Neste artigo faço uma observação da nova Lei Geral de Licitações nº 14.133/21 – que substitui a Lei 8.666/93 – sob o ponto de vista da cultura, sem querer esgotar o tema ou fazer qualquer interpretação jurídica. Em sua abrangência, a lei atinge órgãos federais, estaduais, municipais, fundos especiais e entidades controladas direta e indiretamente pela Administração Pública. Uma novidade é que agora, além do preço, a natureza do objeto, passa a definir qual será a modalidade licitatória; as empresas estatais não ficam submetidas a esta legislação; e os concursos passam a ter como critério a melhor técnica ou conteúdo artístico.
A antiga Lei 8.666/93 conhecida por atender a demanda da construção civil, sempre engessou os editais das Pastas da Cultura e tornou as prestações de contas dos projetos uma saga épica a ser cumprida, devido as intermináveis etapas dos processos licitatórios não conversarem com a realidade da produção cultural. A nova Lei 14.133/21, segue contemplando as mesmas questões afeitas à engenharia, com algumas melhorias, como a de agregar novas modalidades, critérios de julgamentos, e a inclusão dos objetivos de inovação e de desenvolvimento nacional sustentável.
Das modalidades previamente existentes, foram extintas a tomada de preço e o convite. Ficaram como modalidades de licitação: o pregão; a concorrência; o concurso; o leilão; e o diálogo competitivo. No inédito diálogo competitivo é feita uma conversa prévia com os licitantes, antes de definir o objeto do certame. Os concursos com as condições definidas em edital, estão previstos para o trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, para a concessão da premiação. Na sua totalidade, os critérios de julgamento, agora são: o de menor preço; maior desconto; melhor técnica ou conteúdo artístico; o de técnica e preço; e o de maior lance, no caso de leilão; e por fim o de maior retorno econômico.
Em resumo, a Inexigibilidade de Licitação prevê: aquisição de materiais e de serviços que só possam ser fornecidos por produtor exclusivos; a contratação de profissional do setor artístico, diretamente ou por meio de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; o de serviços técnicos especializados de natureza intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; entre outros. Quanto à Dispensa de Licitação, aplica-se à cultura a aquisição e restauração de obras de arte e objetos históricos.
Está claro que todo o arcabouço de fomento à cultura brasileira criado nos anos 90, caducou. Os editais são regidos por uma Lei de Licitações que não dialoga com uma produção econômica que muitas vezes está assentada em critérios de avaliação intangíveis, como é o caso da economia da cultura. Por isto, torna-se impossível adotar modelos de políticas deste ou daquele país, se não houver a construção de uma legislação que reflita a amplitude das dimensões culturais.
Uma leitura da Lei 14.133/21, demonstra que o certame licitatório continua sem contemplar as ações, os projetos, as políticas públicas existentes na área da cultura. O grande desafio para os legisladores permanece sendo o de objetivar algo que é totalmente subjetivo, como a criatividade e as expressões artísticas, as linguagens, os saberes e fazeres tradicionais. Em referência a isto, cabe lembrar que, em 2007, o Brasil ratificou a Convenção pela Diversidade Cultural da Unesco, que justamente aplicou a doutrina da exceção cultural, que define que a cultura tem natureza particular, não podendo ser classificada apenas pelos seus aspectos comerciais, pois refletem a identidade de um país.
A economia e a cultura não atuam de formas estanques, pelo contrário, somente é possível desenvolver a economia de um país, se todos os setores estiverem contemplados por uma política nacional de fomento e incentivo à cultura, que estimule toda a sua cadeia de valor. Entretanto, não podemos esperar por uma fórmula pronta. Somente uma abordagem centrada no diálogo aberto, inclusivo, transversal e equitativo, pensada a partir de um cenário criativo e social em constante transformação, pode trazer uma legislação que nos represente.
A Cultura tem o poder de transformar as sociedades, o setor cultural está maduro para construir, em todas as esferas e entes federados, um projeto de lei que promova um ambiente de estímulo à criação e ao desenvolvimento cultural sustentável, garantindo seu papel legitimo nas estratégias e nos processos de crescimento do nosso país.