Atualizações de tecnologia, modelos de negócio e legislação são desafios para o futuro da TV

(Foto: Lincoln Macário)

Nesta quinta-feira, dia 24 de agosto, foi realizado o "Seminário TV Câmara 25 anos: O Futuro da Televisão". Ao longo do dia, o evento apresentou e debateu a evolução da televisão nos campos da tecnologia, linguagem, regulação e gestão. O painel que fechou a programação, "Para onde vai a tecnologia da TV", reuniu Marcelo Moreno, pesquisador visitante da Fraunhofer IIS e professor na UFJF; Roberto Franco, líder da área de assuntos regulatórios e institucionais do SBT; e Samuel Possebon, editor de TELA VIVA e TELETIME. A mediação foi de Paulo José, da TV Câmara/ UnB. 

Em sua apresentação inicial, Roberto Franco partiu da linha do tempo da evolução tecnológica da TV para pontuar que, ao longo dos anos, a televisão foi de certa forma associada a uma tecnologia de um aparelho, e que isso acabou nos levando a alguns erros futuros: "Não devemos olhar para a tecnologia e, sim, o que as pessoas consomem a partir daí. A televisão surgiu como forma de informação, entretenimento e inclusão. É um espaço onde as pessoas se entretêm, compartilham informações e opiniões e, assim, se sentem integradas à sociedade. Por isso ela deve atender às demandas que levam as pessoas a consumirem televisão, que é algo que vai muito além de um aparelho. Temos que desvincular a produção de conteúdo da plataforma em que ele é exibido – olhando para essa evolução, notamos que foi isso que aconteceu. Com o surgimento dos novos formatos de distribuição, se a TV continuasse como era, perderia a relevância e seria aniquilada". Franco ainda ressaltou que a tecnologia, nesse processo, só foi evoluindo para atender as demandas, isto é, para oferecer o "como" as pessoas vão assistir tudo o que querem. "Desde que a TV surgiu, ela começou a incorporar evoluções. E, agora, vemos a TV 3.0 partindo da mesma essência, que é usar a tecnologia para atender as demandas do usuário", observou. 

E trazendo à tona a velha discussão do "conteúdo é rei", o especialista rebateu que não é nem o conteúdo, nem a tecnologia quem manda. E sim o consumidor. "É ele quem dá as demandas e está no foco para entendermos o futuro da televisão", destacou. E, para ele, o grande desafio atual é que os ritmos da tecnologia e das políticas públicas estão cada dia mais distantes: "Adotamos as tecnologias com rapidez e logo definimos novos negócios. Aí, depois dos mercados definidos, a gente tenta regular, e isso cria assimetrias". 

Possebon acrescentou que o processo de desenvolvimento da TV foi de uma evolução essencialmente lenta, especialmente quando comparamos com o ritmo que vemos hoje no mundo digital. Para sair da TV preta e branca para a colorida, foram 40 anos. Para a digital, mais 30. Isso porque a televisão aberta como a gente sempre entendeu pelo conceito é um fenômeno que necessariamente precisa ser de massa – aberto, gratuito e universal. "E para que a TV possa sempre atender a esses preceitos, ela não pode ser rápida, senão automaticamente se tornaria excludente", disse. Ele também reforçou a importância de diferenciarmos televisor de televisão, ou seja, o televisor como tecnologia e a televisão como conceito – esta, sim, está se transformando em um ritmo muito mais veloz do que a tecnologia do televisor. "Hoje, a televisão está em todos os meios, e os mundos se misturaram. A internet foi o grande fator de catalização desse processo de transformação. A TV aberta vai evoluir de maneira mais lenta por conta dessa responsabilidade de ser universal e democrática; as outras – que já estão na internet, no streaming e no celular – vão evoluir de maneira mais rápida e serão ambientes de experimentação. É no ambiente da internet que vão se construir os caminhos para se consolidarem os novos padrões", resumiu. 

O lugar da TV pública 

Nessa jornada de transformação tecnológica, a TV pública pode se beneficiar das oportunidades. "Existe um componente por trás de todas essas transformações que é o modelo de negócio. Quando pensamos no lado comercial, as coisas não podem ser feitas sem planejamento por conta de sustentabilidade econômica e rentabilidade. Mas, na TV pública, essa variável não é tão determinante. É claro que ela precisa respeitar orçamentos, mas não precisa dar lucro. Por isso, pode ser um espaço para experimentação em termos de tecnologia, linguagens e conteúdo. É um ambiente mais aberto a erros e acertos. Qualquer grande empresa de mídia, nova ou velha, precisa ponderar os potenciais resultados financeiros antes de tomar decisões. Para as emissoras públicas, a liberdade criativa é maior. Esse é um dos potenciais que a TV 3.0 vai trazer especialmente quando falamos no campo da comunicação pública", mencionou Possebon. 

E falando na TV 3.0, o pesquisador Marcelo Moreno apresentou o atual projeto da TV 3.0, que traz uma especificação disruptiva, dado um novo conjunto de requisitos que são guiados pelas mudanças nos hábitos de consumo; a atual diversidade de serviços de TV; possibilidades em experiências mais imersivas; entre outros. A TV 3.0 vai trazer novas experiências, como um conteúdo audiovisual imersivo e personalizável, incluindo acessibilidade e interação por gestos e voz. Entre os detalhes mais técnicos do projeto, Moreno também contextualizou a linha do tempo, atualmente na chamada Fase 3 (2022-2024), que é de pesquisa e desenvolvimento; testes complementares; normatização e demonstrações. Mas, para ele, ainda há muito trabalho pela frente. A Fase 3 termina em 2024, assim como o GT da TV 3.0 do Ministério das Comunicações. E, segundo o especialista, também se apresenta aqui uma boa oportunidade de discussão sobre as possibilidades da TV 3.0 para a TV pública, assim como o seu impacto social. 

O pesquisador explicou que, dentro do GT da TV 3.0 do MCom, existe um subgrupo para tratar justamente de como levar a tecnologia 3.0 para as pessoas e implanta-la, definindo ainda as políticas públicas necessárias para que a transição futura "não deixe ninguém de fora – inclusive a TV pública", enfatizou. "É necessário discutir como conseguir investimentos e quais as diretrizes para que as TVs públicas independentes consigam trazer essas novas experiências. Talvez precisemos do apoio da casa legislativa para analisar como viabilizar esse tipo de recurso. Quando falamos de TV aberta, estamos falando de políticas públicas – independente de ser uma TV comercial ou legislativa. É sobre levar informação para as pessoas. Não podemos deixar a população sem acesso à informação, ainda mais sobre as casas legislativas", afirmou. 

Adaptações necessárias incluem legislação 

Muito se falou sobre o processo de adaptação e implementação para a TV 3.0 e, de certa forma, da evolução da tecnologia de TV de modo geral. Possebon relembrou que quando falamos de políticas públicas dentro desse setor, é fundamental considerar a camada ligada à distribuição, que envolve, por exemplo, discussões com a Anatel e adaptações na legislação. Entre as outras adaptações necessárias, ele ainda citou o domínio da linguagem e o domínio técnico. 

Franco reforçou a questão da legislação e citou o FAST – que, para ele, "compete conosco e não segue as mesmas regras". O executivo prosseguiu: "Não quero que se regule de maneira igual ao passado, mas tem que dar mais liberdade para as mídias tradicionais e, ao mesmo tempo, trazer cargas de obrigação para as plataformas, que tornaram verdadeiros oligopólios. Hoje, temos um mundo altamente regulado competindo com um mundo que não tem limites. O mercado desenvolve tecnologias para agregar valor e galgar lucros. Mas perdemos a questão da ética quando discutimos tecnologia. Quando o assunto é inteligência artificial, por exemplo, as discussões e os projetos de lei giram em torno de minimizar os impactos, e não a respeito de quais deveriam ser os limites éticos. É urgente falarmos de regulação de plataformas". 

Moreno, por sua vez, definiu que o grande desafio no horizonte da TV é como a legislação vai acompanhar o que a tecnologia e a radiodifusão vão poder explorar com a TV 3.0. "Teremos que ser rápidos em discutir as novas experiências e integração desses mundos que eram separados e, agora, estão nesse ambiente de verdadeira fusão de conteúdos over-the-air e over-the-top. Como faremos uma implantação suave para incluir todos? O desafio é atualizar a legislação para esse novos cenário", concluiu. 

1 COMENTÁRIO

  1. "Possebon relembrou que quando falamos de políticas públicas dentro desse setor, é fundamental considerar a camada ligada à distribuição, que envolve, por exemplo, discussões com a Anatel e adaptações na legislação." O que é essa "camada ligada à distribuição"? A propósito, quando se fala em TV a cabo, sempre citam 3 segmentos do negócio: programadoras, operadoras e distribuidoras (não tenho certeza desta última). Também não sei exatamente o papel de cada uma delas nem o nome de alguma marca forte em cada um desses segmentos.

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