Executivo do setor de games, Gustavo Steinberg critica ausência de fomento e dificuldades na interlocução com a Ancine

(Foto: Reprodução YouTube)

O Brasil tem todas as condições e elementos para se tornar um mercado central no desenvolvimento de jogos, mas faltam investimentos a nível federal, maior interlocução da Ancine com o setor e, de modo mais amplo, o entendimento dos games como parte do ecossistema audiovisual. É o que disse Gustavo Steinberg, CEO do BIG Festival e agora da Gamescom Latam, e ainda membro suplente do Conselho Superior de Cinema do MinC, produtor, roteirista e diretor, em sua participação no "Café com Pixel", programa do canal TELA VIVA no YouTube produzido em parceria com o escritório CQS/FV Advogados. 

Um recente estudo da Abragames mostra perspectivas de crescimento dos estúdios de games no Brasil – segundo o material, já são mais de mil empresas do tipo no País – no entanto, para Steinberg, é preciso olhar para esses dados com atenção: "Ter um número grande de estúdios não significa necessariamente que tudo vai de vento em popa". Ele relembrou que os grandes estúdios demitiram muita gente recentemente. "Um grande estúdio que despede mil pessoas, faz nascer mais 15. O profissional abre uma empresa em vez de arrumar um emprego na área. É um segmento de mercado potente, mas que está passando por reacomodação", explicou. Para o executivo, um dos pontos sensíveis nessa equação é: existe uma pressão de valores cada vez mais altos para o desenvolvimento dos projetos – os títulos blockbusters multiplicaram em média o custo de desenvolvimento por dez nos últimos dez anos – mas, para o consumidor, o preço final do jogo não mudou muito. "A conta não fecha", ressaltou. "Teve um boom na pandemia, as pessoas passaram a jogar mais. Hoje, o setor continua robusto, mas enfrenta esse problema de ter que ajustar margens. Temos estúdios que realmente despediram muita gente, mas a participação forte nos mercados internacionais mostra que as empresas estão com apetite", concluiu. 

Ausência de fomento e dificuldades com a Ancine

Em termos de fomento, o produtor é categórico: nos últimos anos, o investimento em games foi quase zero. Com exceção de algumas iniciativas a nível municipal, pela Spcine, e estadual, pelo Governo do Estado de São Paulo, a nível federal os esforços foram nulos. "Estúdios que receberam investimento do FSA lá atrás – sendo a última vez em 2018, 2019 -, estão mais robustos e mais bem posicionados. Ou seja: é visível que o investimento faz diferença", observou. Para ele, existe um avanço, claro. Especialmente do ponto de vista de uma macroregulação, uma vez que acabou de passar pela última aprovação na Câmara o Marco Regulatório dos Games. "Há também um avanço no entendimento de games como audiovisual. Lá atrás, em 2012, travei uma discussão com o Ministério da Cultura com essa provocação. Se game não é audiovisual, é o que? Hoje, já tem um entendimento mais claro disso. O que falta é pacificar a legislação como um todo para obtermos os incentivos e estímulos que são dados ao audiovisual 'tradicional' nos games também", apontou. 

Steinberg reforçou que o avanço nesse sentido é mais lento do que o esperado, mas felizmente o governo atual tem uma interlocução melhor com o setor, o que deve ocasionar em resultados mais efetivos. "Temos agentes que estão se interessando, como o BNDES e o próprio MinC. E o fato de eu estar no CSC também", destacou. Mas, novamente, ele faz uma ressalva: apesar de ser membro do Conselho Superior de Cinema, o produtor ocupa uma cadeira de suplente – o que, na prática, traz algumas particularidades. "Sou um representante de segunda categoria no conselho atual. Ao contrário dos anteriores, onde o suplente estava sempre presente em igualdade nas reuniões. Agora, os suplentes participam online, e os titulares presencialmente. Sabemos que essas reuniões são só uma parte da coisa – mas são os bastidores que trazem essa troca, conversa e alinhamento", afirmou.  

Para Steinberg, é inegável que faz falta uma política específica para o setor de games. E, nesse sentido, ele aponta também as dificuldades que o segmento enfrenta com a Ancine. "A interlocução com a Ancine é nula. É quase constrangedor. Chegamos a ter, no ano passado, uma reunião marcada com a diretoria – mas ela foi desmarcada, nunca mais remarcada, e também não nos responderam mais. Para mim, a falta de interesse está absolutamente demonstrada. Suspeito também que seja falta de conhecimento. O que vem primeiro eu não sei – se a falta de interesse causa falta de conhecimento ou o contrário", criticou. 

Tendências e regulação 

Assim como aconteceu no audiovisual "tradicional", o mercado de games também vê crescendo os modelos por assinatura. Nesse segmento, o Xbox saiu na frente, depois veio o Playstation e a Nintendo logo atrás. "A tendência é crescer. O Brasil é o segundo maior mercado de gamepass do mundo, ficando atrás só dos Estados Unidos. Aqui, o modelo de assinatura é muito bem sucedido. E isso nos conecta com toda a discussão de como será a regulação do VOD – e como, em grande medida, é uma regulação que conversa com a regulação de games", analisou. Ele relembrou ainda que, hoje, plataformas de streaming como Netflix e Prime Video já têm games em seus serviços. "Não tem nem como fingir que não é parte da mesma discussão. Quando você abre a Netflix no celular, já aparece a aba de jogos na primeira posição", completou. 

As plataformas por assinatura podem ser benéficas para a indústria brasileira e latino-americana como um todo, na opinião do executivo. Nesse sentido, ele pontua que não é possível manter um catálogo de assinatura só com títulos blockbusters – precisa de uma pluralidade de títulos menores, mais baratos. Assim como acontece nas plataformas de streaming de filmes e séries. Mas isso leva a uma discussão que, para ele, está cada vez mais difícil: o que é um jogo independente? "Em termos de cinema, fica mais fácil entender o que é uma produção independente. Se o jogo nasce independente e depois é comprado por uma grande distribuidora, ele ainda é independente? O que define, hoje em dia, é o tamanho do orçamento. Até no audiovisual está definido já está defasada. Tem conteúdo que em teoria é independente, mas pertence à Netflix. Discutimos muito isso, e não tem uma definição legal por trás". 

Entender se esse nível de detalhamento em lei é realmente necessário passa por avaliar onde o Brasil quer chegar como indústria de games. O diretor pontua que países como Coreia e Canadá tiveram apoio de estatal e mega incentivos, tanto diretos quanto indiretos. "A gente tem várias flechinhas apontando para a nossa região como próspera para o desenvolvimento. Se fizermos apoio estatal bem feito, podemos explodir. E se for fazer, precisa ter definições bem claras. Principalmente sobre propriedade intelectual. Se queremos gerar valor, temos que garantir a propriedade", sinalizou Steinberg. A discussão sobre propriedade intelectual também é um dos pontos críticos do processo de regulação do streaming no Brasil, o que mostra, mais uma vez, como as áreas estão totalmente interligadas. 

Produção audiovisual enfrenta excesso de burocracias 

Gustavo Steinberg também é produtor, diretor e roteirista. Em seu currículo, o grande destaque é a animação "Tito e os Pássaros", da qual assina direção – ao lado de André Catoto e Gabriel Bitar – e produção – com Felipe Sabino e Daniel Greco. O longa foi pré-indicado ao Oscar de melhor animação e indicado ao Annie, principal prêmio de animação dos EUA, além de ganhar oito prêmios como melhor animação (como Chicago, Anima Mundi, Seattle, Havana) e de ser selecionada por mais de 100 festivais ao redor do mundo, incluindo TIFF e Annecy.

À frente da Bits Productions, ele segue trabalhando com animação, mas critica o sistema de fomento do audiovisual nacional e toda a burocracia envolvida: "Fiz um filme pré-indicado ao Oscar e indicado ao Annie e demorei cinco anos para conseguir o primeiro recurso para o meu próximo projeto. Nos editais do fundo setorial de 2022 e 2023, não consegui passar nem da primeira fase, porque minha produtora é nível 2. Mesmo com nota relativamente alta de diretor, perfomance comercial da produtora boa, o artístico nem se fala… Não consigo passar. Matematicamente, não tem como passar na nota de corte. Eles não estão nem lendo os projetos. Agora, temos editais de coprodução internacional que não têm essa barreira da produtora. E olha que tentei mudar o nível da minha produtora, mas não deu certo. Criamos um 'monstrinho burocrático'. Estamos tentando recuperar os investimentos, mas temos que lidar com esse bode na sala, que é essa burocracia tão grande". 

O produtor prosseguiu: "Entendo que tem que ter uma salvaguarda dos direitos, mas tem alguma coisa muito excessiva. A incapacidade da Ancine de regular grandes players é revertida na regulação dos pequenos produtores. A interlocução com a Agência é muito difícil. É uma pena. A relação com a Ancine daria para ser melhor. Mas é ruim com ela, pior sem". 

Para Steinberg, é essencial definir qual é o objetivo da produção audiovisual nacional – pergunta que, em sua opinião, não está claramente respondida. "O objetivo é quantidade de produtos? Mercado? Se for, não é assim que faz. Tem que ser mais ágil. Ou é crítica? Soft power?", citou. "Temos coisas sérias para revisar, e todas partem dessa pergunta inicial de qual é nosso objetivo". 

Evento 

De 26 a 30 de junho, a Gamescom Latam acontecerá em São Paulo, no Brasil, criando novas oportunidades para os fãs de jogos e para a indústria de entretenimento digital. Para torná-lo o maior festival de games da América Latina, a Gamescom e o Big Festival vão se fundir. O novo evento se soma à família de formatos já existentes da Gamescom – a original, em Colônia, na Alemanha, e a Gamescom Asia, que acontece em Singapura. Steinberg, até então CEO do BIG Festival, assume também a posição à frente da Gamescom Latam. 

"A perspectiva para o evento é a melhor possível. Sempre quisemos atrair o mercado de fora, chamando pela comunidade forte de desenvolvimento daqui, além do mercado consumidor. Apesar da simpatia que existe no mercado internacional pela marca BIG, quando falamos Gamescom Latam a conversa muda. É uma marca muito forte, que materializa uma construção que fizemos com um carimbo de qualidade e reconhecimento do mercado internacional", declarou o CEO do evento. 

Assista à entrevista na íntegra no canal do YouTube da TELA VIVA ou abaixo: 

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