"Depois a Louca Sou Eu", de Julia Rezende, faz um retrato geracional sobre ansiedade

Um dos temas mais importantes da contemporaneidade, a ansiedade dita o rumo dos millennials. O assunto é abordado em "Depois a Louca Sou Eu", o novo filme de Julia Rezende que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, dia 25 de fevereiro. A comédia dramática foi produzida por Mariza Leão, com coprodução da Globo Filmes e Miravista, e conta com distribuição da Paris Filmes e Downtown Filmes e codistribuição da Simba Content. 

Na trama, a inquieta Dani, interpretada por Débora Falabella, precisa lidar com crises de ansiedade que a acompanham desde a infância. Hábitos rotineiros como ir a uma festa, viajar ou aceitar um novo emprego acabam se tornando desafios para a jovem, que só queria levar uma vida normal, mas se depara frequentemente com seus medos e angústias. O roteiro assinado por Gustavo Lipstzein foi adaptado a partir do sucesso literário homônimo e autobiográfico da escritora Tati Bernardi, lançado em 2016. Assista ao trailer:


Em coletiva de imprensa virtual, a diretora Julia Rezende relembrou suas parcerias anteriores com a escritora Tati Bernardi, em "Meu Passado me Condena" 1 e 2, e comentou: "Esse livro é a história da nossa geração, onde estão todos medicados e tentando lidar com a ansiedade. A Tati retrata com humor uma história que é muito dramática. A protagonista é uma mulher forte, que está tentando sobreviver a si mesma. Apesar de todas as dificuldades, da angústia que a paralisa em muitos momentos, ela está sempre indo em frente". Rezende refletiu ainda sobre os desafios de adaptar uma obra literária para o audiovisual: "O livro tem uma personagem bem definida que passa por muitas situações diferentes – não é uma narrativa linear, com começo, meio e fim. Nosso roteirista construiu um roteiro vertiginoso, frenético em muitos momentos. Foi muito desafiador adaptar aquele texto para o cinema, apesar dele já propor algumas linguagens e caminhos possíveis". 

A atriz Débora Falabella, também presente na coletiva, afirmou que já tinha lido o livro e que é fã da maneira como a Tati Bernardi escreve: "Quando conheci a história, tinha uma imagem da Tati como a personagem principal, afinal ela era a autora. Fiquei tentando assisti-la, entender seu humor. Mas quando li o roteiro do filme, entendi que seriam duas personagens diferentes. Eu não precisava ser uma cópia dela ou dar vida a alguém que já existia. Então, fui criando a personagem de acordo com os outros atores, com as relações da Dani, e aí ela foi surgindo muito forte. E pelo pouco que o filme foi visto – no Festival do Rio e na Mostra de Cinema de São Paulo – já deu pra sentir uma grande identificação por parte do público com a personagem. E eu me sinto bem com isso". 

No papel de Gilberto, namorado de Dani, o ator Gustavo Vaz analisou seu personagem: "Ele parte de um contraste – é um psicanalista ansioso, o que já o coloca num lugar cômico. O caminho dele foi estar nesse lugar de vulnerabilidade. O encontro entre esses personagens é um encontro de angústias, e é muito bonito de ver. É quando eles descobrem que não estão sozinhos no mundo. E uma das funções mais importantes da arte, inclusive, é esta: criar essa sensação de pertencimento. Os personagens não são perfeitos, enfrentam uma trajetória de tentativa. Essa é uma das grandes forças do filme". 

Já Yara de Novaes, que faz a Silvia, mãe de Dani, disse que o ponto de partida de criação da personagem foi ela mesma. "Eu sou mãe e sei que, depois que os filhos crescem, começam a lidar com você como se você fosse dizer uma bobagem a qualquer momento. Existe um conflito para lidar com todas as nossas fragilidades. Ele evoca mais nossas fragilidades do que as certezas", pontuou. Na história, a mãe de Dani é uma figura superprotetora que não hesita em se intrometer na relação entre a filha e Gilberto. Muito amorosa, ela também é insegura, medrosa e obsessiva com a filha, e acaba transferindo e projetando todo esse medo na Dani, que absorve isso. A Silvia ama a filha, mas esse amor é tão sem medida que passa a ser nocivo e um pouco tóxico. Aos poucos, cabe a Dani colocar limites nessa relação. 

Estética 

O filme faz uso de diversos recursos, como narração, voice over, hipertexto e animação, além dos flashbacks entre a Dani criança, adolescente e adulta e das cenas que acontecem somente na cabeça da protagonista, especialmente durante suas crises de ansiedade. "Sempre imaginei esse filme com uma estética pop", revela Rezende. "95% das cenas foram feitas com lente 24, que traz essa sensação de desconforto, com a câmera sempre muito perto do rosto dos atores. Isso contribuiu para o sentimento que quem assiste tem de entrar na cabeça da personagem. Focamos muito nos detalhes de coisas que ela está vendo, coisas que ninguém mais está percebendo", acrescenta. 

A diretora conta que a escolha de cores predominantes foi um caminho interessante apontado com a direção de fotografia (Pablo Baião) e a direção de arte (Fabiana Egrejas). "Todos os momentos em que a Dani está em crise existe um elemento vermelho na cena, como signo de algo que a paralisa. Já o verde é usado como signo de momentos em que ela está mais à vontade, conseguindo viver com mais liberdade", detalha. As duas cores também aparecem no cartaz do filme. 

A produção utilizou mais de 70 locações e trocas de figurino. Há flashbacks e cenas muito curtas, microcenas, de menos de cinco segundos. "A pós-produção do filme é um dos seus destaques. A finalização liderada pelo Thiago Pimentel foi muito trabalhosa. A parte gráfica também. É um filme bordado em seus detalhes. Tivemos a angústia de explorar tudo até o máximo possível de qualidade. Esse processo me deixou bem ansiosa, inclusive", brinca a produtora Mariza Leão.  

Saúde mental 

"Eu acho que a gente vive uma ambiguidade muito grande na sociedade. Por um lado, vejo medicamentos tarja preta muito banalizados. Nas minhas rodas de amigos, todo mundo toma Rivotril, muitas vezes sem nem ter feito uma consulta médica antes. Por outro lado, quem de fato se trata, vai a um psiquiatra, ainda é visto como doido. Está mais do que na hora de desfazer esses preconceitos", declarou Rezende, mais tarde, em entrevista exclusiva para TELA VIVA, afirmando que acredita que a arte em geral – como o cinema e a literatura – podem ajudar a quebrar esses paradigmas que ainda cercam a saúde mental. "A personagem mostra exatamente isso: apesar do que ela sofre, ela não fica paralisada diante dos problemas. Ela é ambiciosa, quer sucesso profissional, se relacionar afetivamente. Não deixa de fazer as coisas. E busca ajuda – médicos, terapias. Ela é uma mulher forte", completa. 

"Lançar o filme agora faz muito sentido, a saúde mental nunca esteve tão em pauta. É impossível alguém ter atravessado o último ano sem angústias e ansiedades. Falar sobre esse assunto agora é muito relevante, vai interessar as pessoas e causar identificação. Queremos gerar debate, abrir o diálogo entre quem vive isso, quem conhece pessoas que passam por isso. Ser essa ponte de comunicação", aponta.

Estreia nos cinemas 

Com lançamento inicialmente planejado para abril de 2020, o filme teve sua estreia adiada por conta da pandemia de Covid-19, e chega às salas de cinema somente agora, em fevereiro de 2021. "Lançar esse filme nos cinemas, com todos os protocolos e responsabilidades, é um ato de resistência. Vamos às salas dizer 'sim, estamos vivos'. É muito bom estrear neste momento, com um filme com esse tema e esse rigor artístico e técnico", ressalta Leão. "O cinema brasileiro é potente e visceral, e lançar um filme agora é um abraço ao público e aos exibidores, uma afirmação de que estamos juntos e seguiremos. A sala de cinema sempre será o templo para assistir a uma obra, principalmente quando ela trabalha elementos artísticos", acrescenta a produtora. 

Destaque na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no 21º Festival do Rio, "Depois a Louca Sou Eu" foi rodado durante sete semanas, em abril e maio de 2019, no Rio de Janeiro e em São Paulo. O elenco também conta com Duda Batista (Dani – criança), Romulo Arantes Neto (ex-namorado), Evandro Mesquita (apresentador de TV), Cristina Pereira (avó de Dani), Debora Lamm (terapeuta de constelação familiar) e Beatriz Oblasser (Dani – adolescente). 

Websérie – "Diário de Uma Quarentena" 

Com o adiamento da estreia nos cinemas por causa da pandemia, surgiu a websérie "Diário de Uma Quarentena", um spin off que mostrou a protagonista, Dani, em situações cotidianas, lidando com o isolamento social. Os vídeos foram todos gravados por Débora Falabella em casa, com seu celular, e mostram como o confinamento e o medo da pandemia podem afetar pessoas que já sofriam com transtornos de ansiedade. Os seis episódios nos quais a personagem faz micro relatos sobre sua quarentena foram exibidos no YouTube e assistidos por mais de sete milhões de pessoas. 

"O spin off surgiu da ansiedade de criar algo que atingiu muita gente na pandemia. Então, eu e a Julia começamos a pensar o que seria da Dani nesse momento. Ela já tinha um avô com mania de limpeza, não gostava muito de sair de casa…A websérie foi uma maneira de manter o filme vivo", relembra Falabella. A atriz foi dirigida pela diretora à distância e os episódios contaram com roteiro de Bernardi (episódio 1) e do roteirista do longa, Gustavo Lipstzein (demais episódios). 

Possíveis desdobramentos 

Produtora, diretora e elenco torcem por novas obras audiovisuais com Dani. "Queremos muito continuar a trabalhar com essa personagem. Tenho vontade de dar sequência a ela, leva-la para outras situações. No entanto, ainda não temos planos concretos", garante Rezende. "Adoraria fazer uma série, acho que temos um prato cheio pra isso. Seria uma série espetacular e já vou pensar em como fazer isso", complementa Leão. 

Em 2021, Rezende começa a rodar "A Porta ao Lado", com Letícia Colin, Bárbara Paz e Dan Ferreira. "É um filme pessoal, que também faz um retrato geracional. É uma história sobre relacionamentos afetivos que parte da ideia do que é traição, como é viver relacionamentos monogâmicas e abertos, quais são os combinados possíveis", conta a diretora em primeira-mão. O longa tinha as filmagens planejadas para maio do ano passado – agora, a previsão é dar início às filmagens ainda neste primeiro semestre.  

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