Produtores elegem altos e baixos de 2023 para o setor audiovisual 

(Foto: Pixabay)

Em 2023, o setor audiovisual viveu um clima de retomada. Com um novo governo mais consciente da importância da cultura para o desenvolvimento do País, o Ministério da Cultura voltou a existir como pasta independente, com a Ministra Margareth Menezes, e a Secretaria do Audiovisual pode trabalhar de forma mais atuante, com Joelma Gonzaga à frente. No segundo semestre, foi nomeada a nova composição do Conselho Superior de Cinema – com foco em paridade de gênero e diversidade regional – e, na reta final do ano, foram renovadas as cotas de tela de conteúdo brasileiro na TV por assinatura e nas salas de cinema. TELA VIVA ouviu alguns produtores para saber qual avaliação eles fazem do ano que passou: quais foram as principais conquistas e também aquilo que ficou a desejar. Entre os destaques positivos, a maioria cita a aprovação das cotas de tela, a retomada do diálogo com a Ancine e um funcionamento mais ágil da Agência, os novos editais do FSA e o marco regulatório do fomento à cultura. Para 2024, fica a expectativa da formação do Comitê Gestor do FSA, junto de uma revisão nos critérios do Fundo e uma desburocratização dos processos, além é claro, da tão aguardada regulamentação do streaming.

(Foto: Waldemir Barreto/ Agência Senado)

Cíntia Domit Bittar 
É realizadora audiovisual, sócia da Novelo Filmes, faz parte da diretoria da API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro e é vice-presidente do Santacine, o Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina

"De bom, destaco primeiramente a retomada do MinC, da SAV e do novo Conselho Superior do Cinema, com formação inédita que traz paridade de gênero e diversidade étnica-racial e regional. Também a tramitação de marcos regulatórios no Congresso Nacional, com a aprovação dos projetos de lei das cotas de tela, recriando essa política para as salas de cinema e prorrogando a da TV paga; a aprovação do marco regulatório do fomento à cultura na Câmara, no qual esperamos incluir demandas do setor audiovisual; e o avanço na discussão da regulação do streaming, mesmo sabendo que os dois projetos de lei que tramitam ainda podem e precisam melhorar bastante para que tenhamos uma regulação à altura da nossa indústria e do nosso País. De ruim, destaco a execução problemática da Lei Paulo Gustavo em diversos estados e municípios. É muito bom que tenhamos políticas de execução descentralizada, mas é urgente pensar medidas que nivelem, formem e capacitem os entes regionais. Não é justo depender da sorte ou azar de residir em locais com gestões boas ou ruins, ainda mais se tratando de recursos federais. Destaco também a permanência de critérios estranhos, excludentes e concentradores nas chamadas públicas do FSA. O setor deposita esperança no novo Comitê Gestor do fundo, que deve ser anunciado em breve, para revisão da política atual, que consideramos muito equivocada e danosa para a inegável maior parte do setor, que demanda políticas públicas eficientes e democratizadoras. Esperança também no fortalecimento do que chamamos de tripé institucional, com a SAV, o CSC e a Ancine". 

Aline Belli 
É sócia da Belli Studio e Presidente do Santacine

"Em 2023, alguns projetos recomeçaram a andar e finalmente entraram em produção – mas como estavam parados há três, quatro anos, os orçamento estavam defasados em relação ao ano corrente. Foi uma verdadeira ginástica para adequar, porque além de tudo, a nossa moeda não está forte, outros países contratam nossos animadores treinados com valores baixos para eles e altos para nossa realidade.

Muitos produtores readequaram projetos, diminuindo minutagem ou simplificando materiais planejados para terem outra qualidade gráfica. Esse problema ainda teremos em obras que devem sair em 2024, 2025… Um dos problemas dos prazos não serem cumpridos de editais e mesmo liberações de captação é esse: os valores não cobrem mais o orçamento proposto, temos que lidar com dissídio coletivo anuais, inflação e flutuação do câmbio".

(Foto: @creativeculturebrasil)

Vânia Lima 
É cineasta e sócia-diretora da Têm Dendê 

"Neste ano, muitos avanços foram alcançados pelo audiovisual brasileiro. Acredito que o retorno do Ministério da Cultura foi o que pautou as conquistas seguintes, como a Paulo Gustavo, a Aldir Blanc, e as Cotas de Tela de TV e Cinema, além da composição do Conselho Superior de Cinema.  Todas essas ações são alicerces para debates que prosseguem em novo ritmo em 2024 – ano de consolidar qual o audiovisual brasileiro que queremos, com diversidade de eixos de atuação, narrativas plurais, modelos de negócios variados e protagonismos que representem um país como o Brasil. Acredito que o caminho da estruturação da política pública do audiovisual em 2023 será necessário para  a segurança jurídica e as atuações a serem pautadas, e isso será fundamental para  a retomada de crescimento das empresas brasileiras dos diversos segmentos do audiovisual. Essa retomada, estacionada desde o final de 2018, se consolidará em 2024 com a aproximação das novas tecnologias e players  pautados pela necessidade de regulação do nosso mercado. A pauta da regulação do streaming, a construção de um FSA com mais pluralidade e assertividade, a inclusão da indústria de games na pauta do audiovisual e a participação do Brasil como eixo de protagonismo na pauta internacional serão a marca dos próximos passos, que esperamos debater sob a perspectiva de um audiovisual brasileiro inclusivo e diverso". 

Felipe Novaes
É head de desenvolvimento da Chatrone

"No âmbito positivo, além da linda articulação que as entidades e os agentes audiovisuais estão fazendo em torno de uma retomada das políticas públicas, acho que o mais positivo é o retorno do diálogo entre o Ministério, as Secretarias e a Ancine. Lógico que outro ponto são os recursos que estão começando a circular – e acho que com eles a percepção de que, idealmente, há de haver uma diversidade de fontes orçamentárias. Não podemos depender nem só de dinheiro incentivado nem só do privado.

Houve conquistas importantes, como as leis aprovadas no Congresso, mas eu citaria como negativo o fato de que ainda há uma forte resistência parlamentar e de partes do mercado, tanto por falta de entendimento como por acomodações de interesses, a pautas que julgo essenciais para limar distorções na nossa indústria. É algo para o qual devemos voltar todas as nossas atenções em 2024, porque a luta não cessa nunca".

(Foto: Divulgação)

Rodrigo Letier 
É produtor e sócio da Kromaki 

"O ano de 23 já previa uma entressafra no mercado audiovisual, na medida em que as plataformas de streaming reduziram seus investimentos se comparados aos anos anteriores ao mesmo tempo em que os recursos públicos oriundos dos editais ainda não foram plenamente empregados. Esperamos que o ano de 2024 já traga o tão aguardado equilíbrio para as produtoras entre as possibilidades de financiamento público e privado. De qualquer forma, a volta das políticas públicas e as discussões regulatórias são uma boa notícia, sem dúvidas, e nesse contexto devemos destacar a volta da cota de tela e a abertura dos editais, não apenas federais, mas também em esfera estadual e municipal. O simples fato de termos retomado o diálogo com a Ancine já aponta para um futuro promissor novamente, embora o ritmo dos seus processos ainda possa ser aperfeiçoado junto à tão sonhada desburocratização". 

(Foto: Divulgação)

Juliana Funaro 
É produtora e sócia da Barry Company 

"Esse ano de 2023 foi um ano de retomada da cultura no Brasil. No nosso setor audiovisual, tivemos algumas conquistas bem significativas e importantes. A execução da Lei Paulo Gustavo, que mesmo com todas as dificuldades foi executada; a formação do novo Conselho Superior de Cinema, que agora pela primeira vez na história conta com paridade de gênero e representação de diversas regiões do Brasil. Houve ainda a prorrogação da cota de tela da TV por assinatura. Tivemos o lançamentos de novos editais do FSA e aguardamos para 2024 a formação do novo Comitê Gestor do FSA, a aprovação da regulação do VOD e a execução da Aldir Blanc. Estamos no aguardo também do lançamento dos editais de coprodução internacional e o suporte automático, ambos já anunciados. Mas sinto que o processo de aprovação de programas nacionais de Cash Rebate ainda está muito lento. Deveria ter um empenho muito maior do governo para avanço desses programas. Somos um polo produtor e consumidor de audiovisual e estamos muito defasados com relação ao resto do mundo na implementação desses programas". 

(Foto: Divulgação)

Iafa Britz 
É produtora de cinema e sócia da Migdal Filmes 

"Começamos 2023 com muita energia e expectativa, diante de um novo governo que valoriza a indústria do audiovisual da forma que ela merece: dinâmica, inclusiva. Profissionais e mercado sedentos por trazer o público de volta para os cinemas, de resgatar legislações perdidas nos anos anteriores (cota de tela) e com urgência de olhar para novas pautas, em especial a regulação do VOD e a direitos autorais. Pautas estas já defasadas, comparadas a todo o resto do mundo. Muito aconteceu – talvez não no ritmo que gostaríamos – mas acredito que havia também uma necessidade de um tempo de (re)união do próprio setor, bem como de alinhamento dos setores públicos que envolvem o audiovisual. Há vários destaques positivos, mas chamo atenção ao investimento recorde nos projetos do FSA; a retomada das linhas de Suporte Automático do FSA por desempenho comercial e artístico e a cota de tela pra TV por assinatura. Ainda há muito a ser feito, e tudo é meio que urgente. Precisamos muito aprimorar as regras de investimentos nos editais do FSA. Para isso teria sido muito importante que já tivéssemos o novo Comitê Gestor em atuação, já que o mercado que se desmantelou nos últimos anos, e há elementos importantes a serem revisitados para um "levante" da indústria. Precisamos de filmes com potencial para atrair o público de volta ao cinema brasileiro, ao mesmo tempo que precisamos atender a diversidade das próprias empresas brasileiras existentes, a diversidade dos profissionais, a diversidade do próprio público. Há, afinal,  muitos países dentro do Brasil, e cada região, para ser potencializada, precisa ser vista em sua singularidade". 

(Foto: Divulgação)

Wagner de Assis 
É diretor, roteirista e produtor e responsável pela Cinética Filmes, fundada em 1997

"De pontos positivos para o setor, destaco a aprovação da cota de tela; o avanço da regulamentação dos streamings, com possibilidade de aumento do recolhimento de Condecine, que prevê a contribuição para o fomento do mercado audiovisual brasileiro; e o investimento de mais de R$ 2 bilhões do FSA no mercado. Mas ainda necessita de urgência o aumento de limite de aporte dos mecanismos de incentivo de que tratam os artigos 3º e 3ºA da Lei do Audiovisual e a forma de análise de projetos em editais, que necessita sair de critérios subjetivos. Ainda se pode pensar em mecanismos de incentivos a entes privados do setor financeiro que desejem investir em toda a cadeia de cinema – a fim de que tenhamos mais salas, mais estúdios, mais formações profissionais. Também acho que é válido pensar em linhas de investimentos que apoiem produtoras e não projetos". 

Cesco Civita 
É sócio e produtor da Pródigo Filmes

"Em 2023, o cenário audiovisual brasileiro testemunhou avanços significativos, com a retomada da iniciativa pública no audiovisual e com a aprovação de leis que impulsionaram a indústria: o marco regulatório do fomento à cultura e a Cota de Tela no Cinema. Além disso, destacaram-se iniciativas de fomento à produção nacional e regional e a promoção da diversidade, contribuindo para um ambiente mais inclusivo. No entanto, desafios persistem, como a necessidade de acelerar a implementação de medidas da regulação do VOD e assegurar uma remuneração com participação nos direitos patrimoniais aos criadores e produtores do setor.

Apesar dos avanços, ainda há espaço para melhorias na infraestrutura e na distribuição, visando fortalecer a presença internacional da indústria do audiovisual brasileiro. Em resumo, 2023 foi marcado por conquistas positivas, além dos desafios importantes em todo mercado audiovisual no mundo (greve dos roteiristas e atores nos EUA). É fundamental manter o foco em áreas que demandam aprimoramento para impulsionar ainda mais a indústria audiovisual no Brasil e estar atento ao mercado em constante e célere transformação". 

Tiago Mello 
É produtor executivo e sócio da Boutique Filmes 

"O ano de 2023 foi bom para a retomada do setor audiovisual, com a rediscussão de grandes questões do mercado, assim como a aprovação (pelo Senado) da Cota de Tela para a TV e para o Cinema. Foi um ano de avanço e retomada do setor e trouxe um espírito positivo, para nós, profissionais, conseguirmos fazer uma indústria cada vez mais forte. Mas ainda existe uma retração do mercado, principalmente por parte dos streamings. O Brasil também está produzindo menos do que poderia estar produzindo em número de conteúdo e em número de gêneros. Poderíamos ter mais projetos em produção". 

Moa Ramalho 
É sócio e produtor executivo na Café Royal 

"Neste ano, foi bom ver que nosso mercado é capaz de se reinventar. Ainda estamos trocando o pneu com carro andando, mas posso sentir que novos desenhos de negócios estão surgindo. Foi bom ver que mesmo com todas as adversidades, as produtoras estão unidas na tentativa da regulação do VOD. O ano começou com muitas expectativas, de mudanças significativas nessa regulação, de mais agilidade nas liberações das verbas dos editais, e de uma retomada econômica pujante com a aprovação da reforma tributária.

A sensação é a de que o prato foi servido com meia refeição. Tivemos um pouco de tudo, a regulação do VOD avança, mas não exatamente como gostaríamos; os editais foram um pouco confusos e nem sempre tão ágeis nas liberações das verbas; e a reforma tributária será aprovada com muitas exceções. Acredito que tudo isso tenha refletido em um ano mais fraco para as produtoras, com menos trabalhos e verbas reduzidas". 

(Foto: Divulgação)

Fabio Golombek 
É fundador da FJ Produções

"O apoio recebido este ano dos órgãos oficiais foi essencial para a retomada da produção do audiovisual onde inúmeros projetos conseguem sair do papel graças ao suporte recebido ao setor.  Este apoio é algo que acontece de forma regular em praticamente todos os países do mundo que reconhecem a importância da cultura (e do entretenimento) para fortalecer a identidade de seu povo. Sem isso, a produção cultural fica dependente apenas dos aspectos comerciais e pior, sem chance de concorrer com o produto que vem do exterior. O que poderia e deveria ser melhorado na aplicação das leis de incentivo são duas coisas principais: a regularidade – não serem aleatórias as datas dos editais a serem lançados, desta forma as produtoras podem se preparar melhor, e a segunda seria a claridade e praticidade dos requisitos para aplicação. Por exemplo, vários projetos receberam pontuação maior que outros que foram escolhidos. Então qual a razão da pontuação? Além disso, produtoras pequenas e médias às vezes ficam de fora por não conseguirem se qualificar para determinados editais. Isso é compreensível, contanto que existam outras categorias específicas para pequenas e médias produtoras". 

Sabrina N Wagon 
É CEO da Elo Studios 

"Pontos positivos: maior agilidade na Ancine. As respostas são rápidas, analistas eficientes e realmente sentimos como uma "nova" Ancine; o reforço da indústria do audiovisual no BNDES é essencial para o fortalecimento do setor como indústria. Em especial o Procult, que tem se mostrado um dos mecanismos que mais alavanca empresas do segmento. O seminário realizado pela instituição trouxe maior otimismo de todos no mercado, viabilizando assim, investimentos e novas parcerias; e o reforço da importância do Funcine como mecanismo, com agilidade de investimento.

Mas os assuntos debatidos mas que ainda não tiveram desfecho e tiveram um impacto negativo no ano de 2023 foram: cota de tela e regulamentação do VOD (acredito que com essa definição os investimentos voltem a patamares anteriores) e renovação do SEAC (o licenciamento de conteúdo pelos canais de TV caiu muito nesse ano)". 

(Foto: Divulgação)

Claudia da Natividade 
É produtora, sócia-fundadora e atual diretora da Zencrane Filmes

"Entre os pontos positivos, destaco a aprovação no Senado do retorno da cota de tela e a normalização das atividades da Ancine. De pontos negativos, está o fato de que mesmo o Brasil  sendo um dos maiores mercados consumidores de streaming do mundo, e o tema esteja em discussão no Congresso desde 2017, ainda não aprovamos a regulamentação do streaming. Ainda menciono algo que foi bom e ruim: novos softwares de produção audiovisual com uso de IA. Essa é uma discussão iminente e interessante que aumenta a produtividade, mas pode colocar em risco muitos dos empregos atuais na atividade audiovisual, além de envolver questões complexas de direito autoral". 

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