Realidade virtual: encontro ou despedida?

Estou em uma relação séria com realidade virtual. Vivo entre o Brasil e a Califórnia e, quando estou do lado de lá, combino o mercado de entretenimento com os maiores ativos locais: inovação e criatividade. O VR é a fusão desses elementos e está sendo crucial para a vida em confinamento.

A realidade virtual não é uma invenção exatamente nova, vem dos idos dos anos 80. Ao contrário do que muitos pensavam, não veio para substituir a sétima arte, assassinando as salas e isolando expectadores em lentes solitárias. Aliás, as experiências em realidade virtual se aproximam mais do teatro do que do cinema, já que não há planos para serem disfarçados, nem frames para excluir ambientes.

A tecnologia ainda busca suas definições. Por enquanto pode ser filme, game, mas sempre é experiência. Nos últimos meses, vi desaparecer uma parafernália de computadores, cabos e sensores, substituídos por lentes simples. A Oculus, empresa do Facebook que produz headsets e conteúdo, anunciou o resultado de 300 milhões de dólares no primeiro quadrimestre de 2020, mais de 80% em relação ao mesmo período no ano passado. O sucesso foi impulsionado pelo Oculus Quest, que além de não ter cabos, custa 400 dólares e pode até dispensar os controles, reconhecendo o movimento das mãos. De acordo com o relatório de Mídia e Entretenimento da PwC, que estima o crescimento desse mercado entre 2018 a 2022, o setor deve crescer 39% para conteúdos de games e 44% para experiências imersivas interativas.

Vale observar o crescimento descentralizado dessa indústria. Tive o privilégio de fazer parte da produção brasileira da experiência "A Linha", que recebeu o Leão de Ouro como Melhor Experiência de Realidade Virtual no Festival de Veneza em 2019. Trata-se não apenas do mais antigo festival de cinema do mundo, mas um dos primeiros a abrir espaço para obras de realidade virtual na sua mostra competitiva. Das mais de 40 experiências exibidas, apenas duas eram do hemisfério sul: a nossa e uma nigeriana. De três prêmios do festival, dois foram justamente para os países do Sul, o que comprova que os recursos de produção (materiais e humanos) não estão necessariamente em países desenvolvidos.

A minha maior surpresa foi perceber que o mundo virtual é mais libertação que isolamento.

Quando você se torna o centro absoluto de uma estória, seja ela interativa ou não, você recupera a capacidade de escolher seu foco de olhar. À medida que a estória se torna interativa, ganhamos o poder de decidir, controlar, insistir, exatamente como na vida real. Por isso, "as experiências imersivas nos ajudam a entender sobre nós mesmos", como disse Jaron Lenier, considerado godfather da realidade virtual. O que à primeira vista parece distância, pode ser resposta para as mais ricas conexões humanas.

Como em qualquer início de relação, confesso que estou encantada com qualidades e relativizando alguns defeitos. E não é pra menos. Nos últimos dias tenho encontrado amigos para assistir o por do sol e participado de eventos sociais, com direito a DJs e cerveja (virtual, claro). Visitei planetas e explorei buracos negros, naveguei com esquimós na Antártida, fiquei presa em uma trincheira de guerra e estive em um restaurante para negros, em pleno Apartheid. Porém, assim como o amor, o suspense ou a comédia, uma experiência de realidade virtual dificilmente pode ser explicada. Deve ser vivida.

*Fernanda Martins é gestora cultural e produtora do filme "A Linha", vencedor do Leão de Ouro como Melhor Experiência de Realidade Virtual no Festival de Veneza em 2019

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