Programas de atração de investimentos na produção audiovisual no Brasil são essenciais na retomada econômica pós-Covid

Nesta quarta-feira, dia 17 de novembro, Andressa Pappas, da Motion Pictures Association – MPA; Daniela Galvão, da CQS/FV Advogados; Gustavo Rolla, da Ancine; e Maria Izabel Mello, da Fecomercio, se uniram num painel da Expocine para debaterem sobre as novas perspectivas para atração de investimento à produção audiovisual, tendo por base os programas de Tax Credit e Cash Rebate que vêm sendo implementados por muitos países e jurisdições mundo afora. Tais programas, de acordo com estudos divulgados pela consultoria Olsberg SPI, geram um impacto substancial nas economias dos países e estados. No Brasil, a Spcine, com o apoio do Município de São Paulo, foi pioneira no estabelecimento do primeiro programa de cash rebate no país, um exemplo a ser seguido por outros entes da federação. Um desafio, no momento, é pensar como o Brasil pode implementar um programa nesses moldes a nível nacional, impulsionando não só o desenvolvimento do setor audiovisual, mas também contribuindo para o incremento de outras áreas da economia.

"Esses incentivos são diferentes do que as gente já conhece, como fomento direto ou indireto, e são mais convidativos, uma vez que preveem reembolso das despesas em crédito fiscal, no caso do tax credit, ou devolução de parte dos recursos investidos, que é o cash rebate. Para além da produção audiovisual em si, esses programas, segundo os estudos, estimulam fortemente o turismo, com geração de empregos e melhoria na imagem do país, geram empregos em outros setores de serviços, capacitação de profissionais e incentivam inovação, tanto em tecnologia quanto nos enredos e narrativas, promovendo uma troca geral de experiências entre produtores estrangeiros e a cadeia local", pontuou Pappas. "Programas como esses existem em mais de 100 jurisdições ao redor do mundo mas, muito tristemente, o Brasil não está nesse mapa. Por outro lado, felizmente temos o programa recente da Spcine, que funciona em nível municipal e está sendo cada vez mais reconhecido", acrescentou. 

Para Pappas, o Brasil é extremamente atraente para esse tipo de incentivo. "Primeiro porque não existe um país continental com tantas paisagens e cenários como o nosso país. Além disso, há talento, criatividade e vontade de fazer e de trocar, que são características natas dos brasileiros", mencionou. Dados atuais apontam uma recuperação de 70% do setor de exibição ao longo desse e do próximo ano, com tendência de contínuo crescimento, e, de acordo com a especialista, a disseminação de tantas janelas só aumenta a capacidade de desenvolvimento e sustentabilidade para o setor como um todo. "O cenário pós-Covid contribuiu para a consolidação dessas tantas formas de distribuição, que convivem entre si e convergem para o bem do setor". Ela ainda ressalta que o Brasil é um país prioritário para os modelos de negócio de todos os estúdios associados da MPA. "Existe uma clareza muito grande nas estratégias de contemplar a produção de conteúdo brasileiro. As plataformas hoje em dia imprimem essa importância da importação de obras audiovisuais'". 

Pappas resume: "Para que tudo isso avance é imprescindível que o setor audiovisual seja visto como uma política de Estado estratégica. É necessário um esforço para que os poderes públicos reconheçam a importância sócio-cultural do setor, além da pujança econômica. Programas desse tipo no país seriam um passo importantíssimo nessa consolidação. Mas já existem conversas com o Ministério do Turismo e com a Ancine, por exemplo. Acho que estamos no caminho certo". 

Daniela Galvão, da CQS/FV Advogados, por sua vez, relembrou que no auge da pandemia o mercado estava ávido por novas produções, já que a demanda do público, que estava em casa, não parava de crescer – mas não estava impedido de realizar. "Nesse movimento, atendemos produtoras que passaram a olhar para outros países, onde fosse viável produzir. Nesse período, estudei programas de países como Portugal, Espanha e Canadá. Foi o momento de olhar para a operação e pensar como seguir com o nosso negócio. Nesse sentido, programas de cash rebate ou tax credit são muito interessantes. Há a possibilidade de recuperar de 20 a 30% do investimento – essa é a média que se recupera de despesas e gastos que são elegíveis. Isso foi algo que passou a ser visto de maneira mais estratégica. Temos produtoras brasileiras que conseguem usufruir desses programas", contou. "Temos tantas possibilidades de locações e, mesmo assim, não estamos no mapeamento desses programas. Nesse caso, perde-se a competitividade. E a gente tem estrutura pra isso, já temos histórico de legislação voltado ao incentivo da produção audiovisual. É questão de ajustar e olhar pra isso como uma grande oportunidade", enfatizou. 

Falando em legislação, Gustavo Rollas, na Ancine desde 2006, garantiu que esses modelos estão sendo estudados desde 2018. "Tem muita oportunidade. O mercado é muito grande e também muito disputado. Nos últimos cinco anos, 354 produções dos Estados Unidos filmaram aqui. Ao todo, mais de 5 mil profissionais vieram filmar no Brasil. Tivemos pequenas produções e produções relevantes, como a série 'Black Mirror' e um filme da saga 'Crepúsculo'. Mesmo sem os incentivos. Mais do que o cash rebate, é importante incentivar coproduções internacionais e estimular a instituição de film comissions com regiões e municípios, para que eles façam a parte logística. Nesse momento, não temos cash rebate mas temos incentivos – mão de obra, diversidade de locação e infra-estrutura. Podemos fazer um bom trabalho a partir daqui", apontou. 

Pappas discorda e diz que a infra-estrutura ainda é um problema grave no país. Ela pontua a necessidade de políticas desenvolvimentistas, que olhem para a cadeia produtiva como um todo: "Nosso ambiente precisa receber uma atenção política mais estruturante, de iniciativas que tornam o ambiente mais competitivo. São necessários programas ampliados de atração de investimentos, capacitação profissional, infra-estrutura, menos burocracia, formação de hubs de produção… Falta um olhar estrutural para o setor". A especialista segue: "Especialmente num cenário pós-Covid, precisamos olhar para essas políticas de internacionalização das nossas obras audiovisuais, com ajustes nas políticas de fomento e também um debate mais sistêmico sobre como lidar com tantas barreiras regulatórias e fiscais que aumentam nosso custo, tanto para os estrangeiros quanto para os agentes que operam aqui em nível local". 

Indicadores econômicos e a urgência acentuada pela pandemia 

A Olsberg•SPI fez um estudo para demostrar o impacto positivo que programas como esses teriam na retomada econômica. Foi comprovado que o investimento e retorno a partir da produção audiovisual são majoritariamente revertidos para outros setores econômicos: cerca de 70% desses investimentos vão para outras áreas, tais como turismo, saúde, segurança, transporte e hospedagem, promovendo uma movimentação na dinâmica local muito abrangente. 

"Na pandemia, cerca de dez milhões de empregos deixaram de ser gerados, o que ocasionou uma perda de aproximadamente 150 milhões de dólares em impacto econômico. Dada a capacidade enorme desses programas de movimentarem a economia local e em alta velocidade, vários países ao redor do mundo começaram a olhar para eles, em 2020, como vetor estratégico de recuperação econômica. Austrália, Canadá e Nova Zelândia, por exemplo, aumentaram o cash rebate nesse período. É uma união de esforços entre os setores público e privado para não deixar passar essa oportunidade. No momento, é necessário que existam esforços de resgate econômico de maneira muito estratégica e, para isso, é fundamental um olhar para o audiovisual como vetor essencial nesse movimento. O MPA acredita com entusiasmo e comprometimento que, num cenário pós-Covid, as políticas para a indústria audiovisual devam ser realizadas a partir de uma perspectiva desenvolvimentista", ressaltou Pappas. 

Rollas assume que a parte da infra-estrutura é desafiante, assim como as questões de logística, técnica, estúdios e pós-produção: "Tudo isso é importante e relevante. No FSA, podemos ter linhas de crédito subsidiadas para essas empreitadas. É algo que já está sendo desenvolvido. E temos que desenvolver o 'abaixo da linha', isto é, contra-regra, figurinista. Temos que treinar, capacitar e renovar esses talentos. Além do cash rebate, que pode ser atrativo, precisamos antes retomar nossa produção de forma pujante. Esse é o gargalo e foco que precisamos atuar no curto-prazo". 

Galvão conclui: "É possível pensar em um fundo no qual se tenha participação do Estado, União e município. Com recursos do FSA, por exemplo. A gente tem um exemplo de programa de cash rebate que funciona bem no país inteiro, que é o das notas ficais – como a nota fiscal paulista, por exemplo. Por isso digo que é possível construir. É necessário um entendimento do setor audiovisual como business, para além do eixo de cultura e de entretenimento". 

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