A era da referência

Quanto maior a demanda, mais importante o conhecimento no tema para encontrar destaques relevantes escondidos em meio ao caos. Com a tecnologia, a quantidade de conteúdos audiovisuais produzidos se tornou imensa e ininterrupta, e disponível ao público por diversas mídias.

No cinema as estreias são inúmeras toda semana (nos cinemas com programação inteligente, pelo menos) e nas plataformas digitais cada dia se gasta mais tempo escolhendo o que assistir do que assistindo. "Não dou conta de tantos filmes!", "Não vi essa série mas estou vendo outra ótima!", "Me dá uma dica boa por favor!" São frases que ouvi muito nos últimos anos e agora em meio ao isolamento é o que mais se busca – indicação.

Hoje no país, são pouco mais de 3 mil salas de cinema, sendo que 93% dos municípios não tem cinema e um terço dessas salas está no estado de São Paulo. Em paralelo, 64% dos brasileiros tem acesso a internet e este ano o país passou da marca de 1 smartphone ativo por habitante, ou seja, o acesso ao conteúdo está a cada dia chegando a novas pessoas e lugares.

De 2006 a 2016 foram produzidos 23.866 obras audiovisuais brasileiras, sendo 80% na região sudeste, e apenas 6% no nordeste, 3% no centro-oeste e 1% no norte. Olhando apenas os números de 2016, 79% das obras foram dirigidas por homens brancos, 19% por mulheres e 2% por homens negros. A realidade que vemos na tela ainda está longe da que vivemos nas ruas.

E como brasileiros, conhecemos a diversidade de cores e sotaques que nos envolvem? Eu não. Viajo muito a trabalho, mas foi apenas ano passado, levada através do audiovisual, que conheci outros Brasis, e estive durante um ano inteiro nas cinco regiões do país – pela primeira vez e espero que não a única.

Descobri que criatividade e capacidade de produção não tem nenhuma relação com eixos comerciais, trânsitos complexos ou aglomerações humanas – encontrei projetos e filmes de alta qualidade e tão interessantes quanto os produzidos no eixo sudeste. Por outro lado, o interesse é extremo. Os painéis, reuniões e aulas magnas que participei no Norte e no Nordeste tinham pelo menos o dobro de pessoas do que quando estive em eventos no Rio ou em São Paulo.

Mas o grande resultado foi como é especial descobrir que comer peixe frito com açaí em Belém muda completamente como se assiste a um documentário da região Norte. Ver pessoalmente o bumba meu boi durante o São João nordestino transforma como se lê um roteiro escrito do nordeste. Passar por 40 graus em Cuiabá em um dia chovendo reflete em como se assiste a um filme do cerrado. Nadar no mar gelado do Rio Grande do Sul, no mar quente do Rio Grande do Norte, e no rio no Amazonas, muda como se vê o Brasil.

Além de saber temas relevantes da sociedade, que talentos agregam mais valor a um projeto e quais gêneros fazem mais sucesso, ou quais histórias são mais engraçadas ou comerciais, é fundamental vivenciarmos na pele, no paladar e nos olhos os diferentes lugares, experiências, misturas gastronômica e musicais, e sensações da brasilidade que este país engloba, para aprimorar nossa capacidade de se comunicar com histórias e pessoas tão distintas e interessantes, que formam a cultura brasileira. Afinal, somos todos curadores.

* Cineasta da distribuidora ELO Company e idealizadora do Selo ELAS, pertencente à própria distribuidora.

1 COMENTÁRIO

  1. No artigo de Barbara Sturm "A era da referência", percebi com alguma dor, confesso, a falta da região SUL quando do levantamento das obras cinematográficas, entre 2006 e 2016 no país. Já temos poucas chances de descentralizar a produção como o próprio artigo comprova, mas daí a ser apagado do mapa tem alguma distância. Peço que nos dê alguma chance!
    Quero aproveitar para convidar a colega a nos visitar aqui no Paraná… em uma próxima oportunidade, lógico, com os devidos cuidados e a seu tempo. Teremos o privilégio e o maior prazer em apresentar nossas peculiaridades e belezas, além de alguma cinematografia. Mesmo no Sul, há vida e corações quentes além do Rio Grande do Sul.

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