Produção e distribuição independentes defendem a criação de um marco legal do audiovisual no Brasil 

(Foto: Reprodução YouTube)

No novo episódio do "Tela Viva em Foco", programa do canal do YouTube da TELA VIVA, conselheiros do 9º CBCa – Congresso Brasileiro de Cinema e Audiovisual falaram sobre a proposta do homenageado da edição, o cineasta Luiz Carlos Barreto, o Barretão, de que seja criado um marco legal do audiovisual no Brasil, isto é, uma consolidação das leis do audiovisual. "Isso porque vai se fazendo leis num lugar, depois no outro, mas os princípios são os mesmos. Como existe a consolidação da lei do trabalho, a CLT, seria uma espécie de constituinte do audiovisual. Seria algo extremamente rico para os próximos anos", explicou André Klotzel, diretor e produtor de cinema. 

A ideia, conforme falou Jorge Peregrino, diretor do SICAV e membro do conselho da Academia Brasileira de Cinema, já foi aprovada dentro do Congresso. "Precisa ver agora como isso se financia – porque não é barato fazer consolidação nem do ponto de vista político, nem do financeiro. Mas ficou registrado", disse. "A consolidação das leis é fundamental. Burocracia virou empecilho, o risco jurídico para as empresas é enorme". 

O grupo reconhece que esse momento de consolidação eventualmente passaria por uma revisão, que poderia colocar algumas coisas em risco. "Certamente envolverá revisão. Mas tem que ter", defendeu Peregrino. "O emaranhado que é a legislação brasileira de instruções normativas e decretos precisa ser revisto em algum momento. Quando o Barretão lança a ideia, além da consolidação, de ter tudo organizado num marco, ela também dita uma revisão para corrigir coisas como a propriedade intelectual, os direitos autorais e o emaranhado que é a prestação de contas de um filme que tem incentivo fiscal. Todo mundo quer fazer a prestação direito, mas diversas vezes você tem que guardar o recibo da padaria, coisa de 20 anos atrás, porque a qualquer momento isso pode ser solicitado pela Agência. Isso não é racional", argumentou. 

Para Marilha Naccari, diretora do FAM, presidente da Panvision e produtora cultural, muita coisa dessa possível revisão seria, na verdade, uma atualização. Para exemplificar seu ponto, ela cita as novas experiências com as Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que fizeram atualizações e tentaram novos modelos em cima do que foi criado. "Mas é sempre um risco, por isso vamos precisar de muito esforço de classe e entidades, além de atenção nesse processo. É muito importante dentro dessa revisão buscar esse espírito de união e pensar no ecossistema do audiovisual de maneira mais igualitária e ampla. Estamos reunindo entidades de preservação, sindicatos, games, questões de direitos autorais, distribuição, difusão, eventos, festivais… Muitas vezes, a parte da educação e formação acaba ficando no pano de fundo no nosso setor. Mas são estruturantes para formação de público", lembrou. "Essa revisão precisa entender esses pesos e medidas para que a gente atualize como forma de justiça social, com contratos justos. Existe uma pluralidade de preocupações. Além dos pilares, há outros pontos de sustentação nessa base do audiovisual que são importantes. E todos sofrem com prestação de contas, formas de fomento, interrupção dos fomentos e novos planos de modelos de negócio que desestruturam. É uma relação delicada". 

Necessidade de mudanças na Ancine 

O texto divulgado após o 9º CBCa pede uma modernização da gestão pública, garantindo maior agilidade, transparência e segurança jurídica na execução dos recursos públicos. E nesse sentido, fala-se ainda sobre uma revisão de critérios para acesso aos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. Para Rojer Madruga, produtor de cinema, diretor da APBA-CO e diretor-presidente do 9º CBCa, são vários os pontos relacionados ao FSA que necessitam de revisão. "Claro que não vamos começar do zero. Tem que trocar o pneu com o carro andando. Mas tem que mudar muita coisa", enfatizou. "A Ancine diz que o TCU é o problema. Vamos no TCU, eles dizem que quem cria as Instruções Normativas é a Ancine. O Tribunal de Contas tem que acatar as leis, as INs, que são complexas e devem ser revisadas. Hoje, elas geram um problema enorme para o setor. O desembolso financeiro demora meses. Se você ganha um edital hoje, provavelmente vai ver o dinheiro em 2025. Toda a burocracia que criaram pode ser cortada pela metade – e isso sendo gentil", brincou o produtor. 

Madruga voltou a falar que os problemas da Ancine são inúmeros, mas que a entrada de Paulo Alcoforado como diretor traz uma visão de futuro mais otimista e, talvez, uma mudança de mentalidade. "Esperamos que a Ancine pense como o mercado atua e não crie burocracias desnecessárias. O TCU foi claro: se a Ancine diminuir a burocracia, eles vão acatar. Muitos dos nossos problemas são oriundos da Ancine criando INs que não são necessárias. Tem que mudar a mentalidade da Ancine como gestora", definiu. 

Segundo Klotzel, o que existe é uma permanente contradição entre a responsabilidade e o travamento: "Não existe fluidez – e isso contradiz com os princípios básicos, universais e razoáveis da produção e da distribuição cinematográfica e audiovisual. Precisamos desse fluxo. A Agência não consegue responder num ritmo condizente com a natureza da nossa atividade. Existe um descompasso entre a natureza da atividade e a verdadeira atuação da Ancine". 

Por fim, Naccari chamou a atenção para a necessidade de se criar um ambiente de segurança jurídica com um fluxo de trabalho melhor: "E também para os projetos, para que exista um calendário de fato. Os projetos que têm de ser submetidos hoje não podem ter um cronograma de necessidade atual. Você tem que pensar em projetos que serão atuais num futuro de três, cinco anos, que é o tempo mínimo que vai levar para que o recurso seja liberado e eles sejam produzidos", apontou. "Precisa de segurança jurídica em ambos os lados, para que a relação seja justa e exista uma transparência verdadeira. Esse conhecimento de como faço para submeter projeto e prestar contas tem que ser simples". 

Para ela, tem muita coisa no modelo atual que não faz sentido. "De onde surgiram essas regras? Foi um erro, uma questão, ou é algo sistemático?", questionou, citando medidas como os 10% limitantes para a divulgação do projeto dentro do orçamento do mesmo ou o fato de que uma mesma família não pode receber mais do que 5% do projeto, sendo que 85% das empresas brasileiras são familiares. "Falta uma relação de gestão amiga de quem deseja produzir. Eles têm que buscar incoerências onde realmente existe. Nas relações abusivas de trabalho, por exemplo. Nos problemas reais", afirmou. "O caminho é entender como todo esse arcabouço pode ajudar na realização, para que os produtores não sejam tratados como inimigos ou até criminosos", finalizou. 

Assista ao programa na íntegra no canal da TELA VIVA no YouTube ou confira abaixo: 

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