O Canal Brasil comemora nesta semana 25 anos de estreia. Seu papel de incontestável relevância para o cinema brasileiro fica evidente com os números superlativos do canal, que já exibiu mais de 7 mil filmes, entre curtas e longas-metragens, documentais e de ficção. Agora, se prepara para novos desafios a serem enfrentados para se manter atuante no esforço pelo crescimento do cinema nacional por mais um quarto de século, conforme conta em entrevista a TELA VIVA o diretor geral do canal, André Saddy.
Segundo o executivo, o Canal Brasil se destacou por ter se reinventado ao longo de duas décadas e meia, se adaptando rapidamente a novas realidades. Quando criado, chegou de forma a atender a uma imposição da antiga Lei do Cabo, que determinava o carregamento de ao menos um canal dedicado ao cinema brasileiro pelas operadoras de TV por assinatura com distribuição por aquele meio físico. Mais tarde, o Canal Brasil mudou para ajudar operadoras a atender a Lei do SeAC, tornando-se um dos “Super Cabeq”, os canais que destinam pelo menos 50% de sua grade à produção brasileira independente.
Agora, com espaço conquistado e consolidado na TV por assinatura – junto às operadoras e, sobretudo, ao público do cinema -, enfrenta o desafio de seguir atendendo um outro perfil de consumidor do cinema, que migra da TV paga tradicional para serviços baseados no streaming. Segundo Saddy, a TV por assinatura é onde o canal tem relevância, audiência e onde está sua receita, mesmo com a acentuada perda de base do meio nos últimos anos. “A gente tem essa tendência de achar que o mundo acabou de repente sempre que tem uma mudança em curso, mas por mais agressiva que seja a queda, a base da TV paga ainda é muito grande e seguirá por muito tempo”, diz. O novo desafio, explica, é encontrar um meio de ser ofertado em mais frentes para o público final, sempre tendo o operador como o principal parceiro. Hoje, o canal já está no Globoplay + Canais ao vivo, mas há um desejo de encontrar outro caminho de distribuição digital, o que ainda depende de afinar modelos de negócio com as operadoras, destaca Saddy.
Ele se mostra preocupado com o papel que os atuais Super Cabeq terão no futuro, com a ascensão da distribuição por streaming. Sobretudo, questiona que papel o cinema brasileiro terá nas grandes plataformas, mesmo com as regras de garantia de espaço que são discutidas atualmente em projetos de lei que virão a regular o setor. “Não dá para se iludir que duas ou três grandes plataformas vão licenciar esse conteúdo todo que exibimos em 25 anos”, afirma.
Para Saddy, os projetos de lei precisam trazer garantias de subsistências dos “Super Cabeq”. O canal vem conversando com seus pares na TV por assinatura para apresentar uma proposta aos legisladores. A ideia é propor que parte da contribuição que será cobrada das grandes plataformas seja revertida aos serviços “streamings Super Cabeq”. Além disso, querem garantias de que os streamings com este perfil estejam nos combos ofertados pelos agregadores. “A Lei do Cabo criou uma obrigação (de canal brasileiro), a Lei 12.485 (do SeAC) impulsionou e fez nascer outros canais. Nesse mercado novo, como isso continua? Precisamos seguir fortalecendo estes canais, que um dia serão plataformas”, diz.
Gente
Para Saddy, a regulação é muito importante para o futuro do canal. No entanto, tem certeza de que o Canal Brasil vai encontrar seu caminho em qualquer meio de distribuição graças a seu maior ativo: conteúdo e a curadoria. É um asset muito relevante que é fruto do trabalho de uma equipe enxuta, mas que atua em várias frentes e em colaboração. “O Canal Brasil é um dos projetos mais bem sucedidos na história do cinema brasileiro e é um esforço coletivo de uma equipe muito envolvida com este projeto”, diz.
Ele mesmo é parte e fruto desta equipe. Na criação do canal, Saddy trabalhava colaborando na telecinagem do acervo da LC Barreto, produtora de Luís Carlos Barreto, um dos sócios do canal. Se juntou à equipe do Canal Brasil seis meses após o lançamento, tendo passado por diversas funções até assumir a direção geral, em 2019, e tornar-se um dos sócios. “Eu queria trabalhar com cinema. Pensei em ficar em TV no máximo seis meses e estou até hoje”, diverte-se.
Além de André Saddy na direção geral, o time de líderes do Canal Brasil é formado por Camila Roque, gerente de marketing; Luiz Bertolo, gerente financeiro; Marina Pompeu, gerente de programação, aquisição e projetos; e Gesiele Vendramini, gerente de negócios, produção e digital. O canal é uma joint venture entre a Globo e o Grupo Consórcio Brasil, formado por Luiz Carlos Barreto, Zelito Viana, Marco Altberg, Anibal Massaini Neto, Paulo Mendonça, os irmãos Farias (filhos de Roberto Farias) e André Saddy.
Se o time de executivos e de sócios é de peso, o de apresentadores do canal não fica nada atrás, com nomes como Gilberto Gil (“Amigos, Sons e Palavras”), Andreia Horta (“O País do Cinema”) e Charles Gavin (“O Som do Vinil”). Também já passaram pela grade do canal Lázaro Ramos (“Espelho”), Nicole Puzzi (“Pornolândia”), Linn da Quebrada e Jup do Bairro (“TransMissão”). Além dos que fizeram história no canal, como Laerte, Zé do Caixão, Rogéria, Peréio, Selton Mello, Marisa Orth e Pedro Bial.
Coprodução
O Canal Brasil participa em mais de 400 coproduções de longas-metragens e tem participação regular em festivais como Sundance, Berlim, Cannes e Veneza. “Poucos canais do mundo atingem esta marca e frequência nos maiores palcos do cinema”, comemora Saddy.
Depois de anos licenciando longas e curtas para a sua grade de programação, em 2008 o Canal Brasil entrou na produção com “Lóki – Arnaldo Baptista”, de Paulo Henrique Fontenelle, que mostrou a vida do eterno mutante. A primeira produção original do canal surgiu “quase sem querer”. Segundo Saddy, a ideia era fazer um episódio sobre Arnaldo, de apenas 30 minutos. O episódio foi feito, mas viram que havia terreno para esticar a história. “Acabou estreando no Festival do Rio e foi convidado por diversos outros, quase sempre saindo premiado”, comemora Saddy. “Começamos a nos animar e vimos que havia caminho para entrar na coprodução, para além do licenciamento. Achamos que seria relevante ter a nossa marca nesses filmes para sempre”, diz.
Entre os longas coproduzidos estão “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho; “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz; “O Traidor”, de Marco Bellocchio; “Benzinho”, de Gustavo Pizzi; “Ferrugem”, de Aly Muritiba; “Dzi Croquetes”, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez; “Marte Um”, de Gabriel Martins; “Divinas Divas”, de Leandra Leal; “Não Devore o Meu Coração”, de Felipe Bragança; “Pendular”, de Julia Murat; “Aos Teus Olhos”, de Carolina Jabor; “Cinema Novo”, de Eryk Rocha; “Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida; “Gabriel e a Montanha”, de Felipe Gamarano Barbosa; “Bixa Travesty”, de Kiko Goifman e Cláudia Priscilla; “Aeroporto Central (Zentralflughafen THF)”, de Karim Aïnouz; “Boi Neon”, de Gabriel Mascaro, entre tantos outros.
No começo, o canal optou por entrar em documentários, já que não havia muitos recursos e os orçamentos dos longas de ficção são mais elevados. “Com a tecnologia digital, algumas produções de ficção começaram a ter um custo reduzido e fomos nos juntando a elas”, diz.
O modelo de coprodução com filmes é com recursos próprios do canal, ou dinheiro bom, como é chamado o investimento não incentivado, e sempre em uma proposta casada de coprodução e licenciamento. “Não é o maior dinheiro do mercado, mas é bom e rápido. Mas acho que o que faz com que tenhamos tantas parcerias e tão boas é que o canal dá absoluta liberdade. A gente pode trocar opiniões, mas a palavra final é sempre do coprodutor. Essa liberdade atrai muita gente”, diz.
Além disso, a forte presença do Canal Brasil nos festivais de cinema, na cobertura, mas também acompanhando a carreira dos produtores, faz com que consiga perceber autores que “quem olha da superfície, não enxerga”. Um exemplo é “Marte 1”, de Gabriel Martins. “Nenhum outro canal entrou na coprodução, mas nós entramos com total segurança. Conhecíamos bem o Gabriel e a (produtora) Filmes de Plástico dos festivais”, explica.
Desde 2014 o Canal Brasil tem uma parceria com a GloboNews e a Globo Filmes para coproduzir documentários com parceiros independentes. “Temos uma afinidade ótima. Às vezes o produtor chega através deles, às vezes através de nós”, conta. Para a ficção, muitos dos títulos também são realizados em parceria com a Globo Filmes e o TeleCine.
Séries
As séries de ficção originais do Canal Brasil também ganham cada vez mais espaço na grade. A mais recente estreia no Canal Brasil foi “O Caso Escola Base”, produção de Paulo Henrique Fontenelle que destrincha por diferentes ângulos o caso policial que chocou o país em 1994, quando os donos da escola infantil Base, em São Paulo, foram acusados de abuso sexual contra crianças. No segundo semestre, ainda chegam à grade do canal as séries “Vizinhos”, de José Eduardo Belmonte, com dez episódios independentes sobre histórias entre moradores de um condomínio; “Notícias Populares”, criada por André Barcinski e Marcelo Caetano e dirigida por Marcelo Caetano, com o cotidiano do polêmico jornal dos anos 1990; e “João Sem Deus – A Queda de Abadiânia”, de Marina Person, a primeira série de coprodução internacional independente no Brasil e em Portugal, que traz Marco Nanini no papel de João de Deus, além de nomes como Bianca Comparato e Karine Teles.
Estão entre as produções mais recentes “Chuva Negra”; “Os Últimos Dias de Gilda”; “Colônia”, inspirada na história real das pessoas que passaram pelo Hospício Colônia, em Barbacena; “Hit Parade”, sobre o cenário musical de 1980; “Lama dos Dias”, que retrata o surgimento do movimento manguebeat em Recife na década de 1990; e a série de animação “Angeli The Killer”, baseada nos personagens do cartunista Angeli, que concorreu na categoria TV Films, com o episódio “Delírios de um Amor Louco”, no Festival Internacional de Cinema de Animação de Annecy e foi vencedora da categoria melhor série brasileira animação, de produção independente no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Atrações documentais como “A Lei da Selva” e “Milton e o Clube da Esquina” também ganham destaque na grade.
Em séries, a coprodução se dá, normalmente, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, através das linhas destinadas à TV por assinatura. A maior parte das produções são documentais, já que o teto orçamentário é de R$ 5 milhões. “São poucas as séries de ficção que cabem nesse orçamento. Geralmente, achamos melhor uma série documental bem realizada do que ficar correndo atrás de ficções de baixo custo”, diz Saddy. Uma das exceções é “Os Últimos Dias de Gilda”, primeira série brasileira selecionada para participar da Berlinale Series, mostra do Festival de Berlim.
“O Canal Brasil não vai fazer série de hospital ou policial. Vamos buscar séries que não estariam em outros lugares”, diz. No entanto, destaca que não busca experimentalismo ou conteúdo de difícil assimilação, mas narrativas criativas ou uma direção mais cinematográfica do que o mainstream, por exemplo. Aqui, novamente, o protagonismo está na equipe do canal: “Para entrar em projetos sensíveis, com abordagem mais profunda, precisamos ter gente preparada, com conhecimento na produção de série mesmo, e não existe uma formação para isso no Brasil”.
Com a mudança de governo, Saddy aposta em condições favoráveis para o desenvolvimento de novas séries. “O aperto (financeiro) do mercado nos afetou também. A primeira área a sofrer foi a produção musical, de shows. Fizemos centenas de shows e agora não temos mais dinheiro para isso. Fizemos de Arrigo Barnabé a Chico Buarque. Nenhum outro canal teria feito o show do Arrigo Barnabé e acho que nem o do Chico”, diz.
Os programas de linha também estão com o orçamento reduzido. Nessa área, o canal também se destacou com conteúdos que não teriam espaço em qualquer grade de programação. São programas que se tornaram clássicos da televisão, como “Larica Total”, “Choque de Cultura”, “Tarja Preta”, “Espelho”, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”.
O aperto em música e grade é para priorizar a coprodução de filmes e séries e, é claro, seguir licenciando os curtas-metragens. É através desse formato que o Canal Brasil acompanha e participa da carreira da maioria dos mais premiados diretores de cinema desde o início de suas trajetórias. Muitos deles despontaram com curtas-metragens destacados no Prêmio Canal Brasil de Curtas, que desde 1998 é realizado nos principais festivais de cinema do país – como Festival de Gramado, É Tudo Verdade, Tiradentes e Brasília – com júris compostos por jornalistas e críticos de cinema. Os jurados escolhem o melhor curta em competição, que recebe R$15 mil e é exibido na programação do canal. “Não teve um dia nesses 25 anos que o canal não tenha exibido um curta-metragem”, diz, com orgulho, André Saddy.
O cinema de perto
Um dos mais longevos programas da TV por assinatura, o “Cinejornal” traz entrevistas e reportagens sobre a produção audiovisual, coberturas de pré-estreias e dos mais importantes festivais do país e do mundo. Desde janeiro de 2020, o jornalístico passou a ser exibido diariamente. Outra novidade é que, além de continuar a cobrir os principais festivais de cinema Brasil afora, o telejornal também está presente nos mais importantes festivais internacionais mostrando, principalmente, a participação do audiovisual nacional nos festivais de Sundance, Cannes, Veneza e Berlim. A atração tem direção de Erika Rodrigues, apresentação de Simone Zuccolotto, direção de Érika Rodrigues e reportagens de Maria Clara Senra (Rio de Janeiro) e Kiko Mollica (São Paulo).
O canal dedica ainda espaço para transmissões especiais ao vivo, como o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, o Festival de Gramado e o Prêmio Platino de Cinema Iberoamericano, que estão entre as principais premiações do Cinema Nacional e Internacional.
Comemoração
No mês do aniversário, o Canal Brasil terá quase 80% de sua programação voltada para a comemoração dos 25 anos. Com uma curadoria cuidadosa, a grade do canal vai celebrar e homenagear a sua história. Entre os destaques, está o programa inédito “Tá Só Começando – 25 Anos”, em que a apresentadora Simone Zuccolotto recebe grandes nomes do cinema brasileiro como Selton Mello, Matheus Nachtergaele, Leandra Leal e Lázaro Ramos em conversas sobre os últimos 25 anos de suas carreiras. Já a “Mostra Canal Brasil 25 anos” exibirá, aos sábados e domingos, 36 coproduções de ficção como “Cine Holliúdy”, de Halder Gomes; “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho; e “Marte Um”, de Gabriel Martins.
Quatro faixas especiais também fazem parte da programação: uma dedicada a curtas-metragens vencedores do Prêmio Canal Brasil de Curtas; outra com documentários coproduzidos pelo CB sobre diferentes temas como cultura, política, religião,, cultura e meio-ambiente; a “Faixa Retrô”, com programas de apresentadores que marcaram a história do canal, como “Amigos, Sons e Palavras” (Gilberto Gil), “Espelho” (Lázaro Ramos), “Tarja Preta” (Selton Mello), “Rolo Extra” (Pedro Bial), “TransMissão” (Jup do Bairro e Linn da Quebrada) e “Arte do Encontro” (Tony Ramos e Bárbara Paz); e mais uma que marca a relação do canal com a música, com exibição de shows produzidos pelo CB de artistas como Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Alcione e Seu Jorge, todos produzidos pelo Canal Brasil. Para completar, também serão exibidas maratonas de séries coproduzidas, como “Os Últimos Dias de Gilda” e “Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho”, e edições especiais do Cinejornal.
O Canal Brasil vai realizar uma mostra comemorativa no cinema. Entre os dias 28 de setembro e 1º de outubro, no Itaú Cultural, em São Paulo, serão exibidos os seguintes filmes: “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles; “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz; “Bixa Travesty”, dirigido por Claudia Priscilla e Kiko Goifman; “Babenco”, estrelado e dirigido por Bárbara Paz; De Anna Muylaert, “Mãe Só Há Uma”; “Boi Neon”, dirigido por Gabriel Mascaro; “Los Silencios”, de Beatriz Seigner e “Benzinho”, sucesso de Gustavo Pizzi.
Por fim, a cerveja Canal Brasil, que desde 2015 está presente nos principais eventos do audiovisual do país, ganha nova versão e nova fórmula Pilsen, em comemoração ao aniversário. Agora em lata, traz seis novos rótulos colecionáveis com ilustrações assinadas por Debora Isla em homenagem a coproduções de cinema e programas do canal: “Barucau”, “Dzi Croquetes”, “A Vida Invisível”, “Cine Holliúdy”, “Larica Total” e “Choque de Cultura”.