Plataformas de streaming impulsionam chegada dos curtas-metragens ao público

O formato do curta-metragem encontrou nas plataformas de streaming um bom caminho para chegar ao público final – muitas vezes, esses conteúdos ficavam restritos ao circuito de festivais e passavam por uma série de dificuldades de distribuição. As dificuldades, é claro, ainda existem. No entanto, já são muitas as plataformas que garantem telas aos curtas. Os serviços convivem bem no mercado com suas particularidades e apresentam diferentes maneiras de funcionamento. Nesta quinta-feira, dia 26 de agosto, representantes de algumas dessas plataformas se reuniram em um painel no Curta & Mercado – evento que faz parte da programação do 32º Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo – Curta Kinoforum – para discutir o curta-metragem no streaming. O painel foi apresentado por Denise Jantar, coordenadora do Curta & Mercado. 

Juliana Brito, diretora executiva do grupo Petra Belas Artes, falou sobre o Belas Artes à la Carte, plataforma de streaming criada em abril de 2020 com o intuito de tentar auxiliar no trabalho de formação de público. "Por isso o valor baixo, R$9,90 a assinatura, e a vontade de explorar diferentes formatos", explicou. O curta é um formato que eles começaram a explorar há pouco tempo, fazendo campanhas de lançamento que buscam especialmente trazer para frente os realizadores, dando voz e rosto para eles. "Entendemos que essa exposição é muito importante. Trabalhamos com um vídeo chamado 'por que assistir', em vez de trailers, e no caso dos curtas, é alguém da equipe que faz esse vídeo. Fazemos também diversas outras peças de divulgação. Varia de acordo com a estratégia de lançamento", disse Brito, que revelou ainda que a plataforma já percebeu que o curta, com as campanhas feitas em paralelo, tornou-se um formato que o assinante da plataforma abraçou bastante. 

Valorizar o produtor do curta-metragem também é um dos focos da Cardume, plataforma de streaming dedicada exclusivamente ao formato. Criada por Luciana Damasceno e Daniel Jaber, a Cardume trabalha com a ideia de "fazer a roda girar". Na prática, isso significa que eles retornam a verba arrecadada com a visualização dos filmes para os produtores, de forma a fomentar a produção. Além de retornar aos produtores, a verba ainda é dividida para financiar os custos da plataforma, obviamente, mas também para criar editais e premiações. "Os assinantes da plataforma se tornam patrocinadores de novas produções", define a dupla, que afirma ter o desejo de fomentar e produzir filmes do Brasil inteiro. "Na pandemia, ainda abrimos espaço para festivais serem exibidos na plataforma. Achamos importante dar esse suporte", dizem. 

Janela para os festivais 

Assim como a Cardume, muitas dessas plataformas viraram tela para a exibição dos festivais no contexto da pandemia, uma vez que os eventos presenciais ficaram inviáveis. Um exemplo é a InnSaei.TV, que tem em seu catálogo mais de 100 curtas e se tornou plataforma oficial de alguns festivais – como o FAM e o próprio Kinoforum. "Nosso objetivo no ano passado foi abarcar o máximo de festivais e, até agora, temos no calendário anual pouco mais de 30 eventos. Damos suporte para as exibições e também para transmissões ao vivo", contou Bia Ambrogi, idealizadora do serviço. Trabalhando com o modelo de negócio de revenue share, a InnSaei.TV nasceu com os pilares de representatividade e diversidade, além de ser uma plataforma liderada por mulheres e 100% brasileira. 

Nos planos da InnSaei, também está a valorização do produtor do curta. "Queremos implementar lives semanais com produtores dos filmes para a divulgação dos mesmos. Nossa ideia é mesmo fomentar o mercado", adiantou Ambrogi. Prêmios para os filmes mais vistos do trimestre também estão entre os próximos planos da empresa. 

Novo caminho para os cinemas presenciais 

Como dito anteriormente, a pandemia impactou as exibições de filmes durante os festivais e também no dia a dia, já que as salas permaneceram fechadas por bastante tempo. Nesse sentido, algumas empresas que trabalhavam com cinemas presenciais, como é o caso da Belas Artes, mas também do Itaú Cultural, Sesc e Spcine, encontraram no streaming um caminho alternativo para seguir o trabalho de exibição. 

Lançado recentemente, em junho, de 2021, o Itaú Cultural Play é uma plataforma que já chegou ao mercado com 135 conteúdos, entre longas e curtas. Hoje, são 177 – sendo que os curtas-metragens representam metade deste número. "Desde o início esteve clara para nós a importância do curta para o audiovisual brasileiro e a falta de espaço que ele ainda sofre", garante a coordenadora Kety Fernandes. A plataforma é gratuita e disponibiliza conteúdo essencialmente brasileiro, entre filmes independentes, autorais, universitários, obras de grandes diretores e clássicos. Há produções do país todo – elas são submetidas a uma curadoria interna do Itaú Cultural que, vez ou outra, conta com curadores externos parceiros. "É uma curadoria que segue recortes. Não jogamos conteúdo avulso ali, e sim pensamos em conteúdos correlatos", detalha Fernandes. O serviço também atua com mostras de filmes, homenagens e festivais parceiros, como é o caso do Fórum Doc, É Tudo Verdade e In Edit. "O objetivo é continuar abarcando novos conteúdo", conclui a coordenadora. 

Outro serviço de streaming público que oferece ao público uma boa quantidade de curtas-metragens é o Spcine Play, da Spcine. A plataforma tem estantes de festivais, mas também abre espaço para produtores independentes. Os lançamentos são mais espaçados – novos conteúdos enviados para avaliação estão sujeitos à análise a depender do que foi planejado pela plataforma para aquele ano. "Funcionamos como uma questão de política pública. Pensamos no que trazer para o catálogo para agregar valores ao conteúdo", define Márcia Scapaticio, assessora de difusão da Spcine.

O Sesc, por sua vez, possui o Sesc TV e também a plataforma Sesc Digital – ambos veiculados ao Sesc São Paulo. "É uma plataforma que vem para ampliar as ações que ocorrem nas unidades, com conteúdos de acervo do Sesc; materiais inéditos, com produções e licenciamentos; e plataforma EAD, para cursos", conta Moara Zahra, programadora do Sesc TV. "O projeto nasceu no contexto da pandemia. Criamos a ação Cinema #EmCasaComSesc, que transpõe para o ambiente digital, com algumas adaptações, um pouco da experiência da sala de cinema por meio de estreias semanais, por exemplo", completa. O foco está nas produções independentes e autorais que tiveram uma circulação mais restrita – sejam nacionais, estrangeiras, contemporâneas e também alguns clássicos. Há ainda o Cineclubinho, voltado ao público infantojuvenil. 

Canais por assinatura 

Não é de hoje que as TVs por assinatura migraram para o streaming, criando suas próprias plataformas. Algumas delas têm como foco o conteúdo brasileiro e, dentro desse recorte, abrem espaço para os curtas. É o caso do grupo Box Brazil, que tem a Box Brazil Play. "O objetivo inicial era reunir os conteúdos da Box em uma plataforma, mas percebemos que nós mesmos somos carentes da quantidade de bom conteúdo nacional que existe. Por isso, decidimos virar um marketplace do conteúdo nacional", pontuou Deydrid Kaefer, diretora de operações da Box Brazil Play. 

Dentro da plataforma, existe uma aba dedicada exclusivamente aos curtas – são cerca de 80 opções no formato atualmente. "Eles são bem procurados pelo nosso público, especialmente no acesso via celular. Notamos esse tipo de comportamento e faz sentido, já que o curta pode ser assistido num deslocamento de ônibus, por exemplo. Quanto ao gênero, os mais acessados são os de suspense. Nosso retorno tem sido positivo e estamos felizes com esse movimento", completou a diretora. 

Outro exemplo é o grupo Curta!, que tem algumas opções de VoD e streaming diferentes. Uma delas é a Tamanduá TV, plataforma marketplace que reúne mais de quatro mil conteúdos, onde o usuário pode alugar filmes e séries específicos ou assinar de forma econômica um dos pacotes que contém conteúdos segmentados por área de interesse. Já o Porta Curtas é um projeto antigo, que teve início em 2002 e, até hoje, oferece filmes gratuitos. Uma novidade, lançada neste ano, é o Tamanduá Edu, plataforma de streaming que une educação e entretenimento. Ela é voltada ao B2C, isto é, escolas e secretarias de educação, por exemplo, que levam o material aos seus alunos. "Curtas combinam com educação. O professor pode exibi-lo no tempo de aula e depois ainda sobra tempo para debater as temáticas", aponta Vanessa de Araújo Souza, responsável pela área de tecnologia e marketing do Grupo Curta!. 

Conteúdo nichado 

O mercado de streaming tem espaço para plataformas de nicho. Entre elas, podemos citar a Wolo TV. Fundada em dezembro de 2020, a plataforma é voltada para o conteúdo negro e promove ainda uma conexão entre esse conteúdo da América Latina com os países lusófonos. O serviço nasceu já com um conteúdo original, a série "Casa da Vó", com Margareth Menezes. Mas apesar de seu primeiro conteúdo ter sido uma série, a maioria das obras disponíveis é no formato curta-metragem. "Optamos por começar pelos curtas porque eles carregam a mensagem que o cinema preto brasileiro existe. Ele apenas não chega no grande público. É essa a briga que estamos carregando enquanto empresa", assume Licínio Januário, CCO e um dos fundadores da Wolo TV. 

Para o público infantil pré-escolar, existe a PlayKids, plataforma que reúne conteúdo audiovisual, livros e jogos – todos com cunho educacional. Criada no Brasil, a plataforma hoje está presente em mais de 180 países e oferece um modelo de assinatura e também alguns conteúdos abertos. "Uma coisa bacana de nascer no Brasil é que conseguimos buscar conteúdo brasileiro de qualidade e fomentá-lo por outros territórios. Tem produtores excelentes que não chegam nas grandes plataformas. Temos esse compromisso de achar essas raridades, que são muito boas", defende Danilo Agrella, head de conteúdos e parcerias estratégicas da PlayKids. 

Em um formato um pouco diferente está a Kinobox, rede que conecta realizadores de curtas-metragens aos espectadores no YouTube por meio de canais estratégicos segmentados por interesse de público. Hoje, são dois canais, um de filmes gays e outro de filmes lésbicos. A ideia original da Kinobox era ser uma agregadora de curtas brasileiros no YouTube, potencializando curtas que estavam sozinhos, espalhados por diferentes canais. Mas, na prática, a empresa notou que seria mais interessante segmentar esses conteúdos em canais. A partir daí, analisaram os curtas de melhor performance e concluíram que eram os LGBTs. "Então, segmentamos o canal e tiramos os filmes que não eram gays. Incluímos essa figura do apresentador, para gerar identificação, e otimizamos os títulos, para ajudar na busca dentro do YouTube", explicou Vitor SM, cofundador do serviço e apresentador do canal. Há quatro meses, a Kinobox lançou o canal de filmes lésbicos. "No geral, nossa curadoria é voltada para filmes LGBTs, de no mínimo oito minutos, de qualquer ano de produção, que tenham potencial de entreter e engajar com o público. Acreditamos no audiovisual como ferramenta de transformação social e, por isso, acreditamos em conteúdo acessível e gratuito", concluiu. 

Onde o foco é o cinema 

Criada há quase dois anos, a Filme Filme nasceu com o objetivo de resolver o problema do paradoxo da escolha, isto é, fazer com que as pessoas não percam tanto tempo escolhendo o que assistir, e sim assistindo de fato. Outra ideia é funcionar como uma sala de cinema, promovendo estreias toda quinta-feira, de longa, documentário e curta. O processo de curadoria é interno, feito pela equipe da plataforma, e, segundo Marcelo Tuma, sócio-fundador e CMO da Filme Filme, a premissa é que sejam "títulos diversos, do mundo todo, e que tenham responsabilidade criativa com a entrega. Filmes bons artisticamente, mas que sejam acessíveis para grandes grupos de pessoas". Além disso, ele garante que há dentro da plataforma muito espaço para quem está começando. "Queremos ser um canal de construção de carreira", acrescentou. 

A MUBI, assim como a Filme Filme, tem uma alta frequência de lançamentos: um por dia. "Somos uma plataforma para os amantes do cinema", define Nathalia Montecristo, gerente de marketing da MUBI no Brasil. Em relação aos curtas, a plataforma tem uma seção de curtas e médias, além dos "Breves Encontros", onde estão os curtas exclusivos. Hoje, a MUBI tem cerca de 50 curtas. "Nos preocupamos bastante com a divulgação dos curtas nacionais", afirma Montecristo. A gerente ainda contou que o diferencial da empresa é não trazer o algoritmo: "A gente funciona com os curadores. Os filmes são escolhidos a dedo".

Novidade 

A Retina Latina não é exatamente uma plataforma nova; mas ela está trazendo novidades para o Brasil. Ela é um serviço digital para difusão do cinema latino-americano, de caráter público e gratuito, para América Latina e Caribe, feita com entidades cinematográficas da Bolívia, Equador, México, Peru, Uruguai e Colômbia, mas "aberto a ampliar parcerias com outros países", de acordo com a coordenadora Yenny Chaverra. "Somos um projeto de cooperação, que pretende a visibilidade e circulação desse cinema na internet de maneira gratuita", conta Chaverra. A plataforma pode ser acessada do mundo todo, tem cinema de todas as épocas e faz alianças com festivais, especialmente de curtas. "A maioria dos nossos conteúdos é curta-metragem, o que permite maior variedade de histórias e mais diversidade". Atualmente, a Retina Latina está em contato com o FAM (festival de Florianópolis) para uma futura parceria. "Temos muito interesse em parcerias com o Brasil. Ampliar o contato com o país é nosso próximo passo", finaliza a coordenadora. 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui