Angry Duo produz videoclipes autorais e luta pela representatividade PCD no mercado

Gabe Maruyama e Bruno Silva formam o Angry Duo (Foto: Divulgação)

O Angry Duo é formado pela dupla de diretores de cena Bruno Silva e Gabe Maruyama – diretora PCD, revelação em direção pelo MVF e premiada internacionalmente. O trabalho dos dois se destaca pela autoralidade, com obras que expressam coisas que eles estavam vivendo naquele momento. Por isso, eles buscam criar todos os projetos, e não somente dirigir. 

"Nossos clipes são autorais e, para nós, a arte desempenha um papel fundamental na expressão do que estamos vivendo como sociedade. Acreditamos que a música e a imagem têm o poder único de transmitir emoções e contar histórias de uma maneira única e impactante. Ao criar nossos próprios clipes, temos a oportunidade de traduzir as experiências e emoções que inspiraram a música para um formato visual autêntico, ou trabalhar as imagens de forma independente criando uma história que sobrepõe a música. Isso é o que chamamos de curta musical", pontuam os diretores em entrevista exclusiva para TELA VIVA. 

Antes de começarem a dirigir videoclipes, Gabe trabalhou muitos anos com criação e fotografia com Klaus Mitteldorf e Bruno atuou em diversas produtoras do mercado, nas áreas executivas e de produção. Em 2015, os dois estavam morando no centro de São Paulo, e a atmosfera de cidade grande os inspirou na criação do primeiro clipe do duo, "Are you from this land?". O clipe foi feito no estilo Dogma 95, utilizando as luzes reais e formas da cidade. "Apenas com nossa câmera e lentes anamórficas, projetamos outra visão da maior metrópole da América Latina: a percepção de que todos estão sempre atrasados, estressados e vivendo em seu limite. O videoclipe, feito sem muita pretensão, ultrapassou barreiras e nos trouxe muita visibilidade, tendo concorrido em grandes festivais", contam. "O que nos uniu como dupla foi essa vontade e necessidade de criar, e foi muito natural a forma como aconteceu. Nós moldamos as ideias um do outro e usamos nossos talentos de maneiras diferentes em cada projeto", afirmam. 

No portfólio, ainda estão obras como "Xondaro Ka'aguy Reguá" ("Guerreiro da Floresta"). O projeto começou como um curta mas, por ser muito segmentado, evoluiu e se transformou em música para, segundo os diretores, ter um alcance maior. O trabalhou virou uma obra de arte e foi exibido em museus internacionais – como o Dauphinois, na França – e nacionais – como o Museu da Língua Portuguesa – e foi utilizado em livros da educação pública. Em 2024, estará no Welt Museum, em Viena, Áustria. A lista segue com "Ameaça Alienígena", para Lux 4 Attack; "Gucci Wallet", para NANA & $kar; e a animação "Contigo como Lontra", para o cantor e compositor Gohu. 

"Em um mundo saturado de estímulos visuais, o videoclipe pode ser mais do que um complemento estético à música. Pode ser um veículo narrativo significativo para transmitir mensagens profundas e urgentes. Além disso, nós tratamos cada frame como um quadro, uma obra de arte que você pode pendurar na parede. E assim nossa arte foi parar em paredes de grandes museus nacionais e internacionais, livros e galerias de artes", analisam. 

Representatividade 

Como PCD, Gabe Maruyama luta pela inclusão no meio audiovisual. E, segundo ela, ainda não existe espaço para as pessoas com deficiência no mercado. "Nada mudou sobre inclusão. A representatividade não vem de um lugar real, onde se respeita o lugar de fala. No mercado publicitário, vejo muitas campanhas que utilizam a imagem das pessoas com deficiência como forma de comover e gerar conexão, mas pouco se faz nos bastidores para mudar a realidade desse grupo de quase 45 milhões de pessoas, onde 1% apenas se encontra inserido no mercado de trabalho. No exterior, campanhas retratando o público PCD foram campeãs em premiações, porém, no Brasil, ainda estamos ultrapassados no assunto. O capacitismo é uma realidade presente na vida da pessoa com deficiência, e por diversas vezes eu infelizmente passei por situações de preconceito no meio audiovisual e tive que ser muito forte para passar por cima de todas", relembra. 

As situações de capacitismo acabaram a inspirando na criação do videoclipe "A chuva vai descer", da Banda Norte, que segundo a diretora, foi muito receptiva com o assunto e topou na mesma hora. Isso culminou em uma série de dois videoclipes. O próximo está em fase de finalização e irá abordar os PCDs e as relações amorosas. 

"Nesse curta, a conexão entra a música e a história é mais sensorial. A filmagem foi realizada em São Paulo, com o apoio de muitos parceiros, e pudemos retratar o preconceito contra pessoas com deficiência chamado capacitismo. Mas nossa história não se limita a esse grupo. Todas as pessoas que de alguma forma estão fora do 'padrão' estipulado pela sociedade podem se identificar com nossa personagem. Olhares preconceituosos externos alteram a maneira que a nossa personagem se enxerga. O espelho é a nossa metáfora, mas também fala sobre uma busca interna de identidade, de continuar e olhar na direção do que realmente importa", detalha Silva. "Compartilhar essas experiências nos torna vulneráveis, contudo reconhecer-nos vulneráveis é libertador, pois aprendemos que muitas coisas que tememos não podem mais nos destruir", ressalta Maruyama. 

Essa foi a primeira vez em que a Gabe se apresentou sem prótese. "O que nós traz muita reflexão, pois apesar de todo seu talento, ela só conseguiu espaço no mercado como diretora após construir a sua própria prótese. Reflexo de como ainda o meio audiovisual e publicitário ainda é uma bolha cheia de tabus e preconceitos. Hoje, vemos muitos filmes com representatividade nas telas, mas não dar espaço para esse grupo atrás das câmeras é incongruente e contraditório", defendem. 

Mercado de videoclipes

Apesar do segmento de videoclipes estar mais aberto a experimentação, os diretores reforçam que o Brasil está muito segmentado, e que o que vai ou não fazer sucesso está relacionado aos views. "É muito mais fácil um projeto autoral artístico ser valorizado no exterior", dizem, usando como exemplo o próprio projeto do duo, "Xondaro Ka'aguy Reguá", que levou mais de 20 prêmios por diversos países em quase todos os continentes. 

E ainda analisando esse mercado, o duo acredita que o cenário para os videoclipes se reinventou. Depois de um "boom", especialmente quando existiam canais na TV especializados nesse tipo de programação, o formato esteve em baixa, e depois se recuperou: "Hoje as pessoas querem música com imagens e filmes. Com a internet, essa associação está cada vez mais latente. Não existe mais música sem imagem e o público já espera que os músicos lancem álbuns visuais. Virou uma coisa só, e o alcance está muito maior e muito mais democrático". 

Publicidade e próximos projetos  

Bruno Silva e Gabe Maruyama afirmam que não consideram os videoclipes como um trabalho. "São nossas expressões artísticas. Expressamos neles nossos sentimentos e a mensagem que queremos deixar para as próximas gerações", definem. "Nosso trabalho é a publicidade. Estamos desenvolvendo projetos muitos legais na área, fora dos padrões e focados em social. Mas além disso, temos outros projetos em andamento na área de conteúdo: uma série teen de criação da Gabe, um livro de autoria do Bruninho e artes para uma grande exposição no Mab da FAAP em 2025, com obras imersivas, em parceria com Klaus Mitteldorf", adiantam. 

Além disso, o duo acabou de lançar um filme para o maior time de games do Brasil, a Loud, todo feito com inteligência artificial. O próximo videoclipe é a história real sobre PCDs, conforme contou Maruyama, e também para 2024 está nos planos da dupla um projeto de crítica social. "Temos um roteiro muito forte. Talvez seja um curta, um case ou um clipe. Ainda estamos estudando". 

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