Alex Braga diz que Ancine irá revisar Condecine, mas extingui-la não é uma possibilidade

Na manhã desta quinta-feira, dia 27 de outubro, o II Encontro de Ideias Audiovisuais, em parceria com o VI Fórum da Mostra – ambas atividades paralelas à programação da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – promoveu um bate-papo com o diretor-presidente da Ancine, Alex Braga. No encontro, ele refletiu sobre suas atividades à frente da Agência nos últimos 12 meses (ele completou um ano no cargo neste mês de outubro) e falou sobre as perspectivas de atuação para o futuro, especialmente no que diz respeito às políticas públicas de fomento e regulação do setor. 

Aproveitando que o evento acontece na Cinemateca Brasileira, o diretor comentou: "A Ancine e a Cinemateca estão em sinergia neste momento de renovação. Temos grandes projetos de parceria para que esse espaço não só reabra, mas também conte com um depósito das obras produzidas. Queremos que seja um centro de difusão e capacitação especialmente de novos técnicos nas atividades de preservação e restauração. Isso faz parte do projeto da Agência para 2023, que parte da nossa percepção de que políticas públicas e instituições têm que estar a serviço da sociedade. Vamos articular programas permanentes e contínuos junto a entidades e patrocinadores. É um momento pujante". 

Braga afirmou que os últimos três anos foram um ciclo de transição, marcado especialmente pelo gerenciamento de crise. "Estávamos construindo alicerces e semeando o solo para que pudéssemos colher frutos num futuro não muito distante. Completo um ano de gestão efetiva e, vencida a etapa de crise institucional, de confiança e de credibilidade, é tempo de conversarmos sobre os próximos passos. Já existem bases sólidas para falarmos do que foi feito – até para ser criticado, revisado – projetando futuros desejos. O momento agora é propício para debates e conversas. Não que antes não houvesse esse espaço, mas em meio à crise é importante o silêncio e o trabalho. Era tempo de atuar, e não só prometer", analisou. 

Foco de atuação da Agência 

Braga resumiu que sua gestão visa garantir que existam estúdios, laboratórios de pós-produção, leis de incentivo, fundos setoriais, mão de obra qualificada e mecanismos de regulação, como cota de tela, para garantir a presença do conteúdo brasileiro competindo em condições de igualdade com as obras estrangeiras, além de preservar e garantir condições de circulação e comercialização dos nosso produtos. 

"Existe uma crítica acerca da forma como a política pública acabou se consolidando no Brasil que talvez ajude a ilustrar meu ponto. A Ancine, em sua estrutura, passou a reunir órgãos, o que gerou hipertrofia na Agência, que perdeu eficiência, foco e qualidade. Nos próximos anos, precisamos trabalhar para nos reestabelecer nesse sentido. Isso passa pela reestruturação e reformulação da Secretaria do Audiovisual, que tem uma importância muito grande em ações de formação, estímulo a novos realizadores e parceria com unidades federativas. Esses órgãos precisam se somar para fazer mais. A reunião de funções na Ancine gerou hipertrofia do órgão, que ficou aquém dos seus objetivos. A Ancine deve investir e se centrar na política de desenvolvimento industrial, sendo a regulação e os incentivos parte importante disso, além da infraestrutura. Dentro desse universo, precisamos contar com a parceria do Conselho Superior de Cinema e da Secretaria do Audiovisual. A partir daí, podemos avançar e fazer mais", pontuou. 

"A política pública que se organizou em torno da criação da Ancine criou de fato um mercado, uma cadeia produtiva consolidada, capaz de empreender e se adaptar a novas realidades e desafios. Por acreditar no acerto do modelo, durante os últimos três anos falamos pouco e tentamos fazer muito, até para corrigir as premissas desse modelo que acreditamos. Agora é necessário considerar que o tempo passou e que enfrentamos um processo de transformação digital, chegada do streaming e mudanças na forma de consumo. Por isso reflexões devem ser feitas", acrescentou. 

Política de cotas no streaming, cinema e TV 

O diretor contextualizou que streaming são uma realidade do mercado audiovisual e que as plataformas estão investindo em conteúdo local. A partir daí, defendeu: "É preciso que se criem mecanismos de incentivo, a exemplo dos que existem na TV e no cinema, que são mecanismos pelos quais damos aos produtores brasileiros e à cadeia produtiva daqui a liberdade de criar e de poder negociar com essas plataformas, inclusive retendo a propriedade. A regulação do streaming passa necessariamente por mecanismos de incentivo, criando aí uma porta a mais para distribuição dos produtos. Hoje, o modelo de prestação de serviço é quase regra. Queremos criar um caminho para o produtor ampliar as possibilidades de negociação com as plataformas". 

Nesse sentido, Braga ressaltou que é necessário também tratar das janelas cinematográficas, visando que todo conteúdo vocacionado às salas de cinema frequente as salas de cinema: "Isso ajuda a rentabilizar, amplia a circulação e atende a finalidade social da política pública, que é fazer com que o conteúdo seja visto. Isso ainda é pouco dito nas propostas de regulação. Filmes vocacionados ao cinema têm que ser lançados nas salas. É uma linha que deve ser enfrentada. O próprio Fundo Setorial tem essa dificuldade. É importante a existência de uma cota de tela – a regulação deve ser feita pela Ancine, incentivando a programação nacional em sessões de horário nobre a partir de análises de mercado para ampliarmos o marketshare". 

E ainda sobre as plataformas, ele completou: "Somos, sim, a favor da cota de conteúdo nacional nas plataformas. A experiência da cota na TV paga foi positiva e deve ser nos serviços de streaming também. Só tenho uma ressalva a respeito de modelos estáticos. Uma vez que contamos com uma política pública consolidada e uma Agência em funcionamento, com pessoal específico, acho que as cotas devem ser fixadas anualmente pela Ancine a partir de análises de mercado, para que elas obtenham os melhores resultados para a produção brasileira. Tenho uma discordância quanto à forma, não em relação a cota em si. Seria saudável levar, anualmente, a política regulatória para cinema, TV e streaming, fortalecendo a estrutura da política audiovisual brasileira". 

E a Condecine? 

Em setembro, o mercado foi pego de surpresa com uma sugestão da extinção da Condecine por parte do Governo. "Tanto a Ancine quanto a Secretaria Especial de Cultura foram surpreendidas com o anúncio posto naqueles termos, naquele momento", disse Braga. "Embora não seja estranha a nós a necessidade de se discutir a Condecine. É preciso pensar nos diversos modelos de Condecine e se faz sentido manter a condecine-título, por exemplo. Há ainda a necessidade de atribuir Condecine a serviços e plataformas de streaming. A Ancine está se preparando para travar essa discussão, mas nunca no sentido da extinção da Condecine, e sim revisão, visando o aumento de sua potência como fonte de financiamento da atividade audiovisual. Estamos com bases sólidas para debater o aperfeiçoamento e a reformulação da Condecine", garantiu. 

Por fim, o diretor-presidente da Ancine afirmou ter como objetivo não só a manutenção do fundo setorial, mas também sua ampliação. Ele entende que, nesse processo que ele chama de "reformulação de papéis", parece claro que parte dos recursos do fundo deva ficar sob gestão da Secretaria do Audiovisual. "O Fundo é virtuoso para a atividade e tem um caráter importante, mas é complementar às leis de incentivo. O caminho é ter mais braços para atingir o grande objetivo, que á o desenvolvimento do audiovisual brasileiro", concluiu. 

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