Em abril deste ano, Newton Cannito e Marcilio Moraes, roteiristas e ex-presidentes da ABRA (Associação Brasileira de Autores Roteiristas), se uniram para a criação de um manifesto pela valorização do roteirista nos editais públicos de audiovisual. No texto, eles ressaltaram que, nos editais da Ancine, existe pontuação para diretores e produtores, mas não para roteiristas, como se a experiência desses profissionais simplesmente não importasse – o que, para os profissionais, é algo que precariza toda a categoria.
"Como a experiência do roteirista não é considerada na Avaliação dos Projetos, os produtores, em muitos casos, obrigam os roteiristas menos experientes a aceitar cachês muito baixos, o que degrada a qualidade dos roteiros produzidos. Daí reivindicamos que seja inserida nos editais, em todas as esferas, pontuação para os escritores do audiovisual, medida urgente que não apenas fará justiça ao trabalho fundamental destes profissionais, mas também será decisiva para a melhoria da qualidade da nossa produção artística", diz um dos trechos do manifesto.
Em entrevista exclusiva para TELA VIVA, Cannito voltou a falar sobre a urgente demanda pela valorização dos roteiristas do audiovisual – que ele, inclusive, luta para que sejam chamados de "autores", e não somente "roteiristas". Ele explicou: "Nós, autores, enfrentamos uma precarização cada vez maior. A inteligência artificial é legal, é impressionante as coisas que ela consegue fazer. Acho que até nós autores podemos usar algumas ferramentas. Mas a criação humana é mais interessante. Eu duvido que a IA conseguirá fazer o que nós fazemos. Não tem como ela chegar na imprevisibilidade que é a vida real. A vida acontecendo é imprevisível, e só os artistas conseguem captar isso. Todo meu trabalho parte da crença de que o ser humano tem que virar um artista da própria vida. A vida por si só é uma obra de arte".
O roteirista prosseguiu: "Nesse sentido, é chocante como estamos sendo desvalorizados. O roteiro é mais do que uma área técnica. Ou a indústria entende que realmente somos artistas e temos que ser valorizados, preservados e munidos de condições de executarmos nosso trabalho, ou as coisas vão ficar muito chatas, dominadas por um monte de robôs. Narrativas criadas por robôs são narrativas sem humanidade. Temos que tomar decisões civilizatórias. É uma questão que vai além de políticas de cinema. Começa alguns passos atrás".
Cannito lembrou que, no início de sua carreira, eram poucos os lugares para os roteiristas trabalharem, o que era ruim. Mas, por outro lado, a parte boa era que essas empresas davam condições "reais e ótimas" para os autores criarem. "Hoje não temos condições mínimas de estabilidade", reforçou.
"As empresas precisam confiar nos artistas. Desde o começo da minha trajetória, sempre defendi salas de roteiro grandes, diversas, com diferentes pontos de vista. Isso é positivo e sou super a favor. Mas outra coisa é ter um monte de gente nos controlando, como se fosse um trabalho coletivo. Criar junto é diferente de controlar. Vejo na indústria mais medo de dar errado do que vontade de dar certo. É uma área de risco mesmo, precisa arriscar. Mesmo quando a Globo era monopolista, no sentido de ser uma das únicas empresas do mercado, ela dava liberdade para os artistas. É necessário entenderem que tem que dar liberdade pro artista e, se der errado, o demite e contrata outro. É assim que funciona, não tem problema", argumentou.
Por fim, Cannito chama a atenção para o fato de que, hoje, jovens roteiristas aceitam condições precárias de trabalho exclusivamente porque nunca pensaram que poderia ser diferente. "São pessoas mal pagas e com poucas condições de exercerem seu poder criativo real. Com o streaming, achávamos que as coisas seriam mais democráticas e inovadoras, mas hoje vemos que não foi bem assim. A indústria precisa entender que o audiovisual é uma área de risco mesmo, e que assumir esse risco passa por dar espaço para os autores criarem", concluiu.