Contratos de coprodução audiovisual e o projeto de revisão e atualização do Código Civil

Após significativa demanda e articulação de parcela da academia e da sociedade civil, pela revisão da principal lei que disciplina a dinâmica das relações sociais em compasso à Constituição de 1988, a Presidência do Senado instituiu em agosto de 2023 uma comissão de Juristas para a concreta revisão e atualização do Código Civil; trabalho concluído em abril deste ano, apresentado como relatório final para o início (anteprojeto) do devido processo legislativo.[1]

Otávio Henrique Baumgarten Arrabal é advogado em Santa Catarina, bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). (Foto: Divulgação)

Os debates que ensejaram a ampliação normativa da parte atinente ao Direito dos Contratos, ressaltados pelo diálogo entre as Subcomissões de Contratos e de Direito Empresarial, resultaram profícuos. A proposta de parâmetros interpretativos "adicionais, de consideração e análise" aos contratos empresariais (incisos do § 1º do Art. 421-C, no Relatório Final), bem como de mecanismos para a garantia da paridade contratual (incisos do Art. 421-D, no Relatório Final), suscitam reflexos importantes para a cadeia de valor do audiovisual. Tomemos, como exemplo, os contratos de coprodução audiovisual, nacionais ou internacionalizados.

Perspicaz é a leitura de autores atuantes no setor. Pois que se "a estruturação jurídica de uma produção audiovisual, sob o ponto de vista do financiamento, torna-se um emaranhado de relações contratuais [i. e., uma rede contratual] estabelecidas em torno [da] produção e [do] melhor sucesso comercial possível do filme"[2], pouquíssima dúvida resta com relação ao tom de empresarialidade destes negócios jurídicos. O "compartilhamento de esforços na busca de financiamento e na realização da obra"[3] apresenta-se como a finalidade precípua da operação subjacente a tais contratos.

Dentre os parâmetros e mecanismos propostos, destacam-se (a) o de que a boa-fé empresarial é medida, "também, pela expectativa comum que os agentes do setor econômico de atividade dos contratantes têm, quanto à natureza do negócio celebrado e quanto ao comportamento leal esperado de cada parte" (Art. 421-C, § 1º, II, no Relatório Final); (b) a possibilidade de se "dispor a respeito de alocação de riscos e seus critérios, definida pelas partes, que deve ser observada e respeitada" (Art. 421-D, III, no Relatório FInal), dentre outros.

Tais previsões (pré)-normativas, vale ressaltar, não são uma completa novidade na prática. Os Juristas das Subcomissões refletiram o que já acontece (e eles mesmos vivenciam) desde há muito. Ambas podem ser imaginadas, em várias ocasiões, durante a fase de (co)produção de um produto audiovisual.

Em 2009, foi publicado neste TELA VIVA a matéria "Escola pra cachorro: teia de investimentos viabiliza animação coproduzida por Brasil e Canadá", redigida por Daniele Frederico, sobre "uma das primeiras séries de animações coproduzidas entre Brasil e Canadá"[4]. Mencionou-se que, quando do fechamento do acordo de coprodução com a parte estrangeira, "ficou definido que a produtora brasileira teria 52% do projeto e a produtora canadense 48%, porcentagem válida tanto para os direitos patrimoniais quanto para a responsabilidade de captação de recursos" (se faz presente, aqui, a alocação de riscos). Além do fato das "diferenças nas formas brasileira e canadense de captar recursos" e das peculiaridades "dos processos de aprovação de roteiros e episódios na íntegra" pelos stakeholders (já, aqui, estão presentes critérios de expectativa comum e comportamento leal, termômetros da boa-fé empresarial).

O Código Civil desponta relevante influência no contexto aqui ilustrado. A atenção às suas modificações atinentes a contratos, bem como em outros institutos, deve instigar a reflexão e a crítica dos variados atores da economia criativa, em especial os praticantes da indústria audiovisual.

[1]Vide quadro comparativo entre o texto do Código Civil vigente e o texto do Relatório Final. Disponível aqui.

[2]Vide a exemplar dissertação de Rodrigo Kopke Salinas, "O contrato de coprodução audiovisual: uma operação econômica em rede", defendida na FGV Direito SP em 2016. p. 12

[3]Vide Leonardo Monteiro de Barros, em "Coproduções internacionais e a conquista do mercado externo", no Meio & Mensagem de 13/10/2008, p. 9

[4]Tela Viva, maio de 2009, p. 42-43. Disponível aqui.

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