A Spcine promoveu uma mesa nesta quinta-feira, dia 27 de outubro, no II Encontro de Ideias Audiovisuais, braço de programação da Mostra de SP, focada nos processos de formação e inserção profissional e os novos modelos de negócios no mercado audiovisual. No encontro, agentes da indústria falaram sobre suas empreitadas no sentido da capacitação de profissionais nesse setor que carece de mão de obra qualificada.
Nesse sentido, Mauro Garcia, presidente da Bravi e diretor do ICAB, chamou atenção para uma questão: a "recapacitação" de profissionais mais velhos, para além da capacitação dos mais jovens. O ICAB promoveu diferentes programas de auxílio aos trabalhadores da área, em meio à pandemia, muitas vezes a partir de parcerias com plataformas, e nesse processo coletou uma série de dados sobre um mercado atual, com informações de mais de dez mil profissionais. Chamou a atenção do diretor o fato de que muitas funções ficaram "à margem", tais como toda a parte de maquinaria, cenografia e maquiagem, por exemplo, uma vez que o interesse nas áreas mais criativas, como direção e roteiro, aumentou. "Quando olhei a idade dos motoristas de produção, a maioria era acima de 70 anos. Dos profissionais de cenografia, acima de 60 anos. Ou seja: não há renovação e as pessoas continuam trabalhando, mesmo em idades mais avançadas. Elas são pouco atendidas. Quando falamos em formação, é sobre incluir pessoas no mercado de trabalho. Mas quando não nos preocupamos e não damos espaços pra quem está acima dos 50, estamos excluindo, e precisamos incluir. São pessoas que detém conhecimentos que podem ser úteis para formar as novas gerações. Não estamos fazendo isso, e vejo profissionais brilhantes excluídos. Passei a me concentrar nisso", contou. Para Garcia, o combate a qualquer tipo de desigualdade no meio se faz com capacitação, dando formação e acesso. "É isso que precisa ser feito quando determinado grupo está excluído", apontou. Nesse sentido, ele adiantou que, em breve, o ICAB irá lançar um projeto em parceria com uma plataforma para que esses profissionais 50+ sejam mentores de jovens talentos.
O LATC é outro agente que investe diretamente em ações de capacitação. A partir de estudos, a empresa concluiu que o cenário atual registra uma forte demanda por força de trabalho altamente qualificada – e isso passa pelo aperfeiçoamento dos profissionais que já estão atuando e não só pela formação de quem ainda está se preparando para entrar no mercado de trabalho. "Nosso objetivo está no desenvolvimento de carreiras e da indústria de modo geral", explicou Fernanda Lima, produtora, antropóloga e pesquisadora que coordena programas de capacitação profissional e de produção editorial para o setor audiovisual. Em 2021, o LATC comandou uma série de masterclasses no Brasil e na América Latina. Em 2022, o projeto foi renovado, e contou ainda com uma parceria com o governo da República Dominicana, sempre envolvendo profissionais atuantes no mercado. Em parceria com o MPA, lança ainda cinco cursos de capacitação mais aprofundados. E agora, com patrocínio da Spcine e mais uma vez parceria da MPA, está divulgando, ao lado da ABC Cursos de Cinema, um programa de aprimoramento de profissionais do audiovisual de São Paulo. "Selecionamos seis cursos com base nas demandas que identificamos e pontuamos como mais urgentes", justificou Fernanda. As inscrições estão abertas e focam nesse perfil de seleção de inclusão. Além disso, também com o MPA, a Spcine está apoiando a iniciativa do LATC de oferecer cursos de inglês para os profissionais do audiovisual – também entendendo que é uma demanda do mercado. As inscrições para esses cursos também estão abertas.
Fernanda Lomba, diretora do Nicho 54, instituto voltado ao desenvolvimento profissional de pessoas negras no audiovisual com foco em formação, curadoria e mercado, também participou da mesa, onde contou sobre o processo de criação do instituto e refletiu sobre as questões atuais relacionadas à formação e capacitação. "A mão de obra qualificada não é uma demanda nova – é uma necessidade constante da área, que é criativa, tecnológica e global, portanto precisa ser 'refrescada' o tempo inteiro. Mas em um setor em que não paramos de trabalhar e estamos sempre imersos em um fluxo intenso, começamos a questionar a viabilidade do profissional ter esse tempo de atenção para se dedicar nesse sentido", pontuou. Para empreender essa formação, as ideias de criação do Nicho 54 começaram a surgir, mas com esse viés racial. "Quando a gente racializa essa questão, isso traz todos os 'fantasmas' do Brasil, que reproduz estruturas racistas. Formar o instituto envolveu muita reflexão – tanto específica do setor quanto da comunidade negra", contou. Hoje, são três eixos de atuação: Formação, Curadoria e Mercado – todos numa perspectiva de "compartilhamento de informação", como definiu Fernanda, seja essa informação criativa, técnica ou de mercado. "Nosso foco é a formação que aponta para a liderança. Trabalhamos para valorizar as trajetórias que chegam no instituto".
O Nicho 54 começou em 2019, com uma programação gratuita oferecida por meio do Festival Nicho Novembro – cuja edição deste ano está confirmada para o mês que vem. O trabalho efetivo começou em 2020, mas a pandemia modificou um pouco os planos, que envolviam a criação de uma grade fixa de formação pensando especificamente em áreas de liderança e chefia. Em 2020, se dedicaram a um programa chamado Nicho Responde, um ciclo de encontros com profissionais em estágios mais estabelecidos de carreira para compartilhar informações de forma mais específica, entrando em questões mais profundas do que o dia a dia de trabalho. "O foco era numa formação além da técnica, mais voltada à cultura de trabalho", explicou Fernanda. Em 2021, se voltaram para atividades de formação ao redor das mostras que já estavam acontecendo. Agora, em 2022, deram início ao programa Nicho Executiva. "Pensamos justamente nesse boom do streaming investindo no desenvolvimento de narrativas racializadas diversas. O mercado como um todo tem uma necessidade de formação sensível, ampliando a diversidade de quem conta essas histórias", apresentou. O programa, que tem um ano de duração, reuniu produtoras mulheres negras em estádios iniciais e médios de carreira para um processo teórico e prático, que passou pela promoção dessas profissionais a ambientes de mercado internacionais, entendendo que eles são mais exigentes do que os nacionais e que, se elas passassem por eles, estariam aptas a passar pelos locais também. Ao longo de um ano, foram cinco mercados, sendo dois online e três presenciais. "É um programa que aposta que esse grupo precisa estar exposto a situações de alta exigência. É a chave para a excelência. Como impacto, temos a percepção de que a gente consiga provocar alterações na cultura cinematográfica como um todo", concluiu.
Marcelo Rocha, gerente de inovação e políticas do audiovisual na Spcine, moderou a mesa e ressaltou que a empresa também está bastante focada na formação de profissionais, por meio de políticas de patrocínio com ações de contrapartida. Eles já levantaram dados afim de identificar quais áreas estariam com o déficit maior e também estão promovendo diálogos com o setor – no início do ano promoveram o "Fórum Spcine" – também nesse sentido de compreender as principais demandas e se envolver diretamente em programas para solucioná-las.
Mauro Garcia refletiu: "No Brasil, sempre esperamos que a política pública nos assista, inclusive em relação à formação. Tem que ter políticas públicas nesse sentido, óbvio, mas é importante que o próprio mercado comande esses projetos de formação. A Spcine tem se posicionado como articuladora desse processo, ajudando nas associações de agentes que trabalham nesse objetivo. É saudável que o mercado assuma esse papel e tome o controle. Recentemente, apanhamos com as intervenções na Ancine e tomamos as rédeas de algumas coisas – e esse é um caminho sem volta. A própria academia não dá conta de formar novos profissionais capazes de lidar com toda a complexidade do mercado audiovisual – e por isso nós fizemos inclusive um programa em parceria com o CIEE, que tem tradição nos estágios, como uma preparação prévia para o mercado de trabalho".
Por fim, Fernanda Lima concluiu: "Capacitar força de trabalho é demanda, mas também estratégia. Quem não faz capacitação e aprimoramento fica para trás no ecossistema global de produção. O que atrai produtores globais, entre outras questões, é a segurança de que terá equipes capacitadas para trabalhar aqui, porque eles não trazem equipes completas de fora. Há demanda nesse sentido. Precisamos atuar diretamente aí para que haja expansão e desenvolvimento da indústria. Os produtores e as associações já entenderam isso. Devemos nos articular mais – e aí o papel da Spcine é fundamental. Somos uma instituição que também quer estar à frente dessas articulações – pensando principalmente no ponto de vista estratégico, nos ganhos que isso traz em termos de desenvolvimento e crescimento da indústria".