Documentário "Pele Negra, Justiça Branca" conta sobre o "Caso Gracinha" e evidencia o aspecto racista da história

Uma das novidades da edição de 2022 do FAM – Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul é o projeto "Conversas FAM de Cinema", composto de sessões de filmes convidados seguidas de debates com realizadores e personagens mediados pela produtora cultural e educadora popular Adriana Gomes. 

No último domingo, 25, a conversa foi sobre "Maternidade, Justiça e Racismo", que foi precedida pela primeira exibição em Santa Catarina do curta catarinense "Pele Negra, Justiça Branca", de Cinthia Creatini da Rocha, Valeska Bittencourt (foto) e Vanessa Rosa Gasparelo. A obra fala sobre o "Caso Gracinha", em que uma mãe quilombola, do Quilombo da Toca Santa Cruz, perdeu a guarda definitiva de duas filhas sob alegação de suposta incapacidade para criar e educar as crianças. Na decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em 2016, ficou claro o racismo e a violência do Estado – que alegou, entre outras coisas, que a mãe, por ser descendente de escravos, não tinha a qualidade de vida entre as suas prioridades. 

O curta documental é uma realização da Cordilheira Filmes e foi viabilizado por meio do Prêmio Catarinense de Cinema, da Fundação Catarinense de Cultura, Governo do Estado de Santa Catarina, com apoio do Sintraf e da Prefeitura de Paulo Lopes. 

Assista ao trailer: 

"Esse filme foi construído a muitas mãos, mas temos que agradecer especialmente o Movimento Negro Unificado de Santa Catarina, que ofereceu sua parceria e seu respaldo, em uma construção conjunta desde o início. Agradeço pela confiança, amizade e pelos ensinamentos – por nos ensinarem a desconstruir o racismo em nós mesmas, todos os dias. Há cinco anos trabalhamos juntas e é muita emoção estar lançando esse filme agora", apresentou Valeska Bittencourt, uma das diretoras. 

Em vários momentos, nós, diretoras, principalmente por estarmos fora do lugar de fala – esse filme retrata questões de racismo e adoção compulsória – nos questionamos sobre o nosso papel. E acho que é de ser instrumento, de ferramenta, por termos um pouco do conhecimento dentro da área do audiovisual. E se a gente tem algum tipo de privilégio na vida, a gente tem que aproveitar dele pra fazer algo por quem não tem. E por situações como essa. É muito absurdo o que está acontecendo com a Graça e mais ainda por saber que não é só com ela. Tantas mulheres já sofreram situações como essa. E quantas pessoas negras sofrem todos os dias desde que passam a existir no mundo… Ninguém pode ficar impune nessa situação e nós não podemos ficar quietas. Temos que fazer algo também", completou Vanessa Rosa Gasparelo. 

"É uma grande honra estrear no FAM esse filme com o qual temos um envolvimento visceral. É uma carga emocional muito grande com essa estreia. É uma história que está aí, que está acontecendo. Se passaram oito anos desde que as meninas foram levadas da comunidade. A gente não sabe onde elas estão. A mãe nunca mais as viu, desde 2016, e não podemos nos calar diante disso. Que esse filme possa realmente ecoar. Ele é uma forma de nós somarmos, ainda que minimamente, a essa luta. Queremos levar esse filme mundo afora, a ideia é que ele seja um chamado, e que chegue até essas meninas", finalizou Cinthia Creatini da Rocha. 

Documentário "Pele Negra, Justiça Branca" conta caso de Maria das Graças de Jesus, moradora do Quilombo Toca Santa Cruz

O bate-papo ainda contou com a participação de representantes do Quilombo da Toca Santa Cruz e do MNU-SC, o Movimento Negro Unificado de Santa Catarina, que muito emocionados falaram sobre o caso e sobre tudo aquilo que ele representa no sentido de refletir a sociedade brasileira que ainda é tão racista. 

"O que vamos é uma intolerância e desrespeito aos povos e comunidades tradicionais, onde a nossa forma, o nosso jeito de ser e estar no mundo, incomoda àqueles que não reconhecem nossa cultura, legado e construção histórica, de mundo, ao dizer que 'porque alguém tem certa atitude, é inerente ao seu povo, não cuidar das crianças é inerente ao seu povo'. É engraçado dizerem isso para nós, para as mulheres negras, que elas não tem cuidado com as crianças, quando fomos nós, as nossas antepassadas, que cuidaram dos filhos da burguesia racista e capitalista desse país. Em que momento deixamos de cuidar dos filhos? Deixamos, sim, porque éramos proibidas, pra cuidar dos filhos da burguesia. Isso sim nós fizemos. Mas nós, das comunidades indígenas, periféricas, quilombolas, nunca deixamos de cuidar nossos filhos, nossos mais velhos, isso é nosso. As nossas crianças ficam conosco, elas aprendem na convivência. O racismo não respeita essa forma de viver e estar no mundo, a forma de acompanhar, conviver e respeitar. É a crueldade desse racismo que fez com que a Gracinha perdesse suas filhas. Nós, enquanto Movimento Negro Unificado, que fizemos a denúncia, entenderemos que esse filme, esse momento, nos ajudam a chegar mais longe. O Brasil ainda tem muito o que aprender a aprenderá conosco. A revolução é das mulheres negras ou não será", declarou Vanda Pinedo, Coordenadora do MNU-SC. 

"É importante dialogar com a comunidade sobre o significado desse filme. O que nós buscamos é que ele possa ter repercussão a nível nacional e internacional. Todos sabem, e agora mais ainda, o que essa promotora fez. Ela vem de uma linhagem dos poderosos da Justiça de Santa Catarina e isso fez com que ela fosse protegida a esse ponto, de não fazer a correção. Aí puniram as crianças. O que fizeram com as crianças e com a Gracinha foi uma punição", apontou Maria de Lurdes Mina, também Coordenadora do MNU-SC. 

O filme é forte e emocionante, mas ao mesmo tempo revoltante. Até hoje a Gracinha pensa que as filhas vão voltar. E eles não levaram só as meninas, e sim uma parte da comunidade. Seguimos lutando para que elas voltem. É o que a gente espera", disse Daniela Marcelino, presidente da associação do Quilombo da Toca Santa Cruz. 

O filme segue no circuito de festivais e mais informações podem ser acompanhadas pela página no Instagram

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