Curta-metragem demanda políticas públicas para maiores orçamentos e formação de público

Fazer uma análise do movimento das produções brasileiras em curta-metragem e discutir o cenário atual foi o objetivo central da mesa da Expocine que reuniu Lyara Oliveira, da Spcine; Janaína Oliveira, do FICINE – Fórum Itinerante de Cinema Negro; Letícia Santinon, da Vitrine Filmes; e Thais Scabio, da APAN/Todes Play nesta quarta-feira, dia 17 de novembro. 

Santinon logo no início declarou que é o momento de repensar os tipos de conteúdos curtos que estão sendo produzidos e consumidos e por onde eles estão circulando: "Dentro da distribuição, a circulação de curtas acaba sendo restrita às ações especiais, em salas parceiras. Existe uma resistência dentro do mercado mais tradicional de exibição e distribuição de encarar o conteúdo curto como um conteúdo comercial. Com o aumento das plataformas de streaming, o cenário está mudando. Mas ainda vejo essa resistência". Ela defende o "frescor" que os curtas trazem e afirma que seu tempo de duração faz o público permanecer com mais atenção na tela, querer dialogar sobre o que viu. A profissional ainda lembrou que, durante a pandemia, muitos diretores realizaram curtas – já que, no período, era o que dava para fazer, por conta de condições de produção e orçamento – ou, no caso, a falta dele. "O crescimento do conteúdo curto vem do contexto em que estamos vivendo. Os curtas são resgatados e ganham holofote pela falta de atenção que é constante hoje em dia, isto é, estamos sempre com muitas outras coisas para fazer. Isso interfere positivamente na procura maior pelos conteúdos curtos", analisa. 

A Vitrine Filmes – onde Santinon atua – lança filmes brasileiros e internacionais e, há alguns anos, também tem trabalhado com conteúdos curtos. O projeto Sessão Vitrine, por exemplo, casa a programação de longas com curtas. "Isso dá certo, mas é difícil fazer da forma que gostaríamos. A maioria das salas de cinema não quer essa programação casada de curtas e longas – dizem que o público não quer necessariamente assistir aos dois filmes e que extrapolaria o tempo na sala. Conseguimos algumas salas parceiras, sim, mas só salas com características de centro cultural, e não especificamente salas comerciais. Mas a Vitrine vai continuar trazendo curtas – temos projetos de lançamentos em sessões casadas e exclusivas também. E, de modo amplo, para além da Vitrine, convido todos a repensarem os formatos de programação que temos acessado, tanto no online quanto no presencial. O curta está num lugar de frescor, de experimentação, de entrada. Mas ainda não é visto num lugar de dinheiro. É como se, no circuito tradicional, ele não fosse levado a sério", afirmou. 

Janaína Oliveira também concorda com essa questão da resistência em relação aos curtas: "Acho que sempre esbarramos nos mesmos gargalos. A produção e a circulação de curtas têm todas essas camadas, mas o endereçamento dela para o mercado precisa ser diferenciada. Tenho uma visão pessimista diante desse cenário. Existem estruturas de mercado que não se movem nesse ritmo – falando especificamente do circuito exibidor. O mundo grita conteúdos curtos, mas há um circuito hegemônico de cinema que resiste à mudança na forma de pensar os conteúdos curtos e o lugar deles. Temos que identificar os processos e os caminhos de forma estratégica". 

Para ela, a própria indústria, inclusive de streaming, freia o curta-metragem. "A Netflix quando exibe curtas não os chama dessa maneira. Ou seja, do ponto de vista da divulgação, o curta é secundário. Não há preparação do público para receber os curtas, sendo que somos bombardeados por conteúdos curtos o tempo todo. É quem consome que pode mudar a lógica. Do ponto de vista das estratégias, precisamos pensar em como chegar no público, e não como mudar o cânone do mercado. É uma stratégia que precisa ser pensada no sentido da valorização do curta como uma obra completa, um lugar de expressão. Isso precisa acontecer numa dinâmica mais comercial", defendeu. 

Curtas seguem relevantes, apesar das transformações do mercado

Thais Scabio, por sua vez, à frente da APAN e da Todes Play, ressalta que o curta sempre esteve presente dentro da narrativa negra. "É uma das principais formas que tínhamos para contar nossas histórias. Podemos ver isso na TodesPlay, por exemplo, onde 70% do conteúdo é de curtas", mencionou. "Quando comecei na área, o curta tinha uma ideia muito de experimento, ou seja, para o diretor experimentar e, um dia, fazer um longa. Mas eu gosto de produzir curtas, acho que tem histórias que são feitas para serem produzidas dessa maneira. De uns tempos pra cá, esse conceito do curta como experimento para o longa foi se quebrando. Os conteúdos curtos foram sendo relacionados às séries. Essa mudança também vem com uma transformação do mercado. Hoje, há plataformas como a Cardume, por exemplo, só de curtas. Esse novo mercado de streaming, junto dos festivais de curtas, vai trazendo um lugar de organização", refletiu. 

Nesse sentido de transformação de mercado e consumo, Scabio conta que a TodesPlay está trabalhando na criação de um app, para que as pessoas possam assistir aos conteúdos pelo celular. "As pessoas assistem muito aos curtas pelo celular, em trânsito, em deslocamento. É algo que as novas janelas possibilitam. Criamos o aplicativo a partir de uma demanda do público, porque notamos que a maioria do público estava assistindo aos curtas pelo celular". 

Urgência por políticas públicas para fomento e formação de público

Muito se discute se falta público para os curtas ou se os curtas é que não encontram seu público. Mas, para Santinon, o público também se constrói a partir de políticas públicas – que é o grande desafio do momento. "Mesmo quando recuperarmos as políticas da Ancine, precisamos repensar os curtas. Eles sempre têm orçamentos muito diferentes. Historicamente, nos casos de fomento, o valor é sempre muito menor quando comparado com longas, especialmente de ficção. A gente cai num dilema: por não ter sua distribuição valorizada, o valor da produção do curta acaba sendo reduzido". 

Ela acrescenta: "Há também o desafio de formação de público, claro, e eu não vejo como isso possa ser desassociado de uma política pública. Não é o único caminho, mas tem que ser o principal. Como aconteceu com os longas brasileiros, que passaram a ser mais vistos após a criação da cota de tela. A política pública consegue trazer formação de público com essa quebra de paradigma e mudança cultural. Ainda existem entraves do mercado, uma falta de valorização, de enxergar os curtas como produtos audiovisuais. Precisamos de mais facilidade na produção, comercialização e circulação". 

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