five' isso é muito forte – cada movimento de câmera, cada passagem de foco tem que estar contando a história do personagem. Não é em vão. É um segundo olhar que, às vezes, não está no texto, mas que faz o público sentir mais o personagem. Esse tempo agora das 'Five' é mais estendido na segunda temporada do que era na primeira. São tempos que dão mais espaço para o personagem se revelar, para as atuações, para trilha… É um mergulho mesmo. A TV aberta trabalha muito com dispersão, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Na série você tem que pegar o público e não soltar". 

Segunda temporada de "As Five" já estreou no Globoplay; Serão lançados dois episódios por semana

Diversidade como característica fundamental 

As protagonistas de "As Five" são mulheres bem diferentes entre si – há uma mulher negra, uma asiática, uma autista, uma homossexual e uma mãe solo. "É um mérito muito grande do projeto, da criação mesmo. Foi um elenco muito bem escolhido. Essa questão da representatividade é muito importante e urgente no nosso país – por isso fico tão feliz de poder fazer uma série assim. Tem tantas histórias para serem contadas. Algumas eu não serei capaz de contar – terá de ser uma mulher indígena, por exemplo. Mas elas precisam ser contadas. E isso é ainda mais relevante quando falamos de conteúdos para os jovens. Se as produções não refletem a realidade, eles crescem achando que não têm espaço na sociedade, sem espelhos", analisa. "Eu me vejo muito nesse lugar de criar espelhos possíveis. Não sou infalível, claro, mas posso dizer que estou sempre preocupada com isso. A escuta é sempre o caminho. Quero ouvir e saber trazer exemplos melhores e mais próximos da realidade da vida das pessoas", completa. 

Para a diretora, "As Five" é uma série que reforça laços de amizade e amor. "Claro que elas entram em conflito, mas a amizade delas vem sempre em primeiro lugar. É sobre sororidade. São personagens femininas fortes e os homens aparecem orbitando em torno delas", conclui. 

Dainara Toffoli tem uma filmografia marcada especialmente por essas personagens femininas fortes, complexas e cheias de camadas. É dela, ao lado de Luis Pinheiro, a direção das duas temporadas de "Manhãs de Setembro". A série, protagonizada por Liniker e disponível no Prime Video, concorre ao prêmio de Melhor Série Dramática na 34ª edição do Glaad Media Awards, prestigiada premiação voltada à comunidade LGBTQIA+, realizada em Los Angeles e Nova York. Entre os trabalhos recentes da diretora estão também a primeira temporada de "De volta aos 15", estrelada por Maísa e disponível na Netflix, e o longa-metragem "Mar de Dentro". Criado, dirigido e coescrito por Dainara, "Mar de Dentro" lança um olhar sensível sobre o puerpério, período que compreende o pós-parto da mulher até que ela se reorganize com a chegada do filho. O longa, protagonizado pela atriz Monica Iozzi, foi lançado nos cinemas em 2022 e atualmente está disponível no streaming pelo canal do Telecine dentro do Globoplay. 

Outro exemplo do olhar de Dainara está no documentário "Dona Helena"(2006), disponível no Prime Video, sobre a violeira Helena Meirelles, natural do Mato Grosso do Sul, que derrubou preconceitos nas décadas de 1930/40, recebeu elogios de Eric Clapton e chegou a integrar a lista da revista norte-americana Guitar Player entre os 100 melhores guitarristas do mundo.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui