Apenas 35,2% dos roteiristas conseguem atuar exclusivamente como profissionais da área

Em sentido horário: André Mielnik, Thaís Olivier, Mariana Paiva e Paulo Marcelo do Vale (Foto: Divulgação)

A Associação Brasileira de Autores Roteiristas (ABRA), principal entidade representativa dos profissionais no País, realizou um mapeamento inédito sobre quem são e como trabalham suas associadas. "Pela primeira vez, os roteiristas brasileiros e a ABRA dispõem de dados sobre quem são e quais são suas condições de trabalho", afirmou o roteirista e produtor André Mielnik, presidente eleito para a gestão de roteiristas voluntários do biênio 2023-2025 da ABRA. 

O mapeamento foi realizado pela gestão anterior, em um momento em que a diretoria 2021-2022 entendeu que ter um retrato da classe no Brasil seria fundamental para orientar a associação em suas diretrizes e ações. De lá pra cá, a situação dos roteiristas no Brasil mudou bastante, e especialmente após a greve da classe nos Estados Unidos, algumas demandas ficaram ainda mais latentes. 

"O audiovisual brasileiro vem passando por muitos desafios por décadas. E isso tem um impacto direto na categoria de autores-roteiristas. Precisávamos mergulhar na pluralidade das pessoas que compõem a classe profissional para planejar o presente e o futuro. Foi este o objetivo do mapeamento: permitir que nós, roteiristas, tenhamos um panorama claro sobre quem somos para sabermos para onde deveremos caminhar em prol de uma sociedade e uma associação mais justa", definiu a conselheira eleita para o biênio 2023-2025, Mariana Paiva, que coordenou o levantamento na diretoria de associadas da ABRA ao longo do ano de 2022.

A iniciativa foi realizada por meio de pesquisa com 462 associadas da ABRA, por meio de metodologia qualitativa, no período de 26 de setembro a 16 de outubro de 2022. É importante pontuar que, no período, os roteiristas já enfrentavam algumas questões sensíveis, como os complexos contratos com as plataformas de streaming, especialmente as estrangeiras. 

Precarização da profissão  

Os dados são alarmantes. Segundo o levantamento, 63% dos roteiristas são autônomos e apenas 35,2% conseguem atuar exclusivamente como profissionais da área. Além disso, 37,9% disseram que já tiveram créditos como autor omitidos ou aplicados de forma errônea.

De maneira geral, os dados mostram a precarização da profissão do autor nas últimas décadas. Atualmente, roteiristas e outros autores do audiovisual, como diretores e intérpretes, não são remunerados pela exibição de suas obras em diferentes telas, ao contrário do que ocorre em outros países como Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e França. A ausência de direitos de remuneração foi inclusive tema de Carta do 9° Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual, finalizado nesta semana, e de uma manifestação da ABRA durante o evento. "Se a gente não der condição desse roteirista viver do seu ofício nós não vamos conseguir continuar esse ecossistema com a pujança que ele deveria ter pra contar a história desse País", disse Mielnik durante o Congresso.

"A precarização do autor roteirista influencia de forma negativa toda a cadeia do audiovisual, já que o texto é o fundamento de toda realização. O efeito é sentido na ponta quando o público não se vê atraído pelas produções nacionais. Políticas públicas que valorizam quem enfrenta a tela em branco, como o justo pagamento de direitos autorais, são benéficas para todo o setor e, consequentemente, para a sociedade, que ganha com o audiovisual de qualidade", pontuou o diretor de relações institucionais eleito, o roteirista Paulo Marcelo do Vale.

Falta de diversidade  

Em relação à diversidade, o mapeamento revela que roteiristas nascidos nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo juntos somam 64%. Seguido por Minas Gerais, com 4,9%; Rio Grande do Sul, com 4,5%; e Bahia, com 4,2%. Em relação ao estado de residência, a concentração é ainda maior: 81% dos roteiristas moram no eixo Rio-SP, mostrando uma grande migração dos profissionais para esses grandes centros.

Na pesquisa, 51% dos profissionais declararam-se homens, enquanto mulheres cis, 45,1%. Já pessoas não-binária, travestis, mulheres e homens transgêneros somam 2,67% dos roteiristas da associação. Pessoas negras são apenas 8,9%, pardas 10,2% e amarelas 2%. Nenhum indígena foi registrado. E apenas 0,9% declaram-se PCD.

"A falta de diversidade étnica, de gênero e regional é uma realidade em toda cadeia da indústria audiovisual e exige permanente debate e acompanhamento. No caso da ABRA, agora temos um mapeamento que permitirá planejar e avaliar medidas para reverter esse quadro, algo raro no setor", apontou a roteirista Thais Olivier, eleita vice-presidente da associação. "Vivo na zona da Mata de Minas Gerais, sei como é difícil estar fora do eixo. Há uma crença de que não há mercado audiovisual fora do eixo Rio-SP, mas nós existimos e estamos fazendo cultura há anos. E a ABRA reconhece e seguirá lutando por isso, seja garantindo uma remuneração justa, seja brigando por mais recursos descentralizados", completou.

Segundo a nova diretora de associadas da entidade, a roteirista e dramaturga Vana Medeiros, nos últimos meses a ABRA já registra uma maior diversidade em termos de território. Dentre as últimas 100 associadas, 38 residem fora do eixo RJ-SP. "Trabalharemos agora em um sistema mais moderno de automação para novas filiações e de administração dos dados da associação a fim de criar métricas e metas de inclusão de novas pessoas", adiantou. 

Próximos passos 

O processo de automação já está sendo utilizado de maneira inédita na administração financeira da entidade. Marcela Macedo, diretora financeira, destacou: "O novo sistema implementado resultou em um aumento de 33% na arrecadação semestral da associação. Ainda há um longo caminho para conseguirmos financiar todas as ações desejadas pela atual gestão, mas seguimos sensibilizando cada vez mais as associadas sobre a importância das contribuições e, em paralelo, buscamos novas fontes de recursos". 

Por fim, Valéria Motta, diretora de comunicação, salientou: "Queremos que a ABRA chegue em lugares que ainda não chegou, para isso vamos buscar mais parcerias com eventos do mercado de todas as regiões do país. É fundamental espalhar a importância da cultura associativa na luta por direitos e melhores condições de trabalho". 

Confira aqui a formação da nova diretoria eleita da ABRA, composta por roteiristas voluntários: 

Presidente: André Mielnik 
Vice-Presidente: Thaís Olivier 
Diretora de Comunicação: Valéria Motta 
Diretora Financeira: Marcela Macedo 
Diretora de Associadas: Vana Medeiros 
Diretor de Relações Institucionais: Paulo Marcelo do Vale

2 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui