A produtora Café Royal, dos sócios Moa Ramalho, Adriana Tavares, Georgia Guerra-Peixe (Joca), Julio Hey e Luiz Villaça – os dois primeiros produtores executivos e os outros três diretores – abriu as portas em 2019, somando as expertises e os diferentes perfis do time envolvido, abrangendo as áreas de publicidade, teatro e cinema, entre outras.
"Quando montamos a produtora, achamos legal essa mistura de publicidade com entretenimento porque achamos que isso podia oxigenar os dois lados. A convivência da turma da publicidade com o pessoal do teatro, do cinema e da ficção oxigenava muito nossos diretores, e vice-versa. Sempre quisemos montar uma produtora que conversasse com todos os lados do audiovisual. Naturalmente, a publicidade tem um giro mais rápido, então no primeiro mês da produtora já estávamos filmando. No entretenimento, fomos desenvolvendo projetos e montando salas de roteiro. Foram alguns anos investindo e, desde o ano passado, estamos colocando projetos na rua. Esperamos em dois anos ter uma fonte de receita equilibrada dos dois lados. Gostamos muito do desenho atual, com esse mix", contou Moa Ramalho, sócio e produtor executivo, em entrevista exclusiva para TELA VIVA.
Redesenho do mercado publicitário
O profissional tem uma larga experiência na publicidade – é membro do Conselho da APRO, associado SIAESP, árbitro na Câmara Nacional de Arbitragem e Mediação na Comunicação, membro do Conselho Consultivo do Objetiva Instituto de Desenvolvimento do Audiovisual e já participou da diretoria do ECINE – e, a partir desse ponto de vista, faz uma análise do momento atual: "O mercado publicitário, independente das questões de governo, está num redesenho de seu modelo de negócio de maneira bastante ampla, envolvendo clientes, agências e produtoras. As agências estão ficando enxutas, as produtoras estão tendo contato direto com os clientes e eles, por sua vez, estão contratando pessoas do nosso lado do balcão. Vamos entender daqui uns três, quatro anos como esse desenho se reconfigurou. Estou muito atento a isso. Quem hoje conseguir olhar para o lado certo, lá na frente vai se dar bem".
Para ele, o modelo atual é insustentável. "Os clientes diminuíram as verbas drasticamente. Os filmes hoje contam com metade da verba que tinham antes. A expectativa pela qualidade é enorme. E os filmes ficam menos tempo no ar. As verbas da publicidade foram pulverizadas. Antes, tinha verba do filme para a TV. Hoje, essa verba vai pro evento, pro 'BBB', pras ativações, se espalhou pelo digital e os influenciadores. Temos que repensar a maneira de trabalhar e de produzir e como se adequar às novas realidades de verbas e demandas", avaliou.
Ramalho acredita que o futuro desse mercado passa pelas produtoras cada vez mais próximas dos clientes e das agências, "um movimento que já acontece, às vezes concriando com agências e clientes, propondo projetos e caminhos também", explicou. "E isso vai acontecer cada vez mais. No passado, era uma cadeia muito determinada. A gente ficava distante da criação e do cliente. Agora, estamos cada vez mais perto", ressaltou.
Outro caminho inevitável que ele aponta é uma convergência cada vez maior entre a publicidade e o entretenimento, uma vez que as marcas querem cada vez mais contar histórias, e não exibir meramente filmes comerciais: "Mas ainda vejo poucas marcas que conseguem se apropriar disso com legitimidade, com verdade. Algumas tentam usar, mas de maneira um pouco leviana. Temos que avançar nesse sentido. Quando vejo isso, ainda acho que tem muita cara de publicidade. Algumas marcas se posicionam melhor do que outras. É uma evolução. Vejo o que acontece dentro das agências: o cliente tem esse desejo dentro do conteúdo, do storytelling, mas os publicitários são os mesmos que criavam a publicidade que a gente conhece de anos atrás. Também tem que ter uma virada geracional. Aí sim essa roda vai girar".
A entrada de novas vozes é um dos caminhos que o produtor enxerga para essa criação de publicidades com storytelling mais "verdadeiras": "É essa mistura de vozes de gente mais nova e também vindas do entretenimento. Sei que as agências procuram esses profissionais. Hoje elas estão enxutas, trabalhando com freelancers, então abre espaço para profissionais que desenvolvem um trabalho mais ligado à narrativa em vez daquele 'diretorzão' de sempre".
Diversidade é lição de casa a ser feita
Nesse sentido, vem à tona a questão da diversidade. "Esse caminho de trazer novas vozes passa não só por trazer pessoas mais jovens, mas também de grupos mais diversos", enfatizou Ramalho. Mas o produtor reconhece que há uma trajetória longa pela frente. "Em algumas reuniões com agências e clientes, onde eles estão justamente exigindo que o casting do filme seja diverso, o próprio time que participa da reunião não reflete essa diversidade. Ou seja, tem uma lição de casa a ser feita ainda. É trazer mais diversidade atrás das câmeras, e não só no que chega para o consumidor. Na Café mesmo, estamos nos letrando, aprendendo, abrindo espaços que antes não existiam. Estamos bem atentos, tentando reparar esse passado. Também temos muito para avançar. Mas, desde o início, temos essa preocupação. É importante para nós", garantiu. E ele sabe que a mudança começa com passos pequenos.
A Café Royal teve como primeira sede uma casa no Alto de Pinheiros. Mas rapidamente os sócios perceberam que, apesar de ser um lugar legal, era ruim para a maioria dos funcionários, uma vez que não tinha tanto acesso de transporte público e as opções de alimentação nas redondezas eram poucas e muito caras. "Aí decidimos ir para o centro da cidade, numa tentativa também de participar dessa efervescência que existe hoje, desse trabalho de recuperação. Hoje, estamos num prédio histórico, mais seguro, por incrível que pareça, onde as pessoas conseguem chegar de transporte público e tem alimentação para todos os gostos e de todos os preços. "Foi uma mudança já pensando no social das pessoas que trabalham com a gente. E só o começo de um longo processo nesse sentido que queremos investir. Temos esse desejo de nos inserirmos nos movimentos sociais e culturais do centro. O mais fácil seria fazer uma doação em dinheiro, mas não queremos. A ideia é usar nossa experiência e força de trabalho para ajudar. Se cada um fizer um pouquinho, a gente vai resolvendo".
"Esse caminho de trazer novas vozes passa não só por trazer pessoas mais jovens, mas também de grupos mais diversos"
Moa Ramalho, sócio e produtor executivo da Café Royal
Responsabilidade social
Pode-se dizer que o compromisso social é um dos pilares da Café Royal, que tem desenvolvido uma série de ações buscando mudanças dentro e fora da empresa. Durante a pandemia, por exemplo, 1% do faturamento da produtora foi doado para o Sindcine, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual, que estavam impossibilitados de trabalhar no período.
Outra ação de destaque, esta mais voltada à sustentabilidade, é uma parceria com a ONG Amigos da Floresta na qual a cada filme publicitário feito pela produtora, 20 árvores são doadas por meio da organização, que emite um certificado de reflorestamento com o nome do cliente e da agência daquele filme. Já foram mais de 900 árvores plantadas ao longo de um ano e meio de iniciativa. "Estamos nesse movimento de olhar para um set sustentável também, buscando diminuir um pouco nossa pegada de carbono nos processos de produção e filmagem, que ainda impactam muito o meio ambiente. É mais difícil do que pensávamos e envolve mudanças na dinâmica de trabalho. Ligar o automático é mais fácil, mas a gente polui mais", afirmou Ramalho.
A Café mantém ainda uma parceria com outra ONG, a Cidade Invisível, há dois anos. Entre outras ações, eles fazem a produção gratuita dos filmes de campanha para arrecadar agasalhos e distribuir alimentos no centro da cidade da ONG.
Dentro da produtora, destacam-se as rodas de conversa com pessoas de diferentes comunidades, raças, gênero, sexualidade e etnia para trazer "letramento e visões diferentes", segundo o produtor. São rodas mensais, cada uma com foco em um tema diferente.
E entre as principais novidades, está a "Safe Space", iniciativa que está sendo implantada na produtora. A ideia é criar uma plataforma que, como o próprio nome diz, seja um "lugar seguro", onde qualquer pessoa que está trabalhando e se sinta assediada, agredida ou desconfortável por alguma razão pode entrar e fazer uma denúncia, seja ela anônima ou não. "Estou ansioso para ver isso funcionando e acho que será um passo legal. Acho que essa atuação anti-assédio cabe a todos nós. Seremos a primeira produtora do mercado a usar esse serviço. Vamos ver se funciona e, aí, levar para a APRO, para que ela nos ajude a divulgar e ofereça a outras empresas também. É um espaço para a pessoa desabafar e contar o que está acontecendo. Garantimos que um responsável irá cuidar disso, receber a denúncia e dar um retorno. Temos comitês para receber essas denúncias. Se é um caso de machismo, por exemplo, vai para um comitê de mulheres da produtora, e não para os sócios homens. Tem vários filtros interessantes para não cairmos em erros assim, da denúncia chegar em alguém que esteja diretamente envolvido no caso. Vai ajudar quem se sente assediado ao mesmo tempo que intimida quem tem comportamentos desse tipo a continuar agindo assim", contou.
Projetos em andamento
A preocupação social da produtora acaba, de certa forma, refletida nos projetos. Julio Hey por exemplo, um dos sócios, tem um forte trabalho documental, com filmes ligados à espiritualidade e humanidade. No ano passado, ele lançou "Samadhi Road", onde entrevistou pessoas acima de 70 anos do mundo inteiro – no Brasil, o Gilberto Gil – para entender um pouco sobre como é esse momento da vida. Em um outro documentário, "Do Amor Ninguém Foge", ele retrata a imersão de dois irmãos na realidade de um sistema carcerário brasileiro que trabalha na recuperação dos detentos por meio de um método humanizado, que permite que o sistema funcione sem a presença de agentes penitenciários ou armas.
Outros projetos já lançados pela produtora são o documentário "Nossa Pátria Está Onde Somos Amados", dirigido por Felipe Hirsch, em parceria com o Museu da Língua Portuguesa, que foi exibido no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de SP; o filme "45 do Segundo Tempo", dirigido por Luiz Villaça e protagonizado por Tony Ramos; e o curta "Coletânea de Histórias Extremamente Curtas", dirigido por Pedro Fraga Villaça e selecionado para o 33º Curta Kinoforum.
Atualmente, a Café está produzindo "Angicos", filme sobre Paulo Freire com Wagner Moura no papel principal, dirigido pelo Felipe Hirsch. A ideia é filmar entre o final do ano e o começo do próximo. Há ainda uma série para o GNT, um projeto em desenvolvimento para a Netflix e um filme sobre as atletas do basquete Paula e Hortência, com direção de Georgia Guerra-Peixe (Joca), que encontra-se em fase final de captação de verbas para entrar em produção em 2024.
Outra novidade anunciada nesta semana é "Amor Radical", novo documentário de Julio Hey sobre o ativista, educador, autor e ex-monge Satish Kumar. O filme, previsto para estrear em 2024, retrata a jornada de Satish em busca de políticas mais justas, economias não-violentas e um modelo de educação ecológico e regenerativo.
"Nossos projetos não têm necessariamente uma sinergia de temas, mas, sim, de brilho no olho. Nessa lista de novos projetos está o projeto da vida de cada um dos nossos diretores. Essa é a alma comum da produtora. Não são projetos só para tirar da gaveta. Tem muita vontade e envolvimento", finalizou Ramalho.